segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
As classes visíveis
Para lá de Merkel, o Presidente Macron, para usar a fórmula de um dos seus vários apoiantes nacionais, tem emergido como a grande esperança do europeísmo dominante na opinião deste rectângulo. Como indicam as orientações de política de Macron, conformes à lógica profunda da economia política da integração europeia, trata-se de uma presidência dos mais ricos, pelos mais ricos e para os mais ricos.
Numa situação cada vez mais degradada, não admira que a sua popularidade seja hoje inferior à de Sarkozy e de Hollande na mesma altura dos seus mandatos, sendo rejeitado por três quartos dos franceses. Está a seguir o caminho de outra das esperanças do europeísmo, lembrem-se, o bufão italiano Renzi.
A raiva popular, bem racional nestas desgraçadas conjuntura e estrutura, tem estado, uma vez mais, nas ruas, com cada vez mais coletes amarelos. Uma ampla maioria apoia os protestos. Muito mais importante do que a sua causa imediata, do que o rastilho, é a questão social com uma expressão geográfica, a França periférica, que emerge em toda a sua amplitude. Esta expressão de um potencialmente poderoso contramovimento nacional-popular, culminando na exigência política da demissão de Macron, tem sido enquadrada politicamente, mas não tem sido dirigida.
Neste contexto, há quem queira resgatar a melhor tradição das esquerdas. Há quem não alinhe na enésima versão dos “deploráveis”. Insultar as classes populares tornou-se de novo uma das especialidades do elitismo liberal, um vírus que atinge também sectores de esquerda, os que têm medo a tudo o que mexe em baixo.
Haja quem perceba, não sem contradicções e hesitações, que populismos, tal como nacionalismos, há muitos. De resto, e como diz o economista político Jacques Sapir, “esta revolta é objectivamente contra o Euro”. Lá chegaremos.
Exactamente!
ResponderEliminarA grande maioria dos "coletes amarelos" parece ainda não ter feito a ligação entre a efectiva austeridade e perda de poder de compra e as limitações orçamentais e monetárias impostas pelo euro.
Ceder às reivindicações dos que protestam nas ruas rebentaria até com os limites de Maastricht.
E aqui é que está a beleza da contradição: O mesmo Macron que critica o governo italiano e o seu orçamento seria forçado a violar ele próprio os tratados da EU. Se não cede enfrenta uma situação de insurreição popular generalizada.
Outro elemento interessante das contradições que vão fazer implodir a zona euro é a admissão por parte de um dos candidatos à liderança da CDU de Merkel, o Sr Merz, de que sem o euro um futuro marco alemão se revalorizaria logo em 25%, o que seria nas suas próprias palavras catastrófico e absolutamente a evitar pela Alemanha.
Está portanto a chegar o momento em que as contradições internas do euro se estão a encarregar de o fazer implodir e as linhas de fractura são já indisfarçáveis.
Aproxima-se a passos largos o momento em que as elites vão ser forçadas a tentar fazer uma caldeirada negocial para aliviar as pressões acumuladas sob pena de ruptura catastrófica.
De qualquer modo as eleições europeias de 2019 põem um limite temporal aos adiamentos e negociatas.
S.T.
Excelente post de JR e muito bom comentario de ST.
ResponderEliminarO cerne da questão está na podre democracia representativa.
ResponderEliminarCada nova espontânea iniciativa, ao ganhar dimensão, forçosamente necessita de organização;
É recorrente a captura dos "novos representantes" pelos interesses instalados( ou que se vão instalando! );
O Podemos, esteve quase a ser a excepção - enquanto os instrumentos de DECISÃO estavam nas BASES.
A democracia representativa não é reformável.
OS INSTRUMENTOS DE DECISÃO, TÊM DE SER IMPOSTOS NA RUA.
P.S.
Eu sei que a vanguarda esclarecida não abre mão de representar (em causa própria!)
- quando a causa deixa de ser própria, põem-se logo a andar.
Para quem defende a democracia representativa...
Como seria de esperar os camaradas fazem as interpretações do mundo segundo a cartilha. O povo saiu à rua para pedir o abaixamento da carga fiscal. Sabe-se que a esquerda não encara muito bem o facto de o povo não obedecer por vezes aos seus mantras, mas o facto é que a França já está em #1 na Europa em termos de carga fiscal em % do PIB, tendo ultrapassado todos os países nórdicos. Ver o gráfico AQUI.
ResponderEliminarOu seja, o paradoxo é que em França à segunda-feira protesta-se contra os impostos; mas à terça-feira protestam os pensionistas contra a redução da idade de reforma; à quarta-feira os funcionários públicos reclamando a progressão das carreiras e demais eufemismos, que na prática se reduzem a mais dinheiro; à quinta-feira os professores; e à sexta-feira saem os estudantes universitários à rua lutando contra a introdução de propinas. Esta manifestação denominada dos "coletes amarelos" tem pois a característica singular de ser uma manifestação que faz pressão político-orçamental pelo lado da receita fiscal e não pelo lado despesa pública, como é habitual. E tal é inédito! E por ser uma manifestação que está relacionada com a receita fiscal, quando consegue criar massa crítica, junta mesmo de facto muita gente.
