terça-feira, 29 de janeiro de 2019

O fascismo aqui

Uma sociedade é como um organismo vive que tem um sistema imunológico. Quando se fragiliza essas defesas, tudo o que ataca o corpo quebra o ténue equilíbrio social que aí reina. E o corpo morre.

Quando se vê aquelas imagens de Portugal no tempo do Estado Novo e do Marcelismo, a preto e branco, confunde a quem nunca os viveu como foi possível aquilo durante 48 anos.

E esquecemo-nos que um sistema é um conjunto articulado de comportamentos conducente a um dado fim, tanto ou mais musculado quando esse conjunto de comportamentos se encontra espaldado por uma armadura judicial, um corpo policial e uma classe assim apoiada, que dele beneficia, e que - por isso - o acarinha e alimenta. As prisões eram apenas a outra face dessa força social institucionalizada, arrogantemente defendida.

Passaram-se 44 anos sobre o 25 de Abril, e no entanto, há comportamentos que perduram, que mostram que pouco aprenderam, que renascem, revivem, porque se tem vindo a desarticular - uma atrás das outras - as estacas socio-político-judiciais que permitiam um contrapeso. Sem elas, as velhas formas de estar e de viver em sociedade voltarão a medrar, instalar-se-ão de novo, com a facilidade de quem sabe que não haverá a força do Estado para os impedir. Fazem o que querem, em impunidade. E assim ficarão durante muitos anos, novamente, ainda por cima ajudados por uma conjuntura internacional que os justifica.

(sobre esta falha de Estado, nunca ouvi falar nem o Presidente da República, nem os nossos representantes da direita no Parlamento. Muito pelo contrário: defendem essa desarticulação o mais rapidamente possível... mas enchem a boca de democracia. O Estado é o nosso sistema imunológico que impede os vírus e bactérias de nos matar).

Porque o fascismo não é um vírus que vem do Oriente. Foi - e é - algo muito intrínseco a certas camadas populacionais em Portugal, habituadas a esquivar-se das regras, das leis, da Justiça, a viver acima das possibilidades de um dado país. Foi - e é - uma das muitas faces das desigualdades sociais. É uma das manifestações da arrogância de quem se acha superior ao comum dos pobres de espírito, a quem não reconhecem capacidade para usufruir da liberdade.

E, no entanto, o cínico paradoxo maior é que o fascismo - e os fascistas não assumidos - entram em força, galvanizando a impaciência de quem não vê futuro, apesar de 44 anos de democracia, arrastando com eles, desbaratados, os democratas baralhados, que mal percebem que não ter um pensamento próprio que não seja as directivas desiguais vindas de fora, é a melhor forma de alimentar esse monstro.

Tudo isto a propósito de um artigo do Manuel Carvalho da Silva. A ler aqui.

10 comentários:

  1. Credo! É bem obscuro este post! Mas convém não esquecer, nas impressões vagas do crepúsculo, a Esquerda, o seu Estaline, bem contrário com a Democracia. Só para balançar e equilibrar este lamento da Alma!

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  2. Caro João,
    Não sei a sua idade mas alguém lhe vendeu um filme a preto e branco sobre o Estado Novo!
    Nos 48 anos do regime passou-se do clamor dos fascistas italianos ao comércio da EFTA, das pontes de Vila Franca e de D. Luíz às Ponte Salazar e da Arrábida. E da PVDE à PIDE e à DGS há mudanças assinaláveis, mesmo para os agentes soviéticos.

    Essa cena do 'Vem Lobo' como dizia Pedro, é um exercício despropositado e de efeito bem mais que duvidoso, contraproducente.

    Deixe o fascismo no seu lugar histórico, e fale de 'Valores' em vez de me falar de ideologias decadentes ou extintas.
    E como exercício, revisite os 'valores burgueses' que mais acompanharam o Estado Novo do que uma classe política corrupta e oportunista que nos vem governando.



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  3. Fui ler o artigo do M.Carvalho.

