O Portal da Opinião Pública da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) reúne resultados de inquéritos e sondagens sobre diversos temas (política, economia, religião, trabalho, etc.). Curiosamente, nas questões mais expectáveis do Eurobarómetro sobre a União Europeia («avaliação de pertença à UE» ou «benefício em pertencer à União Europeia»), a série de dados termina em 2011. E portanto, para se dispor de informação sistematizada sobre o sentimento político atual dos europeus face à Europa apenas sobram duas questões: «confiança na Comissão Europeia» e «confiança no Parlamento Europeu».
Relativamente à Comissão Europeia (CE), o principal motor da governação da UE, os resultados são particularmente expressivos: a desconfiança instalou-se e tem vindo a aumentar de forma galopante desde 2010. Se em 2007 eram 16 (em 27) os países a expressar níveis de confiança iguais ou superiores a 70%, esse número passa para apenas 5 em 2010, para 3 em 2012 e para «zero» desde então. Paralelamente, cresce sem cessar o número de países com níveis de confiança abaixo de 50%: nunca foram mais de 2 até 2009 e passam a ser 22 em 2015 (80%). Mais: se em 2009 apenas um país registava níveis de confiança inferiores a 30% (o Reino Unido, pois claro), em 2015 passam a ser 5 em 27 Estados membros (cerca de 18%).
Desengane-se porém quem acha que a desconfiança traduz apenas o efeito da imposição de políticas de austeridade à periferia europeia (onde a média da percentagem de pessoas que confiam na CE passa de 70 para 33% entre 2004 e 2015). Não. A quebra de confiança é generalizada e atinge também os países do centro europeu (com uma redução dos valores de 59 para 43%) e do leste europeu (de 69 para 42%, no mesmo período). Mais: os Estados membros da periferia europeia, que eram os que relevavam maior confiança na CE em 2004, são os que agora apresentam níveis de desconfiança mais elevados, demonstrando assim que o aprofundamento de clivagens e divergências entre os países também passa por aqui. Em termos globais, a confiança na Comissão Europeia cai 26 pontos percentuais em apenas doze anos, entrando no negativo a partir de 2013.
No divórcio crescente com os povos europeus, o ponto de rutura é indisfarçável: 2010, o ano em que as «instituições» escolhem a austeridade moralista e punitiva como resposta à crise do euro, quando esta começa por se manifestar na Grécia. Se dúvidas restassem, o tempo encarregar-se-ia de as dissipar: cinco anos depois, os sacrifícios redentores da «austeridade expansionista» (corte de salários e pensões, desregulação do mercado de trabalho, desmantelamento de serviços públicos, política de privatizações, etc.) falharam em toda a linha. A opção pela austeridade, enquadrada por uma arquitetura europeia blindada e disfuncional, que foi cerceando a margem de manobra dos Estados, não só resolveu nenhum problema como agravou a divergência entre os povos europeus. Com o descrédito e o mal-estar a instalar-se, mesmo que fundados em razões muito diversas (da revolta na periferia pelos sacrifícios inúteis à recusa dos países do centro em reforçar as «ajudas» para «resgates»), a Europa faria bem em prestar a devida atenção ao que se está a passar e arrepiar caminho. Se quiser, claro. Sinais é coisa que não falta.
Provavelmente haverá outras razões que não a austeridade, como por exemplo a crise dos refugiados, consequência em parte do intervencionismo de alguns países (sobretudo a França e o RU) no Norte de África e no Médio-Oriente. Mas admito que o problema principal é o fraco crescimento económico causa, mas também consequência, da austeridade. O que eu não vejo, repito, é nenhum modelo alternativo ao neoliberalismo que possa mobilizar as Esquerdas (poupem-me com essa coisa do eco-socialismo). O próprio retorno ao alto crescimento parece colocado em causa, a não ser que queiramos enveredar pelos modelos da Irlanda ou de Singapura, como sonhava Passos Coelho (e que estão assentes em alavancagem financeira e dumping fiscal). Muito modestamente, perguntaria se a ideia de prosperidade sem crescimento tem pernas para andar...
ResponderEliminarO que não tem pernas para andar é esta Europa, esta UE.
ResponderEliminarSó não vê quem não quer ver. Depois queixem-se e arranjem justificações ao lado e armadilhadas.
Mas cabe à esquerda liderar a revolta a este estado de coisas. Travar e ocupar o espaço aproveitado pela extrema-direita para crescer e para se expandir
E assumir-se como projecto de ruptura total, sem tibiezas nem hesitações.
E mais uma vez se reafirma. Este é um projecto popular