segunda-feira, 9 de julho de 2018

Porque não sobem os salários? (1)

 

(Este é o primeiro de um pequeno conjunto de artigos sobre a evolução da distribuição de rendimento nas últimas décadas, entre os países desenvolvidos. Ver o segundo e o terceiro.)


Na passada quarta-feira, a OCDE publicou o Employment Outlook 2018, relatório anual em que analisa as tendências verificadas no mercado trabalho, sublinha as principais novidades e avança algumas perspetivas para o futuro.

O relatório deste ano conclui que, no final de 2017, o número de pessoas empregadas nos países membros da OCDE superou pela primeira vez o nível que se registava antes da crise financeira de 2007, prevendo-se que o emprego continue a aumentar nos próximos anos. Em relação à taxa de desemprego, esta encontra-se abaixo ou próxima do seu nível pré-crise na maioria dos países que compõem o estudo. No caso português, a taxa de desemprego encontra-se atualmente em 7,3% (estimativa do INE para Maio deste ano), o que constitui uma melhoria face a 2007 (quando se encontrava perto de 8%, antes de ter disparado para mais de 17% durante a crise).

Contudo, a conclusão mais relevante do estudo é a de que o crescimento dos salários não acompanha a evolução favorável do emprego. Na verdade, os redatores do estudo referem que “no final de 2017, o crescimento dos salários nominais na OCDE era apenas metade do que era há dez anos”. Como seria expectável, a estagnação salarial afeta principalmente os países mais afetados pela crise (como Espanha, Itália ou Portugal).

Os redatores do relatório prosseguem: “O sinal mais preocupante é que a estagnação salarial tem mais impacto negativo sobre trabalhadores mal remunerados do que sobre os do topo.” O relatório revela que o crescimento dos salários reais tem sido substancialmente superior para o 1% do topo dos assalariados. São apontados como fatores explicativos para esta tendência a baixa inflação e a desaceleração da produtividade, bem como o aumento do emprego mal remunerado.

Contudo, para identificar as causas fundamentais que explicam a estagnação dos salários, precisamos de recordar que este não é um fenómeno recente entre os países desenvolvidos, mas antes uma tendência de longo prazo que se tem verificado desde meados dos anos 70 do século passado. Uma análise da distribuição funcional do rendimento (que, traduzido do economês, significa a divisão do rendimento total entre quem contribuiu para a produção, ou seja, trabalho e capital) permite-nos observar a tendência de diminuição da parte destinada aos salários (sobretudo no Japão e nos países da Europa continental), como nos mostra o gráfico:


Além disso, se olharmos para a distribuição dos salários encontramos também uma tendência para o aumento da desigualdade, mais acentuado nos países anglo-saxónicos. Veja-se a evolução da desigualdade de rendimento no caso norte-americano:



A tese que reúne maior consenso entre os economistas convencionais é a de que a distribuição funcional do rendimento é explicada pelo progresso tecnológico. Esta tese insere-se na visão neoclássica acerca da distribuição do rendimento, segundo a qual os salários e os lucros são determinados pela produtividade marginal de trabalhadores e capital, ou seja, pelo seu contributo relativo para a produção. Apesar de depender de um conjunto de hipóteses pouco realistas (mercados perfeitamente competitivos e pleno emprego dos fatores em economias cuja produção pode ser descrita por um determinado tipo de funções matemáticas), esta é a visão que possui maior destaque na literatura sobre o tema.

Por este motivo, alguns relatórios (por exemplo, da Comissão Europeia e do FMI, 2007) têm procurado explicar a tendência de diminuição da parte dos salários no rendimento total com base na ascensão das tecnologias de informação e comunicação (TIC), que terá favorecido os trabalhadores mais qualificados e o capital físico utilizado na produção, em detrimento dos trabalhadores de baixa qualificação. Esta é também a linha de raciocínio seguida pela OCDE na análise e nas recomendações do relatório publicado este ano.

Ao contrário desta tese, argumentarei que existem outras causas que ajudam a explicar de forma mais consistente a longa estagnação dos salários reais nos países desenvolvidos:

1. Financeirização e globalização
2. Reformas laborais

Um estudo completo destes fatores implica a sua contextualização histórica e uma análise da sua evolução e das suas consequências. Por outras palavras, implica que procuremos identificar as raízes do problema. Será esse o foco dos próximos artigos.

17 comentários:

  1. Que venham esses artigos

    Mas prepare-se que a tralha neoliberal lhe vai cair em cima. Apesar de poucos, um tem até a desonestidade de se multiplicar por um cento

    Processos que denunciam a fibra de tal gentinha. E os seus esgares ideológicos

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  2. Ora bolas, ainda há dúvidas? Ainda anda tudo agarrado à terceira via ou quê? Não sobem porque o desemprego nada tem a ver com 7,1% nem há qualquer intenção de crescimento económico. Tudo o resto é tapar o sol com a peneira.

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  3. Paulo Marques.

