segunda-feira, 12 de junho de 2017
De pé
O que é certo é que resistir vem do latim. "Resistente" vem de resistere, suportar, resistir, ficar firme. É formado por "re", contra, mais "sistere", que é manter-se de pé. No fundo faz parte da nossa própria evolução, enquanto humanos, mantermo-nos de pé. Sendo uma constante, também não significa que as derrotas não sejam também uma constante ao longo da História: para além de haver vitórias, há também derrotas.
Notável entrevista a uma notável antropóloga e historiadora chamada Paula Godinho. Estava a pensar nas eleições britânicas quando a li e fiz uma associação, talvez abusiva, ao percurso de resistência de Corbyn, de resto extensível a Sanders ou a Mélenchon, só para dar mais dois exemplos de políticos grisalhos, com capacidade de mobilização juvenil.
Os seus cabelos brancos são um activo, na realidade: como tantos outros, souberam resistir nas décadas de refluxo de todos os socialismos; ao contrário de tantos outros, talvez mais, numa certa classe, numa certa geração, não desistiram, não se venderam, não foram cooptados. Pelo contrário, mantiveram a esperança num tempo de refluxo. A esperança é jovem e tem classe.
Os seus programas assinalam uma vontade, que não está naturalmente isenta de contradicções, de regressar à esquerda que fala de sistemas de provisão com princípios socialistas, por exemplo, abolindo barreiras pecuniárias no acesso ao ensino superior ou nacionalizando o que nunca devia ser privado (nacionalizando e não internacionalizando, note-se); assinalam uma vontade de regressar ao pleno emprego com direitos, combatendo a precariedade, ancorando a esquerda firmemente no mundo do trabalho; assinalam uma vontade de enfrentar a mais material de todas as questões, a ambiental. E nenhum deles foi em modismos intelectuais, sem futuro ou ancoragem popular, do género do rendimento básico incondicional. Nenhum deles desdenha o Estado-Nação, porque no fundo sabem que tudo o que não se conquistar aí não se conquista talvez em mais lado nenhum.
Os trabalhistas de Corbyn, os democratas da linha Sanders, a França Insubmissa de Mélencon lideram hoje as oposições nos seus países, recusando o triste fim do movimento, já aqui assinalado. São exemplos políticos revigorantes, com os acertos e os erros de quem está vivo para apostar no socialismo. Há mais por aí. Nunca se desiste.
Adenda cinematográfica. Não por acaso, os populares vídeos da campanha de Corbyn foram feitos por outro velho resistente chamado Ken Loach. Um dos que perdeu o combate contra Thatcher e contra o melhor sinal do seu triunfo, Blair. Um dos que nunca desistiu de filmar com todo o realismo poético. Nos seus filmes, de Terra e Liberdade a Eu, Daniel Blake, há um combate pela memória das lutas e um imenso e confiante desejo de que tenham continuidade, mas também gestos quotidianos de solidariedade que atravessam gerações: da neta de punho erguido no funeral do avô, combatente na guerra civil espanhola, à pungente amizade de Blake com a jovem Katie e os seus dois filhos. Daqui até ao Espírito de 1945 é só um passo. O futuro precisa mesmo de um certo passado.
Um muito excelente texto.
ResponderEliminarApetece mais
Alegra-nos, mas não conta para muito. Nada me convence que algo vai melhorar até piorar muito mais, provavelmente nas consequências da próxima bolha para a qual estamos ainda menos preparados do que em 2008.
ResponderEliminarTalvez tivéssemos mesmo que passar por tudo isto. Talvez, não sei. Mas alegra-me o silenciamento ensurdecedor do centenário que este ano se comemora. Com erros concerteza, com deficiências e insuficiências analíticas seguramente, com o estabelecimento de rotinas que a pouco se tornaram insindicáveis aí fazendo germinar de forma larvar o seu fim antropofágico, também me parece que sim. Mas revelando muito para lá disso e muito para além disso, que é mesmo possível um outro modo de vivência comum entre os seres humanos, uma vivência efectivamente emancipadora e que garanta, finalmente, a desmercantilização da própria vida. E no entanto, se recuássemos duas décadas eles tinham mesmo falado no assunto e teriam dito que a História tinha chegado ao fim. Imagens iconoclásticas haveriam de circular em todas as TVs e Estaline haveria de aparecer com uma aura ainda mais maquiavélica e perversa. Por conseguinte, haveríamos todos de dar graças a Deus por nos ter livrado do mal e podermos seguir com as nossas vidas pequeninas. Mas eles agoram não falam nisso. Ignoram o assunto até onde podem e dão-nos muito futebol e a visita do Papa. Talvez depois dos dias maus ainda venham dias piores. Mas que tudo isto acende um pavio de esperança, lá isso é verdade.
