Nos acirrados debates que antecederam o referendo sobre a despenalização do aborto, realizado em fevereiro de 2007, um dos argumentos mais esgrimidos pela direita - em tom de profecia intimidatória - foi o de que a vitória do «sim» à despenalização (até às 10 semanas de gestação e a pedido da mulher) iria abrir uma caixa de Pandora e gerar uma torrente inaudita de casos de interrupção voluntária da gravidez (IVG).
Ora, o que os dados mais recentes vêm de novo demonstrar, e reforçar, é exatamente o contrário. Não só o número de abortos tem vindo a diminuir paulatinamente desde 2011 (após três anos de subida, depois de 2008), como se atingiu, em 2017, a mais baixa taxa de incidência de IVG em jovens adolescentes (menos de 20 anos de idade). De facto, o número de IVG situa-se pela primeira vez abaixo de 15 mil em 2017 (estima-se que rondava 20 mil por ano, antes da despenalização) e o rácio de IVG em jovens adolescentes fixa-se nos 1,5‰ (quando rondava os 2,0‰ em 2008).
Mas há mais. Na média do período (2008 a 2017), cerca de 74% das mulheres nunca recorreu anteriormente à interrupção da gravidez, sendo de 20% o peso médio relativo das que a tinham feito uma vez (e de apenas 6% os casos de interrupção da gravidez por mais que uma vez). Por outro lado, entre 2011 e 2017 o ritmo de redução de IVG tende a ser mais significativo nas situações laborais e ocupacionais em regra mais críticas: estudantes (-31%), desempregadas (-33%) e trabalho não qualificado (com uma quebra de apenas -1%). Isto é, valores que comparam com a diminuição de -22% do número total de IVG). Por último, a percentagem de mulheres que adere a um método contraceptivo em momento posterior à interrupção da gravidez é sempre superior a 93%, entre 2008 e 2017.
Estes dados evidenciam que a profecia do descalabro, agitada pela direita, estava de facto errada. E arrasam, por isso, duas presunções morais sobre a natureza humana em que essa profecia assentou. Por um lado, a noção de que a inexistência de um maior número de abortos em Portugal, antes de 2008, se devia ao facto de o mesmo constar como crime no Código Penal. E, por outro lado, a ideia de que - uma vez eliminado o suposto efeito dissuasor da prescrição penal - a situação resvalaria para um autêntico regabofe, com a ligeireza e a irresponsabilidade a comandarem as opções das mulheres, que passariam por isso a abortar por «dá cá aquela palha».
Aí está o nosso querido moralista, Nuno Serra! Parece o outro: 'o que eu gosto é de malhar na Direita!'. Discutir estes assuntos com um moralista é sempre penoso, no entanto deixo aqui algumas observações para reflexão. Antes de mais é necessário contextualizar estes dados. Fala-se em números absolutos de IVG's. Não interessa nesta interpretação perceber que o número de mulheres grávidas baixou muito durante a Troika? Não interessa perceber que existiu emigração jovem em massa de muitas centenas de milhares? Não interessa que a fertilidade portuguesa ficou e é das mais baixas do Mundo? Enfim o moralista permanece no simplismo e na sua convicção que é o Maior! :)
ResponderEliminarUma conquista inquestionável para os direitos das mulheres. Contudo o caminho ainda se faz na garantia duma equidade de acesso ao aborto seguro. Já ainda muitos médicos que se recusam a fazer o procedimento alegando objeção de consciência o que faz com que existam hospitais que não realizam o procedimento por opção da mulher. Dado que, curiosamente, desapareceu nesta versão do relatório da DGS. Por esse motivo há mulheres do Alentejo, Santarém ou Açores que são encaminhadas para a Av. Da Liberdade, em Lisboa. Mesmo em Lisboa e Vale do Tejo o acesso de uma mulher de Casal de Cambra, por exemplo, ao aborto seguro acarreta tempo e custos de que ela não dispõe, levando, muitas vezes a escolhas "menos seguras"
ResponderEliminarTudo são maravilhas estatísticas.
ResponderEliminarO argumento de que a direita só reclamava, ou sobretudo reclamava do regabofe, define o padrão da argumentação.
Quanto a regabofe, os 20% e os 6% à borla já me satisfazem.
Estranho é que, num tempo em que os abusos sobre mulheres incendeiam as sensíveis almas de esquerda, ninguém se questiona sobre o contributo das facilidades IVG para a coação sobre mulheres grávidas no sentido do suposto voluntariado abortivo.
Hoje também há a pílula do dia seguinte (abortiva). Há menos necessidade de recorrer a intervenção cirúrgica. Isto também deve contribuir significativamente para a diminuição das IVGs contabilizadas. Qualquer que seja o regime legal.
ResponderEliminarMais informação e mais educação sexual também ajudaram.
Caro anónimo das 10h41, talvez não fosse má ideia olhar um pouco para os números antes de construir o seu argumento. Ponderado por cada 100 nados-vivos, o número de IVG passa de 20,6 (em 2011) para 17,3 (em 2017).
ResponderEliminarSem dúvida que diversos fatores, como os referidos noutros comentários oportunos a este post, são importantes para explicar a diminuição efetiva do recurso à IVG. Mas o facto é que se torna incontornável concluir que a descriminalização da IVG não se traduziu - e é esse o ponto principal do post - num aumento do número de abortos (ao contrário das profecias ameaçadoras feitas pela direita durante a campanha de 2007), mas antes na sua redução.
