quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Hás-de ser de direita, quer queiras ou não

Filme: "Este país não é para velhos"
A ideia de Marcelo Rebelo de Sousa parece justa. Pois se há duas visões da Saúde, dever-se-ia tentar conciliar as duas para que não haja alteração, de cada vez que o PS ou o PSD estejam no poder.

Mas este raciocínio - já transformado em ultimato, ameaçando vetar a reforma se feita à esquerda - encobre uma ideia que Marcelo não assume: conciliar duas ideias distintas ou inconciliáveis é abortar umas delas, sobretudo aquela que promete ser uma ruptura face a práticas de décadas - levadas a cabo pela direita - que têm subfinanciado, asfixiado e desarticulado o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Na realidade, significa favorecer aquele lado que nada quer mudar no status quo, que tem favorecido um sector privado em expansão, com o apoio do Estado - repita-se: com o apoio do Estado - em detrimento de um sector público que se desvanece e encolhe, sem capacidade de manter os seus quadros.

Politicamente, a ideia de Marcelo significa dizer que há um partido - aquele partido de que Marcelo foi presidente - que, apesar de ter apenas 27% das intenções de voto, em novembro passado (ao nível do Governo Passos Coelho em 2012) consegue ter um lugar à mesa da decisão, apenas porque o Presidente espera que um dia o PSD venha a crescer. Ou seja, é o mesmo que dizer que "todos os partidos são iguais, mas há partidos mais iguais do que outros", mesmo que à esquerda as intenções de voto se situem próximas de 55%. Na prática, significa ainda dizer que de nada vale votar nem apresentar programas eleitorais distintos porque, no final, basta um acordo entre duas pessoas: os primeiros nomes do PS e do PSD.

Para perceber a dificuldade, leia-se o 1º parágrafo da Explicação de Motivos dos projectos para perceber os distintos cenário de base e diagnósticos da situação.

O projecto do Governo fala do SNS e o projecto do PSD do Sistema Nacional de Saúde, onde - claro está! - o SNS é apenas um dos componentes...

O projecto do governo faz, nessa Explicação de Motivos, uma avaliação crítica da Lei de Bases de 1990 (Cavaco Silva): "Nos últimos anos tem-se assistido a um forte crescimento do setor privado da saúde, quase sempre acompanhado por efeitos negativos no SNS, sobretudo ao nível da competição por profissionais de saúde e da desnatação da procura". O projecto do PSD nem menciona esse facto, dando por adquirida essa realidade, assumindo-a orgulhosamente como se não houvesse alternativa: "Nestes mais de 40 anos de democracia, a realidade nacional evoluiu significativamente – e num sentido bem positivo – designadamente em termos de acesso à proteção da saúde".

Por urgência deste comentário, e para não me alongar mais, deixem-me ficar por aqui. Mas voltarei em breve ao mesmo assunto. E sobre a verdadeira intenção de Marcelo Rebelo de Sousa: a de tudo manter como está, mantendo em vigor a Lei de Bases de 1990, ou uma sua sucedânea.

14 comentários:

  1. O presidente dos afetos com a mão dada ao capital privado na saúde.

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  2. "...de nada vale votar nem apresentar programas eleitorais distintos..."

    Os norte-americanos, na sua larga maioria (e uma maioria que normalmente vota no Partido Republicano), é a favor de Saúde para todos paga directamente pelo Estado, mas os dois partidos que dominam a política nos EUA fazem de tudo para negar à população norte-americana aquilo que muitos países têm e com melhores resultados!

    A maioria dos norte-americanos também é contra intervenções militares, contudo, parece que John Bolton vai enviar 5000 soldados para a Colômbia...

    Chamam isto democracia?

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  3. Afetos, afetos, (oportunidades de).... Negocios à Parte!

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  4. Imagino que esteja em curso a mesma cena da educação.

    Contrata-se com os privados justificar os seus investimentos pela adjudicação de serviços a pagar pelo Estado.
    A seguir o Estado faz investimentos concorrentes, contrata pessoal, e torna inúteis os investimentos privados.
    Às escolas abandonadas vão seguir-se os hospitais abandonados.

    A economia e a ideologia progressista a promover a estupidez!
    ,

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  5. Este comportamento Marcelista (as voltas que a língua dá, para nos oferecer às vezes uma semiótica de porcelana...), não é mais nem menos do que a afirmação de uma certa ordem natural das coisas, segundo Marcelo.
    Marcelo tem navegado águas que lhe são adversas: precisaria de mais instabilidade, de menos soluções, de piores compromissos. Contudo - convém que não o esqueçamos - no interior do sistema capitalista há enganos de alma que o tempo não deixa durar muito. As irresolúveis contradições e a exploração do trabalho como saída inevitával, hão-de agitar as águas. A comunicação social do regime, com o seu coro de papagaios, veiculará o que tiver que ser veiculado até que o povo clame pelo homem providencial, o salvador da pátria. É esse o terreno que apraz a Marcelo, Marcelista como só ele sabe ser.

