sexta-feira, 29 de julho de 2016

A coreografia do FMI


Para fazer face às consequências sistematicamente desastrosas das suas prescrições concretas para países concretos, o FMI desenvolveu, desde o final dos anos noventa, uma coreografia de manutenção do paradigma assente em dois movimentos fundamentais.

Em primeiro lugar, começar a reconhecer, em geral, que os críticos tinham razão, embora minimizando as traduções de tal reconhecimento nos programas concretos: a austeridade é mesmo recessiva, os controlos de capitais fazem sentido para reduzir a instabilidade, o incremento das desigualdades sociais registado prejudica o crescimento económico.

Em segundo lugar, criar instrumentos de avaliação dos programas, o tal gabinete de avaliação independente funciona desde 2001. Depois dos avanços neoliberais terem sido garantidos, transformando a crise numa oportunidade, vem dizer que se devia ter sido menos optimista, ido mais devagar e, aqui e ali, alargado o menu do diagnóstico e das políticas, por exemplo, no campo da reestruturação da dívida ou no da atenção aos bancos. Nada de novo, portanto.

Obviamente, ao pé das instituições europeias, BCE e CE, o FMI até parece um polícia bom, tendo, em alguns momentos, revelado mais pragmatismo, sem deixar de partilhar os objectivos para as periferias europeias. No FMI têm de conhecer a diferença entre desvalorização cambial e desvalorização interna.

Enfim, contra os europeístas de todos os partidos, o outro nome da complacência na melhor das hipóteses, não é aliás por acaso que na literatura da economia política internacional devotada a temas europeus tem crescido a ideia do chamado “resgate europeu do Consenso de Washington” original, criticando os que chegaram a pensar no “resgate europeu do Estado nacional”, que eventualmente terá ocorrido, mas numa fase da integração há muito desgraçadamente ultrapassada.

6 comentários:

  1. Acho que o João começa certeiro ao referir os dois momentos de qualquer notícia do FMI. Já não é de agora e mesmo durante o assalto da troika acontecia periodicamente o FMI dizer que se tinham enganado e depois durante a visita recomendar mais do mesmo.

    Daí que eu estranhe que depois se embarque na conversa do "parece o polícia bom". Se em algumas palavras o parece, noutras nunca o pareceu. Nos actos é claramente indistinto dos outros parceiros (BCE e Conselho Europeu).

    ResponderEliminar
  2. Mais uma vez um post lúcido e oportuno.

    E certeiro

    ResponderEliminar
  3. Se Portugal saísse agora da U.E. festejaria com mais alegria do que festejei a saída de Passos e Portas do governo!
    Todavia a Globalização – multinacionais a dominarem os Estados ainda ditos soberanos - faz meditar sobre o que poderá fazer um pequeno Estado-Nação como Portugal. E´ que antes de mais estamos a falar de seres humanos, portugueses como nós. Ate´ aposto qualquer coisinha como os actuais senhores da U.E. vão aceitar os TTIP – a entrega total da soberania e outras formas de escravização…
    de Adelino Silva

    ResponderEliminar
  4. O problema não está no FMI,BCE e afins...nomeados para servirem os amos!

    O PROBLEMA,ESTÁ NOS VERMES
    QUE REPRESENTAM O POVO SOBERANO, NOS CENTROS DE DECISÃO.

    Como é que se pode defender uma DEMOCRACIA,
    que se assusta com consultas ao SOBERANO?!

    NÃO PODE HAVER CHEQUES EM BRANCO.

    ResponderEliminar
  5. Tende esperança!
    A Europa que não geringonça com o seu destino já esteve muito mais longe de nos mandar brincar com uma moedinha nossa.
    Ou muito me engano ou os preparatórios começam já a seguir às férias.

    ResponderEliminar
  6. Lá está.

    "Tende esperança" (com um ponto de exclamação final, a tentar fazer o efeito da missa de beato a chamar as ovelhas ao redil).

    A geringonça ainda encravada na gargantilha.
    E a ameaça mais ou menos velada a que se associa o desejo profundo do castigo a quem não obedecer aos ditames do directório e do grande poder económico.

    No fundo, no fundo um reles vende-pátrias a salivar pelo esmagar da nossa soberania.

    ResponderEliminar