sábado, 28 de janeiro de 2017

A luta de classes no Parlamento

Quando ouço dizer que já não há luta de classes, aconselho a assistir a sessões no Parlamento relacionadas com questões laborais. Torna-se tudo muito mais claro. 

Anteontem à tarde, em plenário, discutiu-se vários projectos relacionados com o assédio: um do PAN, outro do PCP , outro do PS, e outro do BE.

O assédio é algo que prejudica a vida de um trabalhador. O carácter desigual da relação laboral entre a entidade patronal (ou quem o represente) e o trabalhador torna igualmente desigual a forma de combater um acto injusto, com repercussões na sua vida profissional, que é a parcela da vida humana que o liga à sociedade, que lhe cria amor próprio e auto-estima, a sua vontade de viver com os outros. Quem já passou por situações dessas, compreende melhor. Esvaziamento de funções, procedimentos disciplinares que visam apenas perseguição, deslocação para um posto de trabalho numa sala vazia, sem telefone nem computador ou janela, denegrimento do trabalhador junto dos colegas, boatos postos a correr que nunca se sabe de onde vêm. Tudo isso são formas do mesmo fenómeno.

Ora, em geral todos os deputados estariam de acordo em combater esses fenómenos. Mas o que é interessante é verificar o posicionamento de cada grupo parlamentar nessa equação.

À esquerda, temos os deputados a tentar que a lei defenda quem seja alvo desses maus comportamentos e que se castigue as empresas que os praticam. Mas à direita, temos os deputados a vincar antes:

1) que os projectos "infermam de radicalismos ideológicos perigosos" (Sandra Pereira, deputada do PSD)
2) que os projectos em discussão "promovem falsas queixas" e que vêm "desequilibrar (...) porque as empresas é que tem de provar que não há assédio" (António Carlos Monteiro, deputado do CDS) que, de cada vez que surgir uma queixa, se está "a penalizar a empresa", com "penalização de danos, em vez de ser a Segurança Social" (Sandra Pereira);
3)  que "a inversão do ónus da prova, não é compativel com a presunção de inocência" e que se trata de um "acto negativo" e que é necessário que "o ónus da prova recaia sobre o trabalhador" (Sandra Pereira)
4) que isso irá "prejudicar as vítimas" (António Carlos Monteiro);
5) que se deve "tentar que não haja castigos, mas antes sensibilização das entidades patronais"  (Sandra Pereira), que se deve ir "pela pedagogia e sensibilização em detrimento da punição" e que haja "diagnósticos, uma melhor compreensão do tema" (António Carlos Monteiro)

Nota: 
Pequena nuance no debate seguinte sobre o aumento de três dias no período de férias: os deputados de direita - deputados! - defenderam que esse tipo de temas não devia passar pelo Parlamento, mas antes surgir da discussão em concertação social. Na concertação social, os representantes das empresas, com o apoio de uma das centrais sindicais, estão sempre, de facto, em maioria!

Os projectos foram aprovados ontem pelo Parlamento, com os votos de toda a esquerda. Já os dias de férias foram chumbados com os votos do PS, PSD e CDS.

6 comentários:

  1. Um post atento e muito oportuno

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  2. O desequilíbrio de forças no "mundo" do trabalho tem como objetivo tirar partido dos mais fracos, todos os que são coniventes com este desequilíbrio são também responsáveis por estes abusos. Numa sociedade civilizada não pode haver contemplações com a selvajaria.

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  3. Considerar que os processos em pauta no parlamento são constitutivos Luta de Classes e´ ir um pouco longe de mais.
    A meu ver não passam de reflexos envergonhados dessa mesma «luta de classes».
    Em todo o caso não deixa de ser positivo.
    Porque fomos arredados da democracia por uma CEE neoliberal, porque perdemos a Independência Nacional, porque o Estado burgues criou mecanismos como - a Concertação Social - contra essa coisa que agora dizem ser a «luta de classes».
    Que e´ feito da luta de classes nas fabricas, nos locais de trabalho, na rua?
    E´ que para alem desses mecanismos branqueadores da Luta de Classes eles incutiram no povo durante décadas a Cultura do Medo…
    Ao se desviar do processo natural de luta dos trabalhadores para áreas como a C.S. ou o Parlamento entre outras, a dita luta de classes fica irremediavelmente fora do seu terreno natural – haja isto em conta. De Adelino Silva

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  4. Estou certo que a 'política dos coitadinhos e dos seres sencientes' vai continuar a ser impulsionada, quer os coitadinhos trabalhem quer os coitadinhos não trabalhem, quer os sencientes incomdem quer não incomodem.
    Tudo que for dono está f...

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  5. Tudo o que for dono?

    Mas que linguagem canina é esta????

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  6. Este comentário do dono desta forma desabrida e acompanhado do coro de coitadinhos é a prova chapada da existência mesmo de luta de classes.

    Este será um alter.ego dos deputados acima citados.

    O papá também dizia que era o dono da mamã?

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