    Só me sugere o seguinte:
    As empresas incorporam relações pessoais, características definidoras de uma qualquer personalidade - como a têm em termos jurídicos.
    Tempos atrás vi uma reportagem à porta da empresa em que trabalhadores se solidarizavam com a empresa.
    Um patrão não tem necessariamente que ser exemplar, e não o será.
    Mas assim como a um marido e pai não se lhe nega o direito a divorciar-se, cumprindo as responsabilidades que lhe caibam, a que propósito não há uma condição legal de poder deixar de manter a presença de alguém que tenha por demais incómoda ou perniciosa para a sua empresa?
    Ao fim de um período experimental - em que provavelmente mal avista o personagem - tem uma relação para a vida?

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  4. Joao Ramos de Almeida não poderia estar mais de acordo consigo! Quantas vezes penso se foi para este ”tipo de democracia” que passei os anos 60 e 70 a “desafiar o sistema “ e a combate-lo na rua...
    Avelino Pais

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  5. Acho que se abusa do termo fascismo por tudo e por nada.

    O regime em vigor nos Séc.
    XVIII e XIX eram o ancien régime e o liberalismo.

    O verdadeiro fascismo tinha preocupações sociais, por exemplo, um dos objetivos de Hitler era o pleno emprego - exatamente o oposto do liberalismo, que precisa de massas de desempregados para gerar lucros.

    As politicas fascistas podem-se afirmar como keynesianas e favoráveis ao estado social - que Hitler expandiu.

    Do mesmo modo, no fascismo o estado comanda o mercado - exatamente o oposto do liberalismo.

    Mesmo no estado novo, clero-fascismo que era mais uma ditadura conservadora do que propriamente fascismo, vemos um estado dirigista que controla a economia em vez do ideal liberal do mercado controlador do estado.

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  6. Caro anónimo, caro José,

    Todas as idades são relativas e a minha permitiu-me ver e sentir muita coisa, que para aqui não é chamado. Unicamente para lhes dizer que conheço bem por dentro o que foi e imagino muito bem a parte que não vivi e que até foi bem mais violenta do que a que conheço.

    Do alto dos nossos 44 anos, podemos arredondar tudo o que se queira arredondar do que foi regime. Não lhe querem chamar "fascismo" e, para sustentar essa ideia bem pensante, até se consegue ver diferenças - relevantes! - entre a PVDE e a DGS. Caro José, onde vai a sua dissonância... (nunca esperei!) Na verdade, melhor seria comparar regimes de prisão e de medidas de segurança - e já agora tê-los vivido - para saber do que estamos a falar.

    Mas o que quis sublinhar é precisamente essa atitude. Essa ideia-sensação de que o fascismo é uma teoria e uma realidade tão longínqua, que já nem se sabe se aconteceu no seu tempo ou que, mesmo se tenha acontecido, já morreu. O que quis dizer é que o "fascismo" - com o nome que quiserem encontrar - é muito mais do que isso. É um intrincado jogo se quotidianos sociais e económicos, de atitudes individuais e colectivas, entre a apatia pelo que se passa ao próximo (por medo do que lhe possa acontecer) e a violenta imposição de injustiças diárias, com o peso institucional de um Estado, de uma arquitectura legal, de um aparelho administrativo-judicial, posto em prática por pessoas normais - pessoas como as que conhecemos - capazes de praticar essas imensas injustiças. E sustido por um regime policial-terrorista que achava que essas práticas faziam bem ao país.

    Foi apenas para chamar a atenção de que essa normalidade na injustiça não foi importada de fora. Havia - e há - pessoas assim, a dar corpoa esse regime. Tal como hoje as há.

