segunda-feira, 29 de julho de 2019
Só há visão de classe?
Depois de ter ido ao Douro dar graxa à classe dominante local, em versão eterno feminino, a jornalista Luísa Oliveira deslocou-se ao Alentejo para mais uma “reportagem” de apologia do porno-riquismo. Neste quadro mental, o território nacional não passa de uma imensa acumulação de mercadorias para consumo conspícuo de uma elite: “acompanhem-nos por uma longa viagem por dois Alentejos: o requintado, mais charmoso e dinâmico, e o tradicional, mais tosco e autêntico”.
É este estilo publicitário de agência de viagens que passa por jornalismo hoje em dia? Estou certo que muitos jornalistas da Visão dirão que não. O problema é que, desgraçadamente, o jornalismo está mesmo em crise, sendo cada vez menos autónomo face às lógicas do capital dominante. Como acontece num número crescente de esferas da vida, também os bens internos a esta importante prática estão a ser corroídos.
Uma semana depois, no último número, a Visão oferece-nos um clássico do porno-riquismo, em versão suplemento imobiliário, confirmando que a base material desta imoralidade está no nexo imobiliário-finança-turismo. Este nexo coloniza todo o espaço, anulando uma certa separação, que existia na boa imprensa, entre publicidade e jornalismo. Pergunta-se ao leitor se quer comprar um apartamento de sete milhões e tal e, em linha com os interesses perversos da especulação imobiliária, garante-se que esta bolha é eterna. Como sabemos da história económica, não há melhor sinal de uma bolha que rebentará do que esta convenção a-histórica, alimentada por míopes interesses pecuniários que agem sempre como se a história tivesse acabado.
Não julguem que a Sábado é melhor. Como vai sendo habitual, esta revista dedicou-se recentemente a glamourizar a destruição da costa alentejana pelos mais ricos. Estes colonizam tudo. Numa reportagem toda apologética dos refúgios dos ricos, ficámos a saber que “até o designer Philipe Starck come frango assado” na zona de Melides. Os dois Alentejos, o charmoso e o tosco, fundem-se, no fundo. E eles comem tudo.
Já que a fronteira entre jornalismo e imprensa cor-de-rosa também foi apagada, vale a pena convocar a chamada Cinha Jardim. Em linha com Jorge Jardim e com Maria de Fátima Bonifácio, esta igualmente odiosa figura resume a visão de classe, tingida de racismo, de que também é feito o porno-riquismo (do jovem conservador de direita):
Enfim, os cacos deste modelo serão apanhados mais à frente pelo mesmo povo que trabalha por baixos salários a servi-lo. Pouco interessa. A classe que trabalha já não é visível nesta imprensa. Voltará a sê-lo, não duvidem, mas só quando voltar a meter medo aos ricos.
"A classe que trabalha já não é visível nesta imprensa"
ResponderEliminarNão é apenas o "jornalismo" que tornou invisível quem trabalha...
Em tempos vi ou li qualquer coisa sobre como até há uns tempos a classe trabalhadora era representada no entretenimento, e como tem desaparecido desse mesmo entretenimento cedendo esse lugar no entretenimento a uma classe de gente abastada.
Era do enternecimento norte americano que se falava.
Reparem nos filmes comerciais de sucesso dos anos 80 norte americanos Caça Fantasmas, Regresso ao Futuro, E.T., Gremlins e tantos outros desta era, reparem quem são as pessoas e as famílias... Classe trabalhadora/ classe média!
Agora reparem nos filmes mais recentes norte americanos, quem são os indivíduos nos quais a narrativa se foca? Classe hiper-alta, os bilionários!
Antes os heróis eram "gente comum", agora, os heróis são os super ricos que pelos vistos têm acesso às mais variadas tecnologias que eles "sozinhos" criaram...
Até no enternecimento a força da classe trabalhadora e o declínio da sua influência são indisfarçáveis!
Neoliberalismo capturou a imaginação das pessoas.
A decadência socioeconómica e a incapacidade de resolver problemas (como a crise ambiental) da América do Norte e da Europa estão relacionadas com a captura da imaginação colectiva.
Mais um excelente texto
ResponderEliminarQue vai concitar o ódio dos servos servis dos porno-ricos
As dachas dos ricos sempre exaltam os próceres socialistas, pelo menos até quando lhes possam deitar a unha.
ResponderEliminarA partir daí tudo é justa recompensa dos queridos líderes dos trabalhadores.
Poder-se-á dizer muito sobre o porno-riquismo ou o que queiram chamar a quem, sendo rico, usufrua a sua riqueza.
Agora pretender que não possa haver jornalismo que reporte o que de belo possa ser feito com dinheiro bastante não só não é sério como pressupõe que jornalismo tem sempre que ser instrumento de propaganda ideológica.
Quanto ao hino dos 'trabalhadores, coitadinhos' é só um monótono porno-pobresismo.
Ora, aí está: a pobreza é mesmo pornográfica. A material e a espiritual!
EliminarSó, os pobres não compram a visão.É muito cara.
ResponderEliminarA propósito de hinos...
ResponderEliminarJá viram o hino aos porno-ricos do sujeito de nickname Jose?