ResponderEliminar«O futuro precisa mesmo de um certo passado.»
ResponderEliminarO futuro precisa sem dúvida de um passado historicamente bem analisado, com seus sonhos e suas realizações.
Mas é sobre o realizado que se constrói o futuro e não sobre regressões que são não já sonhos mas mistificações do presente.
Já dizia o poeta '...de dia a outro nos desamparamos...quem fomos foi coisa vista por dentro'
Reparei agora nas expressões dos modelos...nada mais longe de uma visão de futuro!
ResponderEliminarAh.
ResponderEliminarAgora um maduro quer ler o futuro nas expressões dos, e cito, modelos.
Não se sabe se isto é para rir, pelo ridículo, se para chorar,pela patetice.
Ponham aí a capa da Hola com um modelo todo embonecado que este tipo dirá que é a encarnação viva do futuro
É sobre o realizado que se constrói o futuro é dsquelas banalidades redutoras que não aquecem nem arrefecem. Como diria o poeta, conversa para boi dormir.
ResponderEliminarApenas serve de pretexto tal frase ( como aliás a citaçao do outro poeta) para esconder a marca ideológica da expressao sobre as regressões e os sonhos e as mistificações.
E aí temos o mantra neoliberal por inteiro. A TINA escondida na prosápia definitiva.
Como se aquilatam as regressões e os sonhos?
Alguma comissão de censura prévia capitaneada por um saudosista do Passos? Ou por um religioso saudita? Talvez poe um jovem e garboso proxeneta dos mercados?
Muito bom também o comentário das 23 e 06
ResponderEliminarCaiam na real. Isso cheira a bafio. O mundo de hoje necessita de novas soluções. O que é preciso é que a esquerda seja criativa, analise as novas realidades de hoje e não se fique pela aplicação de esquemas esclerosados.
ResponderEliminarEsta de meter o Pessoa a martelo.
ResponderEliminarE a propósito dum texto que concita à verticslidade e à coragem...
Será que percebeu o que leu? Do texto de João Rodrigues e dos versos de Pessoa?
Há por ai gente muito capaz de lhe dar umas luzinhas sobre o assunto. E dos mecanismos introspectivos que alguns tentam extrapolar para outros fins.
Os esquemas esclerosados das esquerdas quais serão?
ResponderEliminarOs apresentados por Blair enquanto invadia o Iraque?
Ou a traição de Macron ao seu próprio partido?
Corbyn, aquele velho que não se adapta às novas realidades, parece que teve a votação esmagadora dos jovens.
E 40 % dos votos
Lendo aí muitos dos comentários que antecedem o meu, sempre vos direi, senhores anónimos, que a ignorância é, de facto, muito atrevida! A política, a histórica e a funcional, de compreensão de um texto.
ResponderEliminarE gostei!, " A esperança é jovem e tem classe."
Ana Lima
Podia explicar porque chama modismos ao Rendimento Básico Incondicional e o que quer dizer com pleno emprego?
ResponderEliminarA visão conservadora de uma certa esquerda é que tem feito e fará a perda de votos galopante que é inegável em locais tradicionalmente de esquerda. AMR
Não deixa de ser curioso que seja no centenário da Revolução de Outubro que comecem a ouvir-se vozes laudatórias de políticos maduros com maduras políticas de clara e vincada ideologia...