    Aliás, o que se passa presentemente nas relações laborais já se encaminha para uma prática ditatorial, alicerçada em legislação que reduzem ao máximo o peso equilibrador do Estado e deixam a livre iniciativa a comportamentos exagerados de quem sabe que o pode fazer. As organizações sindicais são mal vistas (tal como no fascismo), ser delegado sindical ou membro de uma comissão de trabalhadores é algo que pode ter consequências (tal como no fascismo), dizer o que se pensa pode ter impacto na manutenção do emprego (tal como no fascismo), reivindicar melhores salários pode ser perigoso (tal como no fascismo), contratar e despedir pode ficar ao livre arbítrio de quem manda na empresa porque a Justiça não vai contrariar a ilgalidade do gesto (tal como no fascismo), fazer horas extraordinárias ou horários insanos para lá dos limites legais não gera oposição porque pode ter mau resultado (tal como no fascismo), etc., etc.

    Poderíamos continuar a mostrar que o fascismo é apenas um prolongamento de uma lógica que hoje nos parece normal e até teoricamente justificável. E que estamos, paulatinamente, a caminhar nessa lógica. E pelos vistos, sem a ver chegar. Tal como aconteceu com o fascismo.

    O resto fica para conversas futuras.

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    1. Ou seja, o fascismo pode ser qualquer ditadura...

      E graças a essa moda de chamar fascismo a tudo já temos a direita a chamar fascismo ás ditaduras comunistas.

      Porque não ?

      Pelo conceito alargado de fascismo da esquerda fascismo é o que a gente quiser. Até a administração do condomínio lá do prédio é um regime fascista.

      Que se lixe o facto de ser uma ideologia específica.

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  7. Deixo-lhe do fascismo o essencial: totalitarismo de Estado.
    Que se comunica à sociedade, seguramente; através dos agentes do Estado, primordialmente; e que terá implicações na liberdade individual a todos os níveis, é uma certeza.
    Se é esse o curso que adivinha, lamento-o. Se tem para isso boas razões: fico temeroso.

    Agora vamos às relações laborais, num ponto que deveria ser fulcral: sindicatos.
    Indique-me um sindicato que para além de remunerações, horários, categorias e carreiras, saiba medir e fazer pagar a produtividade dos seus trabalhadores. Um só, que procure negociar e manter prémios de produção, ou prémios de qualquer outra ordem.
    Todos saberão reclamar da qualidade dos gestores, mas todos lhes querem impor que não distinga o bom do medíocre, o esforçado do calão.

    E podemos continuar pelos regulamentos internos, a organização de trabalhadores adentro das empresas; no essencial alheios a tudo que não seja uma qualquer mobilização reivindicativa, ou uma das infinitas ilegalidades derivadas de prolixas e mal escritas leis.

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  8. João Ramos de Almeida, gostei dessa dos democratas baralhados. Aqueles que pensam de forma diferente ou são tolos ou desonestos, como dizia Orwell da maneira como pensavam quer os comunistas quer os católicos que apoiavam o fascismo (e isso não mudou uma vírgula nos dias de hoje).

    É mais fácil debitar chavões do que explicar qual o rumo de ação política para mudar o futuro. Mas fazer isso se calhar implica que é preciso dizer ao Povo que tem que sofrer mais do que aquilo que sofre presentemente, não é? O revolucionário não se cansa de falar do mal presente, mas no que diz respeito ao remédio amargo para nos livramos desse mal, nem palavra...

    Sabe, os fascistas modernos têm uma grande vantagem em relação aos Esquerdistas. Na verdade, eles não põem em causa nada de essencial. O Capitalismo pode tornar-se menos globalizado e mais oligárquico (leia-se mafioso) mas o remédio do fascista é culpar o outro, o refugiado, o emigrante, etc.

    O Socialismo, esse, morreu de morte súbita em 1991 e os putativos socialistas ainda não entenderam tal coisa. E a agonia da Venezuela cá está para nos mostrar isso, mais uma vez...

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  9. Para reflectir:
    (exclusivamente para francófonos)

    https://polony.tv/focus/content-assiste-t-on-a-une-derive-autoritaire-du-macroni?autoplay=true

    S.T.

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