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  6. À exceção das quatro PPP, é falso que os hospitais privados tenham crescido, de forma exponencial, contratados pelo Estado. Fizeram-no por conta e risco, sempre na expetativa de verem o investimento ressarcido pelos dinheiros públicos. Em boa verdade é isso que vem acontecendo com os hospitais do SNS a comprarem cada vez mais serviços aos privados que lhe vão sugando recursos financeiros e profissionais. Não é só em Lisboa e Porto, temos hoje nas principais capitais de distrito dois ou três grandes unidades privadas por hospital do Serviço Nacional de Saúde.

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  7. Cada vez que Marcelo Rebelo de Sousa for confrontado com uma mudança este vai optar por manter o curso das coisas, empoderar os mais fortes e fragilizar os mais fracos, sempre no superior interesse da nação, claro. Quando as classes mais populares, que o ajudaram a eleger, tiverem a consciência disto não queria estar na "pele" de Marcelo.

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  8. O que eu vejo e sempre é a iniciativa privada montada sempre em nós. Usurpando o melhor de todos, conseguido com o dinheiro de todos durante décadas.

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  9. Já me esquecia de chamar estes privados pelo nome: subsídiodependentes

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  10. Caro José,
    A estupidez do ponto de vista de gestão de recursos públicos - a que se dá o nome de captura do Estado - é deixar criar serviços concorrentes aos do serviço público, tudo fazer para que essa concorrência se instale (degradando os serviços públicos, através de um subfinanciamento crónico, da partilha dos seus profissionais, através da desarticulação de serviços), viabilizar o serviço privado através de verbas públicas (ADSE e serviços pestados que poderiam ser assegurados pelo Estado, em que o seu lucro ficaria para todos não apenas para os accionistas privados); e, por fim, no final, gritar que o Estado falha e que os privados é que têm mostrado melhores indicadores...

    A "ideologia" é o argumento dos surdos e autistas que não vêem que a sua posição é - como não podia deixar de ser - imbuída de uma ideia geral da sociedade. Neste caso, é a ideia genérica e tonta de que o Estado não tem vocação para gestor, a qual se torna numa previsão que se autoconcretiza se nada for feito.

    Só que, de tanto a repetir para si, julgam que essa ideia tonta é a realidade e que os outros é que estão radicalmente colocados em posições ideológicas.

    No fundo, essa ideia visa apenas viabilizar negócios que acham que são lucrativos. E cá estamos todos para os viabilizar, porque somos ideológicos!

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  11. Caro João,
    Quando se não reconhece, limites à dívida pública ou à captura pelo Estado da propriedade ou dos rendimentos privados, tudo o que diz faz sentido, e não é estúpido.
    Mas quando assim não seja sou eu quem tem razão.

    E por isso a questão nos remete para a ideologia.
    E é pura ideologia que a remuneração de capitais investidos, traduzida em juros e lucros, seja rotulada de 'negócios' nesse sentido que sempre lhe atribuem de imoralidade e perversão.
    E é pura ideologia, na versão populista-idiota de estigmatizar 'os negócios da saúde', o 'lucrar com a doença das pessoas' e outras pieguices treteiro-abrilescas.

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  12. A actual lei de bases teve como único objectivo destruir o SNS. Não foi por acaso que só foi aprovada por uma maioria de direita. A mesma maioria que votou sempre contra o SNS. Mas nessa altura ninguém ouviu o Marcelo. A cereja em cima do bolo da actual lei de bases é a pena de seis anos de prisão - ainda por cumprir - do ministro que a pariu. O mesmo será dizer, mais um amigo da múmia.

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  13. « os hospitais do SNS a comprarem cada vez mais serviços aos privados que lhe vão sugando recursos financeiros e profissionais.»

    Serão por causa das 'greves selvagens e ilegais'?

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  14. Doutor q ñ Comprou o Diploma3 de fevereiro de 2019 às 00:20

    José escreveu em *publico* : "Ja me esquecia de chamar estes privados pelo nome : subsidio-dependentes


    José tera pensado em *privado* : "Ja me esquecia de chamar estes privados pelo nome : *corruptores-subsidio-dependentes-corruptos

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