    Toda a razão do mundo. Mas é preciso desmontar o argumentario da tralha neoliberal, até ao covil onde eles pensam sentir-se confortáveis

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  4. Um curto artigo introdutório sobre a relação dos salários com a inflação:

    https://www.economist.com/graphic-detail/2017/11/01/the-phillips-curve-may-be-broken-for-good

    Se o meu pifómetro (1) não se engana a falta de pressão no hidráulico que faz subir os salários deve-se a várias fugas de "fluido hidráulico".

    Uma "fuga" é representada pela ameaça de deslocalização e ou de substituição das produções locais por mercadorias importadas de mercados de mão de obra barata e abundante. Relacionada portanto com a globalização.

    Outra "fuga" de pressão é devida a legislação laboral que limita o poder negocial dos sindicatos. Teve origem na guerra que os mineiros ingleses perderam contra M. Tatcher mas foi copiada um pouco por toda a parte.

    Uma terceira "fuga" é a manutenção de controles monetários estritos pelos bancos centrais com o intuito de conter a inflação, mas que têm o "efeito secundário" de limitar a rentabilidade das empresas não financeiras e os salários correspondentes.

    (1) pifómetro é o instrumento que permite avaliar uma questão "a olho". Deriva do françês "évaluer au pif".

    Mas venham esses artigos!
    S.T.

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  5. Um belo e claro artigo. Parabéns! Venham mais, para desconstruir ideias feitas, representações sociais erradas, versões oficiais das instituições do grande capital e a sua reprodução pela comunicação social.

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  6. Para o S.T. Bons comentários. Não tenho acesso ao FT. Será que podias colocar uma cópia do artigo num outro link qualquer, ao qual tivéssemos acesso? Se possível, muito agradeço. Se não, não há problema :)

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  7. O link é do Economist e não do FT. E parece estar em acesso livre. Se tiverem alguma dificuldade esvaziem as cookies do browser e até a cache e toda a tralha dos sites visitados.

    Em alternativa usem o TOR: https://www.torproject.org/index.html.en
    S.T.

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  8. Bastaria aquela cena do Top 1% para acalentar as almas da esquerdalhada.
    Adicione-se-lhe os mantras 1. e 2. e a unanimidade é assegurada sem qualquer necessidade de tratar dessa tretas da tecnologia e muito menos da crescente sanha tributária para a par dos salários distribuir saúde, educação, não-sei-quê mais e habitação.

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  9. Os salários em média correlacionam com o PIB per capita. Sempre foi assim, sempre o será. Querem mais salários? Considerando que a população não aumenta, aumentem o PIB e os salários virão.

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  10. 10 e 04

    Visita do tipo do observador o joão Pimentel Ferreira

    Com a sua pesporrencia habitual

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  11. José?

    A sanha habitual de um certo patronato, sedento de mais e mais

    E ainda mais

    A ainda a adicionar as rendas de rentista

    E a praguejar contra o fisco, coisa já habitual nele que defendia os bordéis tributários

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  12. "Os salários em média correlacionam com o PIB per capita. Sempre foi assim, sempre o será. Querem mais salários? Considerando que a população não aumenta, aumentem o PIB e os salários virão.

    10 de julho de 2018 às 10:04"

    Ou talvez não...

    "Correlação não é causalidade!"

    https://cdn.technologyreview.com/i/legacy/graph1.png?sw=600

    Isto é, todos os ganhos de produtividade foram apropriados pelo capital e os salários estagnaram.

    Neste contexto o "trabalhar para o PIB" não significa necessáriamente melhores salários.

    O comentário e link é mais uma vez do aónio-pimentel-cunha-simões-culhal-ulisses-anónimo e deve ser considerado suspeito.

    Pára de tentar intrujar, aónio-pimentel-cunha-simões-culhal-ulisses-anónimo!
    S.T.

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  13. Porque é que a tecnologia não nos faz viver melhor?

    https://philebersole.wordpress.com/2015/03/11/why-doesnt-technology-make-us-all-better-off/

    Economic productivity continues to increase, but wages do not.

    https://philebersole.wordpress.com/2015/08/11/pay-productivity-and-inequality/

    E na Alemanha a correlação que o intruja do aónio-pimentel-cunha-simões-culhal-ulisses-anónimo tentou vender não se verifica.

    https://philebersole.wordpress.com/2014/12/12/germany-on-the-same-path-as-the-usa/

    Veja-se sobretudo este gráfico:

    https://philebersole.files.wordpress.com/2014/12/gdp_versus_household_income.png?w=450&h=307

    S.T.

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  14. Para o ST:
    1. Tens razão, era o Economist e estava de acesso livre. Apanhei-o foi cheio de popo-ups, mas já me livrei deles :). Obrigado.
    2. Excelente comentário a respeito das aberrações tipo "aumentem o PIB e os salários virão". Como dizes, os ganhos de produtividade foram apropriados pelo capital, que os "financeirizou" em vez de reinvestir na produção e de redistribuir, diminuindo a desigualdade.

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  15. «...os "financeirizou" em vez de reinvestir na produção e de redistribuir, diminuindo a desigualdade»

    Pode bem ser, e por bom motivo:
    - o dinheiro dos bancos ainda é respeitado.
    - se for o do patrão logo lhe saltam em cima

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  16. José e o lambe botismo aos banqueiros

    Que são os patrões, como se sabe

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