ResponderEliminarAndou a rapaziada, mui jovem e modernaça (um grande abraço às queridas e aos queridos amiguinhas e amiguinhos do BE e do PS), a brincar ao "fim da História" e às "causas fraturantes". O que importava era o João poder casar-se com o Manuel e a Fernanda com a Etelvina; o que era de suma importância era o Daniel poder transformar-se na Daniela e a Filipa metamorfosear-se no Filipe. Conceitos como o de classe e dialéticas entre opressores e oprimidos eram coisas definitivamente enterradas... A "identidade de género", o santo dos santos do confusionista reviralho com fobia à ideologia, foi tomada como panaceia inversora das clivagens sociais: o multimilionário predador e multiplicador de miséria à escala global seria ele mesmo "um oprimido" desde que se reclamasse "gay", pois, como é por demais sabido, todos os homossexuais são horrivelmente torturados pela geral "homofobia" deste desgraçado mundo; já o desempregado sem migalha para dar de comer aos filhos seria, desde que branco e heterossexual, um claríssimo elemento opressor do "tadinho" do nababo "gay", visto que pertence a uma nefanda "maioria". Para dar mais cor à coisa, juntou-se ao ramalhete supostas preocupações ecologistas (ficam sempre bem...) do género daquelas que fizeram o magnífico Mr. Tony Blair ilegalizar a caça à raposa, ao mesmo tempo que mandava os britânicos mancebos massacrar com largueza homens, mulheres e crianças no Iraque e no Afeganistão... Agora, começa a malta a enxergar que o que importa é aquilo que sempre verdadeiramente importou: o que se come ou o que se não come; o que se veste ou o que se não veste; o trabalho e a habitação que se tem ou se não tem; a educação e a saúde a que se acede ou não acede; a renda que, não sendo redistribuída, se concentra mais e mais nos bolsos do 1% dos abutres da especulação transnacional; o país que, não mandando nas suas fronteiras e nas suas políticas, já não é país, sendo, isso sim, uma colónia; a Paz que ou é Paz ou, o não sendo, é guerra. É, muito simplesmente, a História que ressuscitou e nos caiu em cima.
A ignorância é atrevida, pois é... Eu diria que ela é ainda mais atrevida quando se casa com a completa falta de Norte ideológico da generalidade da atual juventude portuguesa. É que essa juventude - honra seja feita às pouquíssimas exceções - confunde vagos fumos de ideologia com as sensações que circundam o seu próprio umbigo.
ResponderEliminarAntes do comentário das 04:16, submeti um outro comentário à moderação do blogue. É um pouco estranho que o segundo tenha sido publicado, enquanto aquele que o antecedeu ficou a navegar no ciberespaço. Não quero ser injusto para com os moderadores dos LdB, pelo que vou atribuir a coisa a uma qualquer falha minha, a um infeliz azar informático (de minha responsabilidade, obviamente) ou à compreensível falta de tempo de quem tem a paciência de ler os comentários. Uma outra hipótese, tendo em conta a letra e o espírito do não publicado comentário, nem me passa pela cabeça...
ResponderEliminarQuanto a esperanças, elas vão-se alinhando e acabando invariavelmente num imenso e catastrófico flop: de Bernie Sanders nos EUA ao Syriza na Grécia, é só escolher...
ResponderEliminarOs sinais da completa falta de consistência ideológica das modernaças esquerdas europeias são gritantes: cavalga a Senhora Merkel a impopularidade daquele génio que é Donald Trump (já agora, em termos de "genialidade", que tem ele que seja radicalmente diferente daquilo a que nos habituaram os Reagan e os Bush da História dos EUA?)e vê-se elevada ao Olimpo dos heróis libertários pelos mesmíssimos que dela diziam, ainda ontem, aquilo que Maomé não disse do toucinho. É esta a mesma Merkel que chorou lágrimas de crocodilo pela sorte dos coitados dos "gay" da Chechénia, enquanto a polícia federal alemã treina e equipa a polícia desse autêntico paraíso "gay" que é... a Arábia Saudita. São as "causas fraturantes" a mascarar os interesses homicidas. Nesse particular, embora diga a Senhora Merkel não lhe agradar o Donald, dormem os dois na mesma cama do luxuoso hotel saudita, embalados ambos por leituras da cartilha wahabita dos seus medievais anfitriões.
Políticos e políticas a sério? Têm de procura-los e de procura-las em outras latitudes e em ideologias e matizes socioculturais e económicos tão diversos quanto são os da Federação Russa, da República Popular da China, da Índia ou do Irão. Por aqui, pelo Ocidente, o que há (à direita e à esquerda) é uma imensa incompetência, gente incrivelmente mal preparada, um colossal desdém pelos concretos e quotidianos problemas e dificuldades do Povo e a generalizada confusão entre dois conceitos que mutuamente se excluem: o de (acéfala) agitação e o de (previamente pensada e estudada) ação.