segunda-feira, 27 de junho de 2016

Tem os dias contados


O povo do Reino Unido decidiu Brexit. Foi um dia histórico porque marca o início do fim da UE.

Pelo que li, há uma grande correlação entre o voto pelo Sair e a condição sócio-económica dos eleitores. Nada para admirar já que o agravamento da desigualdade, a precariedade do trabalho, os empregos com salários de pobreza, a privatização e degradação dos serviços públicos, e de outros de interesse geral (transportes, energia), as dificuldades no acesso à habitação, etc. são o resultado da política neoliberal que os governos trabalhistas e conservadores aplicaram consistentemente nas últimas décadas. Os Tratados da UE, e as suas políticas ao serviço da finança, sempre foram apresentados como o caminho do progresso numa Europa perfeitamente integrada na globalização. As elites neoliberais do RU (conservadores, trabalhistas e outros, de mãos dadas), e a classe média sem dificuldades, estavam do lado do Ficar. Os eleitores "de baixo" não se enganaram quanto aos responsáveis pelo seu mal-estar ("It is the jet-set graduates versus the working class, the metropolitans versus the bumpkins—and, above all, the winners of globalization against its losers").

A imigração desregulada também faz parte do modelo fundador da UE: livre circulação de mercadorias, de capitais... e de trabalhadores. Porém, ao contrário do que previa a teoria económica do neoliberalismo, a desigualdade na UE agravou-se, entre países e dentro dos países. Os da periferia endividaram-se e, encurralados na zona euro sob tutela da austeridade germânica, vão perdendo os seus trabalhadores mais dinâmicos que, por salários muito mais baixos, concorrem com os trabalhadores britânicos (nos anos 50 do século passado, Gunnar Myrdal estudou bem estes processos). Outros, ainda mais periféricos e recém-chegados à UE, fornecem redes criminosas que trabalham na economia paralela do RU. Tudo isto agravado por uma política de laissez-faire no que toca à imigração das ex-colónias, o que permitiu a criação de enclaves étnico-culturais que suscitaram o discurso xenófobo. Recordando os anos trinta do século passado, a estrutura da crise é a mesma: políticas de esmagamento do trabalho e nomeação de bodes expiatórios, nessa altura os judeus, hoje algumas comunidades de imigrantes. Com a participação activa dos economistas (da esmagadora maioria).

O Labour está numa encruzilhada: ou Jeremy Corbin assume em definitivo os anseios das classes trabalhadoras, dos jovens precarizados e das regiões deprimidas, e ainda pode ganhar as eleições no Outono, ou o Labour expulsa Corbyn e iniciará um declínio inexorável. Aliás, o mesmo dilema espera os socialistas de outros países, com destaque para França, Espanha e Portugal.

Tendo em conta que as políticas da UE não serão alteradas no essencial, já que isso é do interesse das elites alemãs e da tecno-burocracia de Bruxelas-Frankfurt, tudo se conjuga para que as tensões sociais e políticas se agravem nos próximos anos. O BCE bem pode continuar a proteger a moeda única nos mercados financeiros, mas seguramente não pode impedir novos referendos nem a eleição de governos de ruptura. O desastroso projecto da UEM tem os dias contados. Os ratos podem começar a abandonar o navio.

11 comentários:

  1. Muito bom comentário. Duma enorme clareza e dando o nome aos bois.

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  2. Foi mesmo um julgamento das políticas da UE !

    Porque por mais crises histriónicas, contra factos não há argumentos.

    Daí que o bla-bla enjoativo e decadente sobre o referendo e o progressista e o logo se reconhecerá e o de qualquer maneira e o a propósito e a agenda dos coitadinhos e a promessa do voto sem prometer alguma coisa tangível e mais um não sei o quê, tudo isso é uma rotunda nulidade.

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  3. Não deixa, no entanto, de ser irónico que poucos moldaram a agenda neo-liberal de UE como o Reino Unido. No essencial, o Reino Unido sai da UE devido à sua maior contribuição para essa mesma UE. Como o Jorge dá a entender, os britânicos estão fartos que a UE lhes aplique as medidas que eles querem ver dos governos deles (trabalhistas, conservadores e outros que tais). Alguém que explique a fina ironia!

    Por outro lado, esta era uma oportunidade de ouro para se reformar a União. Como o Jorge diz e com muita razão, acreditar que qualquer reforma visará mudar o caminho, é uma utopia.

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  4. Plano B! Ou mesmo todos os planos necessários!

    Portugal precisa de preparar o futuro pós Euro-UE!!

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  5. R.B. NorTor tem razão, parece-me, quanto à fina ironia da decisão britãnica. Duvido, no entanto, de que os próprios a saibam apreciar... O seu sentido de humor é mais próximo do "nonsense" do que da ironia.

