sexta-feira, 21 de junho de 2019

E depois do neoliberalismo?

O economista norte-americano Joseph Stiglitz, que recebeu o equivalente ao prémio Nobel da Economia em 2001, escreveu recentemente um artigo intitulado “After Neoliberalism” na revista Project Syndicate. Vale a pena ler os primeiros parágrafos do artigo (tradução livre):

“Que tipo de sistema económico permite alcançar o bem-estar da espécie humana? A questão tem vindo a definir a presente era, já que, depois de 40 anos de neoliberalismo nos Estados Unidos e outras economias avançadas, já sabemos o que não funciona.

A experiência neoliberal – redução de impostos para os ricos, desregulação dos mercados de produtos e de trabalho, a financeirização e a globalização – tem sido um falhanço sensacional. O crescimento é inferior ao registado no quarto de século que se seguiu à 2ª Guerra Mundial, e grande parte deste tem-se concentrado na parte mais alta da escala de rendimentos. Após décadas de rendimentos estagnados ou mesmo em declínio para o resto da população, devemos declarar o neoliberalismo morto e enterrado.

Na disputa para lhe suceder encontram-se três grandes alternativas políticas: o nacionalismo de extrema-direita, o reformismo de centro-esquerda, e a esquerda progressista (com o centro-direita a representar o fracasso neoliberal). No entanto, com a exceção da esquerda progressista, estas alternativas mantêm-se vinculadas de alguma forma à ideologia que já se esgotou (ou deveria ter-se esgotado).

O centro-esquerda, por exemplo, representa o neoliberalismo de 'face humana'. O seu objetivo principal é recuperar para o século XXI as políticas do ex-presidente dos EUA Bill Clinton e do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, procurando apenas ligeiras modificações aos modelos vigentes de financeirização e globalização. Por sua vez, a direita nacionalista rejeita a globalização, culpando migrantes e estrangeiros por todos os problemas do presente. Contudo, como a presidência de Donald Trump tem demonstrado, este projeto mantém-se comprometido – pelo menos, na sua variante americana – com cortes de impostos para os ricos e com processos de desregulação, bem como com a diminuição ou eliminação de programas sociais. Por contraste, o terceiro campo político defende aquilo a que chamo capitalismo progressista.”

Depois de uma análise interessante do fracasso do projeto neoliberal e das forças em disputa nos tempos que vivemos, Stiglitz descreve a terceira alternativa política que refere, baseada em prioridades que incluem o aumento da presença e regulação do Estado nos mercados, de forma a combater fenómenos como o fraco crescimento, a desigualdade crescente, a degradação ambiental, o poder crescente dos monopólios e a corrupção, bem como sobre a necessidade de investimento público em áreas como a investigação ou a educação.

A proposta de Stiglitz é discutível e a sua viabilidade pode ser questionada, sobretudo devido ao caráter limitado da alternativa – será possível levar a cabo um combate consequente a todos os problemas enunciados sem colocar em causa a base do sistema que os encerra? Existe mesmo um modelo de “capitalismo progressista” capaz de reduzir desigualdades sociais de classe, etnia, género, ou de combater eficazmente as alterações climáticas sem alterar profundamente a estrutura das sociedades em que vivemos? Não é verdade que existem, à esquerda, projetos políticos alternativos ao capitalismo, sustentados na defesa de mudanças estruturais da organização da vida em comunidade?

No entanto, o autor não se engana num ponto: o sistema atual, baseado na acumulação de lucros financeiros num contexto de estagnação económica prolongada, é o foco fundamental da desagregação social e assenta o seu poder na capacidade de afastar a população das decisões essenciais. O descontentamento social e o surgimento de alternativas são a expressão mais evidente de um sistema moribundo. O período que atravessamos é, por isso, de mudanças profundas e a atual disputa de alternativas marcará por muitos anos o rumo das sociedades em que vivemos.

6 comentários:

  1. O mais relevante no texto, não sei se deva atribuí-lo ao autor se tão só ao postador, é o essencial do progressismo, dito alternativa: nada cometem ao indivíduo, nada o transforma, tão pouco se lhe redefine o ‘bem-estar’.

    Sempre e tão só, caberá a um qualquer sistema económico garantir que tudo se altere.
    É sempre e tão só o tomatismo marxista, e sempre e tão só a promessa de crescimento económico a partir dos pressupostos que seguramente o limitarão.

    E o recordar do crescimento pós-guerra sempre esquece referir a destruição que o precedeu, o salto tecnológico que engendrou, a miséria que em tanto lugar permaneceu para o viabilizar. E fica por saber se esse crescimento prometido é o meio para ‘o bem-estar da espécie humana ’ ou o caminho da destruição de um planeta crescentemente depauperado.