Os porno-ricos a defenderem a sua apropriação pornografica da riqueza
ResponderEliminarAinda dizem que não há luta de classes
ResponderEliminar“O capital tem um único impulso vital, o impulso de se auto-valorizar, de criar mais-valor, de absorver, com sua parte constante, que são os meios de produção, a maior quantidade possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que, como um vampiro, vive apenas da sucção de trabalho vivo, e vive tanto mais quanto mais trabalho vivo suga. O tempo durante o qual o trabalhador trabalha é o tempo durante o qual o capitalista consome a força de trabalho que comprou do trabalhador. Se este consome seu tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista.” - (Marx, O Capital, Livro I, p. 307)
E o maior furto é o salário mínimo obrigatório (se não fazem nada para quê pagar-lhes...); viva o trabalho escravo!
Eliminar«Se este consome seu tempo disponível para si mesmo, ele furta o capitalista»
ResponderEliminarTem a certeza que este aborto saiu desse livro?
Há muitas maneiras de abordar estas questões da desigualdade. Uma das minhas preferidas é a de Branko Milanovic.
ResponderEliminar"...the distribution of emitters (of CO2, N.T.) mimics the distribution of income. Since in the global income distribution the top decile receives at least 50% of global income, it is also responsible for at least one-half of all emissions."
"...a distribuição de emissores (de CO2, N.T.) imita a distribuição de rendimento. Como na distribuição do rendimento global o primeiro decil recebe pelo menos 50% do rendimento global, esse decil também é responsável por pelo menos metade de todas as emissões ".
Portanto, quando algum tótó vier pregar a virtude de se reduzir as emissões de CO2 em actividades e por meio de penalizações que incidam sobre os rendimentos mais baixos, é legítimo que se apontem os titulares de altos rendimentos como os verdadeiros responsáveis por uma parte substancial do aquecimento global.
"This is because the man emitters who should be targeted are the rich, regardless of where they live. Thus, a much more appropriate approach would be an international (global) taxation of goods and services consumed by the rich. But for that one would need to have an international authority that would be allowed to tax citizens of different countries and to collect revenues globally."
"Isto ocorre porque os emissores (de CO2, N.T.) que devem ser visados são os ricos, independentemente de onde habitem. Assim, uma abordagem muito mais apropriada seria uma tributação internacional (global) de bens e serviços consumidos pelos ricos. Mas, para isso, Precisamos ter uma autoridade internacional que possa tributar cidadãos de diferentes países e coletar receitas globalmente."
O diabo, como sempre, esconde-se nos detalhes, e, da mesma maneira que não existe uma autoridade fiscal internacional que tribute os poluidores também não há uma autoridade que obrigue a limitações globais de emissões de CO2.
O post de Branko Milanovic é interessante e até brilhante pela análise que faz das incongruências e limitações que a presente ordem internacional apresenta, e embora eu não concorde na totalidade com as soluções propostas recomendo vivamente a sua leitura:
https://glineq.blogspot.com/2019/03/formal-and-actual-similarities-between.html
S.T.
A propósito de porno-ricos...
ResponderEliminarFoi assassinado em Itália um carabineri, que casara há cerca de 1 mês. Com 11 facadas
Ao princípio tentaram atribuir o crime a dois magrebinos. Uma onda imensa de xenofobia percorreu a zona.
Depois verificou-se que o crime tinha sido cometido por dois turistas,de 18 e 19 anos de idade, americanos e ricos, hóspedes de um hotel de luxo. Um deles trouxera a arma branca utilizada no crime, desde os States
Porno-ricos.
Afirmarão que cometeram o crime porque o carabineri queria ficar com suas dachas deles, ricos? Porno-ricos?
Queriam, sendo ricos, usufruir a sua riqueza da forma como só os porno-ricos o fazem?
Queriam jornalismo que reportasse o que de belo possa ser feito com dinheiro e com uma faca que não se sabe como atravessou impune o Atlântico? Eram tão ricos que passaram incólumes?
Quanto ao hino dos 'trabalhadores, coitadinhos' foi só mais um que morreu às mãos de dois crápulas porno-ricos
Os porno-ricos costumam solidarizar-se entre si.
Como se vê de resto neste post
E agora algo de radicalmente diferente...
ResponderEliminarDe certa forma também é uma resposta ao troll José, o cripto-estalinista, que comentava assim noutro post:
"Quanto ao 'homem novo' as religiões, mais prudentes e mais sábias, atêm-se a que só a fé e o auxílio de forças divinas viabilizará a aproximação a um tal ser místico, o qual só declaram alcançável num mundo para lá da morte."
A esta visão reducionista e limitada do papel da espiritualidade na vida quotidiana tenho a contrapor algo que não sendo uma solução generalizável, aponta para outras possibilidades que as sociedades humanas sem dúvida explorarão no futuro.
Queiram ler o artiguinho:
http://www.forbesindia.com/article/think/the-monk-who-runs-a-business/38479/1
Como nota apensa devo dizer que adoro a contradição da pertença a uma ordem religiosa de Sadhus (monges indianos) que exigem a nudez total com o facto de se ser CEO de uma empresa que produz roupa. Deliciosa ironia.
Também é irrealista pensar que os porno-ricos de repente se convertam em magnânimos benfeitores da humanidade, mas talvez valha a pena explorar as formas de propriedade condicionada que se desenham já pelas necessidades práticas de organização e sobrevivência dos estados.
S.T.
"E o maior furto é o salário mínimo obrigatório" ?
ResponderEliminarÉ? Sobretudo para não o pagar, como defende a pandilha neoliberal
Se não fazem nada para quê pagar-lhes...?
Não fazem nada? Isso parece paleio de quem?
Viva o trabalho escravo?
É mesmo o paleio de alguém