Nuno Serra, respondendo ao seu comentário a propósito do meu das 10:41, só me deixa mais certo da sua demagogia e sofisma. No seu post inicial fala do número total de IVG´s por ano que tem vindo a diminuir. Trata-se de números absolutos, facilmente explicados possivelmente (entre múltiplos outros factores obviamente) pela vaga migratória! Outro dado a ser debatido é o que se denomina taxa de incidência, que neste caso, pelos dados que apresentou no gráfico, apenas dizem respeito, à IVG na adolescência. Apenas nesse caso, nas adolescentes, uma migração em massa, representativa da população, não explicaria o abaixamento, em função dos tais 100 nados vivos. Porém e obviamente, os emigrantes não foram uma amostra representativa da população. Bastaria que tivessem emigrado muitos mais adolescentes masculinos do que femininos,para potencialmente poder explicar o abaixamento da taxa de incidência de IVG´s nas adolescentes femininas. Por isso, sem uma análise séria dos gráficos, que o Nuno Serra não fez, o seu argumento cai por terra. Essa falta de rigor e seriedade analitica caracteriza quem apenas quer ganhar as discussões, e "provar que estava correcto", não tendo qualquer amor pela Verdade. É a postura clássica do moralista.
ResponderEliminarNuno Serra o seu comentário não faz sentido! Existe a possibilidade de os tais "direitistas malévolos" terem razão. Em 2007 ninguém estava a ver bem o Tsunami da crise que iria surgir. Esse Tsunami teve um magno impacto em todas as estatísticas. Pode acontecer que o efeito que os "direitistas malignos" invocaram/anteciparam tenha acontecido, mas tenha sido obscurecido e anulado em sentido inverso, pela crise major que se abateu na nossa sociedade. Por isso as suas conclusões a propósito destes gráficos são precipitadas. Claro que se sabe que o Nuno Serra tem um viés, que o torna incapaz de uma análise séria, rigoroso, objectiva, imparcial, dos dados.
ResponderEliminar15 mil infanticídios patrocinados pelo estado em 2017, portanto!
ResponderEliminarAh, e falta mencionar os abortos ilegais que continuam a ser feitos após as 12 semanas.
ResponderEliminarInfanticídios?
ResponderEliminarMas o que é isto? Um bolsonaro mascarado?
Ainda por cima à conta do Estado?
ResponderEliminarNos recônditos privados é que era, não era? As interrupções voluntárias da gravidez, porque essa de caracterizar estas como infanticídios só na cabeça dos mais fundamentalistas religiosos. Daqueles das purgas fundamentalistas ou das cabeçadas nos muros de tijolo
O mascarado fundamentalista religioso fala primeiro em infanticídios. Depois derivará para os abortos ilegais após as 12 semanas. Que num passe de mágica deixaram de ser infanticídios e passaram a ser abortos
ResponderEliminarA demagogia ignorante e fundamentalista tem destas coisas. Falta-lhe um mínimo de coerência para além dos predicados dum moralista da treta
E já que falamos dum moralista da treta reparai naquele anónimo que fala na Verdade daquela forma que só mesmo um moralista da treta tem o despudor de afirmar
O descalabro agitado pela direita caiu tanto por terra que só sobram estas pseudo-lições de moral de um anónimo escudado em análises não sérias, não rigorosas, não objectivas e parciais.
Uma chatice mas os factos são tramados. O upa-upa dos abortos a crescerem que nem cogumelos fanou-se. Sobra o rancor e a pesporrência pedante
Qual é a parte que o Cuco não percebe que o gráfico regista apenas abortos registados no sistema, e que não há forma de compararmos os números antes e depois da aprovação da lei que legalizou os abortos?
ResponderEliminarCuco? O ódio de estimação do joão pimentel ferreira? lolol
ResponderEliminarMas este tipo mascarado desta forma assim para o lelé deve estar a brincar. A confirmar que a idiotice bolsonarista dos infanticídios só mesmo travestida desta forma.
Qual a parte que este tipo não percebe? Que os números em Portugal reduzem à miséria e convertem em pó um dos argumentos mais sórdidos dos panfletários fundamentalistas e religiosos?
A propósito destes fundamentalistas religiosos e obscurantistas citemos alguns dos seus
ResponderEliminar"El número dos de Madrid al Congreso do Partido Popular espanhol, Adolfo Suárez Illana, protagonizó una de las declaraciones más polémicas de la precampaña. En una entrevista en Onda Cero, afirmó que el aborto es "una salvajada” y lo comparó con los neandertales. "Los neandertales también lo usaban, lo que pasa es que esperaban a que (el bebé) naciera y entonces les cortaban la cabeza". Además, aseguró que en Nueva York "se ha aprobado una ley que permite abortar después del nacimiento".
Há mais:
"La candidata del PP en las elecciones a la Presidencia de la Comunidad de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, se ha comprometido a considerar al niño "concebido no nacido" como un miembro más de la unidad familiar, de manera que se tenga en cuenta a la hora de solicitar plaza escolar o tramitar el título de familia numerosa.
Díaz Ayuso ha asegurado que lo hace para que las familias puedan recibir ayudas y ventajas fiscales, aunque "no tiene claro y sopesará" qué ocurrirá si el bebé finalmente no nace. "No lo hemos estudiado, no lo he pensado"