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  2. Não existe nem nunca existirá um lugar sustentável sem liberdade e sem democracia. A classe dos ricos e as classes médias não querem perder o poder que têm, vão tentar tudo para manter intacto o seu poder ilegítimo.

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  3. "Que tipo de sistema económico permite alcançar o bem-estar da espécie humana?"

    As experiências comunistas não aparentam ter sido abonatórias do bem-estar do Homo Sapiens.

    E a União Europeia com os seus 70 anos de Paz e Prosperidade aparenta ter sido um vector positivo para o bem-estar dos Homo Sapiens residentes na Europa.

    Fica a reflexão!

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  4. Ó Pimentel, olhe que as condições do homo sapiens na UE parecem estar a piorar...

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  5. O tom esquerdista á vezes parece insuportavelmente infantil.

    - O neoliberalismo falhou ? Sério mesmo ?

    Então porque domina tudo ?

    - O neoliberalismo falhou porque prejudicou a grande maioria da população em proveito de meia dúzia de nababos ?

    Sério ?

    Pensava que tinha sido desenhado expressamente com esse objectivo.

    - O neoliberalismo afasta a população das decisões democráticas ?

    Então porque ganha todas as eleições ?

    - Enquanto a esquerda não entender que a maioria da população gosta do neoliberalismo não saímos disto.

    O povo, tão enaltecido pela esquerda prefere de longe o mal dos outros ao seu próprio bem.

    O heróico povo prefere ser explorado desde que tenha a sensação de há outros ainda mais explorados do que ele.

    Mesmo que esteja no fundo da escala e não haja outros mais abaixo como grupo sócio-económico, procura sempre prejudicar individualmente o próximo numa lógica do todos contra todos que adora e que tanto se identifica com a ideologia neoliberal.

    Entre o heróico povo encontramos dos exemplos mais abjectos de violência doméstica, homofobia, racismo, maus tratos a animais you name it - como é que esta escumalha não há-de gostar do neoliberalismo ?

    É a cara do povo.

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  6. E pronto, vencendo alguma letargia que o calor propicia, cá me volto para o teclado, já que o nosso silêncio (os nossos silêncios) também nos tornam cúmplices, ainda que só por omissão, das narrativas que vão sendo destiladas.
    Os tempos que vivemos são, a todos os títulos, tempos excepcionais. Na verdade,subsistindo ainda e até com posição hegemónica, uma visão político-económica que bebe o seu ideário dogmático em muitos postulados herdados dos séculos XVIII e XIX, todos pressentimos que a falta de resposta do sistema capitalista aos problemas crescentes da humanidade (económicos, sociais, ambientais) traduzida numa crise sistémica global (não se confunda o nosso pequenino umbigo, às vezes só conjuntural, com o Mundo à nossa volta), representa a antecâmara da sua inevitável superação. Importa contudo ter em conta alguns aspectos desse processo de mudança. O primeiro é o que se prende com a duração do tempo histórico, que é um tempo diverso, mais longo e incerto, que o tempo cronológico da nossa efémera existência. Basta que tenhamos presente o tempo de duração dos mecanismos-regra das sociedades esclavagistas ou depois delas da sociedade feudal, para compreendermos o fundamento desta afirmação.
    Por outro lado, as sociedades ditas habitualmente demo-liberais, são precisamente aquelas que através dos respectivos mecanismos jurídico-políticos por um lado e institucionais por outro, garantem a contenção da revolta e da insurgência, acomodando-as até ao limite dos limites, dentro dos mecanismos de reprodução metabólica do próprio sistema. Neste particular assumem uma relevância determinante os mecanismos de produção ideológica, cuja constância e agressividade são um elemento nuclear da vivência sócio-cultural de milhões de indivíduos em todo o Mundo e nomeadamente nas sociedades ocidentais. Poderia discorrer-se sobre isto de forma muito extensa, mas basta recordar talvez que a circunstância de se haver instituido em muitos países o voto obrigatório como forma de obviar a uma abstenção que não para de crescer a cada novo acto eleitoral, constitui talvez a melhor prova de que a democracia liberal e os seus mecanismos estão muito longe de se alinharem com as verdadeiras aspirações da massa dos indivíduos, os quais no entanto e fruto de um processo de alienação constante (é aqui que entra o telefonema do Presidente da República para um programa de entretenimento popular que faz jus, por exemplo, a qualquer artigo da extinta Crónica Feminina), se mantém ainda numa apatia silente. Contudo, são as contradições permanentes e cada vez mais agudas de um sistema que esgotou a sua função histórica, que empurrarão os indivíduos para os caminhos de mudança necessária. Não é, infelizmente, um caminho isento de riscos, mas é por outro lado um caminho no qual têm que ser depositadas todas as esperanças de construção de mecanismos que conduzam ao progresso da humanidade e que permitam a convivência humana a uma escala planetária, que seja efectivamente digna desse nome.

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