A racista Maria de Fátima Bonifácio defendeu que os negros e os ciganos não teriam “descendido” da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Em anti-racista reacção, o historiador Rui Bebiano defendeu, por sua vez, o seguinte:
“Na realidade, o texto-chave da história contemporânea aprovado em Paris, pela Assembleia Nacional Constituinte, apenas cinco semanas após o episódio revolucionário decisivo que foi a Tomada da Bastilha, refere expressamente o caráter universal e igualitário desses direitos. Observados sob uma perspetiva ocidental, é certo, mas que sob a influência dos princípios iluministas e das ideias da Revolução Americana se pretendiam aplicáveis a todos os seres humanos.”
Creio que se pode estar a minimizar a distância histórica entre uma certa concepção potencialmente universalista e um conjunto de práticas político-institucionais, devidamente teorizadas, que bloquearam esse potencial. Negros, mulheres e plebe estavam na prática, e em muita da teoria, excluídos nesta fase, liberal e burguesa, da Grande Revolução Francesa, incluindo de uma Declaração que acabava por privilegiar os proprietários. A Declaração, por exemplo, não se aplicava inicialmente às colónias, em especial a São Domingos (futura República do Haiti), a lucrativa colónia açucareira assente numa força de trabalho esmagadoramente escrava e que assim permaneceu. Como defendeu Eric Hobsbawm, na sua magistral A Era das Revoluções, a revolução ignorou nesta fase a gente comum, quer do ponto de vista socioeconómico, quer do ponto de vista político.
Será só na fase republicana e jacobina da revolução, em 1794, que a escravatura é abolida nas colónias francesas, para voltar a ser reinstituída por Napoleão na fase de consolidação burguesa pós-revolucionária. Será só na fase jacobina que as questões social e democrática começam a ser constitucionalmente encaradas. Os chamados jacobinos negros, já agora, foram os actores da luta pela República do Haiti, o espectro a esconjurar por todos os meios e por toda a América de seguida.
E o que dizer da “Revolução Americana”? O capitalismo liberal norte-americano foi na sua prática institucional excludente, até porque foi escravocrata: o direito à felicidade não era de facto para todos. A divisão de trabalho na base do capitalismo norte-americano é impensável até muito tarde no século XIX sem esta forma de dominação, reforçada no sul até à década de sessenta e que também beneficiou o norte, como se tem cada vez mais sublinhado na nova história do capitalismo nos EUA: o algodão não engana, realmente.
Do ponto de vista político, lembremo-nos do compromisso dos três quintos na Convenção Constitucional, composta por homens brancos relativamente ricos, contando-se assim nesta proporção os escravos para efeitos de impostos e de peso eleitoral dos Estados. Lembremo-nos da necessária Guerra Civil e do grande Lincoln, por quem de resto Marx tinha uma enorme admiração. Lembremo-nos de como essa encarnação do chamado internacionalismo liberal que foi o Presidente Wilson, racista e segregacionista, recusou, em 1919, a proposta do Japão para inscrever a igualdade racial na nova ordem internacional emergente. E, já agora, lembremo-nos de como gente de esquerda anda ainda hoje a incensar figuras destas, em nome da adesão a um liberalismo demasiado a-histórico.
Se lembro estas coisas, é só para sublinhar como o liberalismo historicamente dominante é incompreensível se não atentarmos nas suas cláusulas institucionais de exclusão, anti-democráticas, racistas e patriarcais, até ao século XX e para lá dele. E estas cláusulas foram defendidas por algumas dos melhores pensadores liberais, de Tocqueville a Mill, particularmente no âmbito das questões colonial, social e democrática. Foram sobretudo as tradições republicana radicalmente democrática e socialista que lutaram para eliminar as tais cláusulas, em nome de um humanismo universalista genuíno, mas que foi tantas vezes recebido a ferro e fogo pelo liberalismo hegemónico no chamado longo século XIX e para lá dele.
É por estas e por outras razões históricas e por muitas outras razões ético-políticas que recuso colocar liberal a seguir a democracia. Um democrata tem de saber superar, friso a palavra superar, o liberalismo, até para não deixar de ter no horizonte a questão da superação do capitalismo, de que o primeiro é, em última instância, a ideologia.
a divisão do trabalho em qualquer sociedade causa o aparecimento de uma classe média de uma nomenklatura e de uma maioria que recebe menos de 700 euros por mês e é essa classe baixa que dá carne para canhão para todas as revoluções já lá dizia emanuel goldstein
ResponderEliminarAguarda-se o elogia da democracia não liberal.
ResponderEliminarO papel reservado aos ciganos nessa democracia será seguramente um hino ao multiculturalismo.
O post de João Rodrigues, dir-se-ia, acrescenta nexo ao texto da historiadora.
ResponderEliminarNa verdade, João Rodrigues, devagar, devagarinho, vai-se percebendo o que a historiadora quis afirmar e em que plano cultural. No plano de conceitos, em que ambos escrevem, se bem percebi, tenta-se comunicar o mesmo.
Não poderia deixar de assim ser.
Definitivamente não estão a escrever para quem, pouco maduramente, se auto-proclama, afincadamente, "não racista".
Interpretações emocionais ou primárias do conceito de "racismo" não se coadunam com o texto que originou tanta celeuma. E por isso mesmo. "et pour cause" afirmariam os "intelectuais" ...
Mais uma vez um excelente texto.
ResponderEliminarE não, ao contrário do que um anónimo tenta fazer crer, este texto não se pode confundir com aquele esterco de texto de Bonifácio.
Não se tenta comunicar o mesmo.
E o texto de Bonifácio é assumidamente um texto racista. Citando: "A racista Maria de Fátima Bonifácio"
Está claro?
O que João Rodrigues desmonta é, entre outras, o mito da bondade do liberalismo e todas as mistificações históricas associadas
Já agora o ladrar doutro racista encartado mostra quão medíocre é o que sobra dum salazarismo putrefacto
ResponderEliminarSoltaram outra vez o Cuco!
ResponderEliminarPor favor, alguma dignidade por parte de Jose
ResponderEliminarQue modere um pouco essa espécie de medo pavloviano e assuma o que se debate. Os seus problemas familiares não são para aqui chamados.
Fala-se de racismo e das elites liberais. Ao jose entaramela-se a voz e acena com o pânico?
Não é preciso mudar de pantalons como aconteceu na madrugada libertadora
Caro Jose.
ResponderEliminarPenso que o "cuco" é uma forma de censura encapotada deste blogue.
É muito estranho que permitam um troll actuar livremente com o único fim de impedir as discussões nas caixas de comentários que vão contra a linha política do blogue.
Tenho a impressão que se fizesse o que o "cuco" faz o meu acesso era imediatamente barrado.
O que se passa neste blogue é um bom lembrete de que a extrema esquerda não é diferente da extrema direita.
Caro Jose.
ResponderEliminarPenso que o "cuco" é uma forma de censura encapotada deste blogue.
É muito estranho que permitam um troll actuar livremente com o único fim de impedir as discussões nas caixas de comentários que vão contra a linha política do blogue.
Tenho a impressão que se fizesse o que o "cuco" faz o meu acesso era imediatamente barrado.
O que se passa neste blogue é um bom lembrete de que a extrema esquerda não é diferente da extrema direita.
Pois é.
ResponderEliminarDe mãos dadas e de olhos em alvo,jose e pedro, ou mais concretamente jose e joão pimentel ferreira
Um blog livre este. Tanto que o pobre pedro passa aqui o tempo, a tentar fazer aquilo que mais sabe fazer. Embora continue a chafurdar nos insultos a quem aqui assina por aqui posts