É que em Portugal, por exemplo, os professores apesar de terem muita voz, são apenas 140 mil cidadãos. Mas contribuintes existem cerca de 8 milhões (de salientar que os impostos não se reduzem a IRS).
- Oh camarada ST, ainda o espantalho do Euro?
ResponderEliminar- E na Venezuela, onde há soberania monetária?
- E na Nicarágua, onde há soberania monetária?
- E na Nigéria, Congo, Angola e demais misérias africanas, onde há soberania monetária? A culpa é da Merkel, ou de Centeno?
- Ou só o espantalho da Venezuela é que não pode ser mencionado?
- E porque não se protesta contra a perda do poder de compra na Irlanda ou na Holanda?
- Será pelo facto de a França estar em #1 em termos de carga fiscal na Europa e a Irlanda estar em último lugar?
- E porque motivo a Irlanda tem o segundo maior PIB per capita da Europa?
- Será a sua soberania monetária? Ah, mas a Irlanda tem o Euro! Lá se vai a teoria STeniana!
- E a Áustria e Holanda que crescem bem mais que a maioria dos países da Europa fora da eurozona?
Elucide-me sapiente e magno ST, com toda a sua raiva, ódio, medo e fobia anti-europeia (muito provavelmente não passa de um idoso frustrado que nunca saiu do burgo, mas eu oiço-o atentamente)!
Foi sempre nos franceses que depositei as minhas esperanças anti-globalização e anti-escravidão todas. E tenho a certeza que o bom povo francês não me vai deixar ficar mal. Senão for desta vez será noutra. Sempre na rua!
ResponderEliminarPorque é que estes protestos não se revêm eleitoralmente no França Insubmissa? Será que são efetivamente representativos ("Uma ampla maioria apoia os protestos")?
ResponderEliminarHuuummm...
ResponderEliminarOs "coletes aamrelos" tanto quanto percebo não pedem "o abaixamento da carga fiscal". Pedem a redestribuição da carga fiscal, o que é inteiramente diferente.
Como muito bem definiu Coralie Delaume:
"L'argent magique, curieusement, on en trouve toujours pour financer le CICE ou le manque à gagner lié à la suppression de l'ISF."
"O dinheiro mágico, curiosamente, encontra-se sempre para financiar o CICE ou o déficit associado à supressão do ISF (Imposto Sobre as Grandes Fortunas (Nota de Trad.)) ."
https://twitter.com/CoralieDelaume/status/1065932598583672837
Aliás, toda a timeline de Coralie Delaume é um brinquinho para quem fale francês:
https://twitter.com/CoralieDelaume
Quanto à minha insistência sobre a questão do euro, a Venezuela não rouba competitividade ao meu país nem tenta impôr a Portugal políticas contrárias aos interesses da maioria dos portugueses, por isso não confundamos alhos com bugalhos.
Anónimos ou não é meu dever e de todos os que sabem alguma coisa do assunto denunciar os intrujas que tentam poluir as caixas de comentários do LdB.
Quanto a Mélanchon,surpreende os resultados que ainda assim consegue obter com a campanha negra orquestrada por uma imprensa vendida aos interesses de direita.
As sondagens indicam uma taxa de aprovação de 3/4 favorável aos "coletes amarelos".
Até a Pamela Anderson tuíta o seu apoio:
"I despise violence...but what is the violence of all these people and burned luxurious cars, compared to the structural violence of the French -and global - elites?"
"Desprezo a violência ... mas qual é a violência de todas essas pessoas e de carros luxuosos queimados, em comparação com a violência estrutural das elites francesas e globais?"
S.T.
E quando os instrumentos de repressão do regime se recusarem a intervir que fará Macron?
ResponderEliminarChama Benalla? LOL
https://twitter.com/BreakingNLive/status/1069340718844522496
S.T.
À palhaçada de pendurar no euro todas as dificuldades das economias sempre se adiciona que é a desigualdade que motiva todas as revoltas a taxas e impostos, quando o grosso das taxas e impostos são postos ao serviço da luta contra as desigualdades estourando com as economias à força de tanto tributo e tanto suposto igualamento.
ResponderEliminarSó montanha de gente que se aplica a gerir o processo igualitário dava, se fossem postos a produzir, para reduzir muita desigualdade.
Qual é a parte que o José se esforça tanto por não compreender? :)
ResponderEliminarOlhe que o Herr Merz que é homem de negócios competente percebe muito bem que continuar agarrada ao euro e beneficiar de um subsídio à exportação de 25% é prioritário para a Alemanha. Não é difícil perceber que a vantagem de uns é a desvantagem dos outros, pois não?
Para quem queira ver dados mais actualizados está aqui uma artigalhada do Voxeu:
https://voxeu.org/article/new-database-actual-and-equilibrium-exchange-rates
Reparem sobretudo na tabela 1 ( https://voxeu.org/sites/default/files/image/FromMay2014/delattetable1.png )
Segundo essa tabela o euro em relação a Portugal ainda tem uma sobrevalorização de 18,5%. Mas se compararmos Pt à Holanda, por exemplo, devemos somar os diferenciais em relação ao ponto de equilíbrio, o que significa 18,5% + 18% = 36,5%.
S.T.
E para quem saiba francês, é sempre instrutivo ler Jacques Sapir sobre as razões de fundo da revolta dos "coletes amarelos".
ResponderEliminarhttps://fr.sputniknews.com/points_de_vue/201812011039133912-gilets-jaunes-appauvrissement-partie-france/?utm_source=https://t.co/JC34Aods9O&utm_medium=short_url&utm_content=khev&utm_campaign=URL_shortening
S.T.
Jacques Sapir, não foi ele que declarou que era preferível a vitória de Le Pen a Macron? Depois a Esquerda que não se queixe de que há quem no Brasil alinhe com Bolsonaro...
ResponderEliminarParece-me que chegamos ao ponto em que, incapaz de se afirmar como alternativa, há uma certa Esquerda que prefere o proto-fascismo de Le Pen ao Liberalismo light de Macron...
https://www.liberation.fr/france/2017/05/03/l-appel-au-vote-pour-marine-le-pen-encore-tabou-pour-les-neo-reacs_1567030
"Só montanha de gente que se aplica a gerir o processo igualitário dava, se fossem postos a produzir, para reduzir muita desigualdade."
ResponderEliminarUma frase demais inteligente!
Caro José, a esquerdalhada não vê o óbvio: a França tem a maior carga fiscal da Europa, com 48,4% do PIB arrecadados em impostos. Praticamente metade do que o país produz é engolido pelo estado.
http://appsso.eurostat.ec.europa.eu/nui/submitViewTableAction.do
Como é que esta gente não vê o óbvio!
E não era a França a má da fita que nos impunha a todos no sul da Europa a política agrícola comum e demais esquemas em que "a França é a França"! Oh esquerdalhos, convém ter alguma coerência! Os gauleses são bons ou são maus?!
ResponderEliminarA carga fiscal em França é insuportável, basta falar com as pessoas que estão na rua.
https://www.youtube.com/watch?v=QdsTnvCABxw
Vejamos...
ResponderEliminarEsta tentativa de recuperação do movimento "coletes amarelos" pela direita sempre ávida de borlas fiscais não bate certo. Macron extinguiu o ISF, Imposto Sobre Grandes Fortunas. Porque haveriam de gritar "Macron DÉMISSION!"?
O problema é claramente de iniquidade fiscal, com os mais privilegiados a serem escandalosamente beneficiados por Macron. Daí que lhe chamem "O presidente dos ricos".
Portanto não cola a tentativa de aproveitamento dos protestos pela direita liberalóide.
O motivo de protesto está na distribuição da carga fiscal e os franceses até são favoráveis a melhorias no estado social como o aumento das pensões.
Aliás há uns meses atrás o motivo de protesto foi o aumento da carga fiscal sobre os reformados, prova do enviesamento das medidas fiscais de Macron a favor dos ricos.
S.T.
O enviesamento das políticas fiscais de Macron a favor dos ricos é tão escandaloso que até a UPR, partido da direita soberanista defende a destituição de Macron, fazendo uso do artigo 68º da Constituição Francesa.
ResponderEliminarA proposta está aqui:
https://upr-59.fr/article/destitution-de-macron-le-dossier-qui-doit-circuler/
pdf aqui:
https://www.upr.fr/wp-content/uploads/2018/12/DESTITUTION-du-Pr%C3%A9sident-de-la-R%C3%A9publique-Proposition-de-r%C3%A9solution-1er-d%C3%A9cembre-2018.pdf
"M.
Macron donne le sentiment :
... ...
•et d’agir essentiellement en faveur d’une infime minorité d’ultra-riches."
Traduzindo:
"O Sr. Macron dá a sensação:
... ...
• e agir essencialmente em favor de uma pequena minoria de pessoas ultra-ricas."
Note-se que a UPR é um partido de direita, não relacionado com o FN nem com Le Pen. E no entanto pede a destituição de Macron com base no favorecimento de uma minoria de ultra-ricos.
Esclarecedor, não?
S.T
Para os francófonos, um clip da intervenção de Emmanuel Todd em que explica a origem dos problemas da França aos microfones da France2:
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=E3trSJV-4Jk
Dá um gozo enooorme ver um jornalista a aprovar e dois outros a contorcerem-se como se alguém os estivesse a torturar. LOL
S.T.
Bom video o da France 2. A tv pública francesa, apesar de tudo, ainda está uns pontos acima de uma rtp onde o espaço para o contraditório é reduzídissimo.
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