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  6. Oh, sim, o colapso da UE vai ser uma alegria. E estamos mesmo a ver a classe operária branca a ir votar num Labour radicalizado, onde Corbyn parece que já começou a revelar os piores tiques dos esquerdistas, ao desobedecer à vontade da maioria e ao comportar-se com perfeita má fé: https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/jun/26/corbyn-must-resign-inadequate-leader-betrayal. Não esquecer que o Labour atingiu o seu ponto mais baixo nos anos 80, sob a liderança de Michael Foot, com um número significativo de MPs a abandonar o partido. Vai mas é votar no UKIP, com o eleitorado liberal urbano a fugir para os Liberais Democratas, que já prometeram não sair da UE. Claro, o UKIP e a Direita Tory não oferecem nenhuma alternativa consistente e já começaram a pedalar em 'reverse' relativamente às promessas da campanha, mas contar mentiras compensa. Quanto ao uso da palavra 'ratos', Jorge Bateira, obrigado pelo epíteto, que tem aliás longa tradição, parece-me que foi igualmente usado pelos Nazis, com quem aliás Estaline se lembrou de celebrar um famoso pacto, contra as democracias ocidentais, até perceber no sarilho em que se tinha metido, e do qual não saiu sem a ajuda material massiva dos EUA. Em vez de enveredar por um programa consistente de reformas que permitam melhorar aos poucos as condições materiais dos mais pobres, baseada na aliança entre a classe operária e a classe média, sem a qual não se ganham eleições, a Esquerda radical, sem qualquer plano económico detalhado a não ser a ideologia e os chavões do costume, espuma de raiva contra a UE e parece que não aprendeu nada desde a Segunda Guerra Mundial. Quando os fascistas se erguerem, vão ser os primeiros a sofrer com isso...

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  7. Jaime Santos, pelo que vejo está muito perturbado com o meu texto.
    Não sei o que se vai passar dentro do Labour mas tenho sérias dúvidas quanto à repetição da sua história. Uma coisa é o Labour num contexto de ascensão do neoliberalismo, outra é o Labour no ocaso do neoliberalismo. O eleitorado urbano não é todo neoliberal e, confrontado com uma escolha clara sobre o modelo de sociedade, muito provavelmente uma parte votará à esquerda, até para esvaziar a euforia do UKIP. Vamos ver.
    Quanto à "esquerda radical", se está a referir-se à esquerda que não faz compromissos com o neoliberalismo, aceito a designação. Precisamente porque essa outra esquerda dos compromissos (e negócios) formatou e geriu a UE do modo que conhecemos, é que hoje estamos a enfrentar a subida da extrema direita. Tal como nos anos trinta.
    Uma esquerda sem chavões, com um programa económico sério que vá à raiz dos problemas (ser radical é isso mesmo) pode reconfigurar o xadrez eleitoral e apresentar-se como alternativa credível. E essa esquerda pode ter sucesso se for capaz de liderar uma frente de libertação do euro. Você é um catastrofista, eu opto pela construção da alternativa.

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  8. A chamada União Europeia ( que não é o mesmo que Europa) assim como a Zona Euro foi projectada para beneficiar e ser liderada pela Alemanha e seus satélites, que tem como Guarda Pretoriana a burocracia aristocrática de Bruxelas , e o chamado Banco Central Europeu, pelo que é natural que comece a surgir um mecanismo de rejeição, por parte de alguns países.
    Quanto à ameaça de sanções a Portugal elas estão a demonstrar sem qualquer equivoco
    que a UE é governada por estruturas autocráticas cuja finalidade é a implantação do capitalismo na sua forma mais perversa.

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  9. A questão é mesmo a euforia do UKIP. Estamos a falar de um partido que existe mais no Parlamento Europeu do que na Câmara dos Comuns. É caso para dizer que os ares ficarão mais limpos no PE depois do Brexit.

    No entanto o que os Conservadores e Trabalhistas fizerem a seguir será muito mais determinante para essa bolha. A questão dos chavões que o Jorge fala é mesmo o ponto chave. É natural que a saída não seja uma festa. As questões que se devem colocar é sobre quem quem precisará de menos Guronsan ou se não é melhor fazer a festa sozinho.

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  10. Uma boa resposta de Jorge Bateira ao catastrofismo e às deturpações históricas de Jaime Santos. De resto, quanto a estas, muito mais havia a dizer mas o momento e a consideração do que é essencial não aconselha a condução do debate para estes campos.

    Há quem não tenha percebido ou não queira perceber o que se está a passar.
    "Os grandes media internacionais promoveram uma campanha verdadeiramente terrorista acerca das “devastadoras consequências”, nacionais e internacionais, que o Brexit teria. Os grandes media portugueses intervieram activamente nessa linha. O grande capital não permite que qualquer debate sobre a UE não seja de imediato inquinado. Mas é significativo do beco sem saída em que a UE se encontra que só lhe seja possível utilizar argumentos negativos, do “colapso económico” à “ameaça terrorista”.

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  11. " Têm-se dito que os “burocratas de Bruxelas” têm saído incólumes dos múltiplos calafrios por que a União Europeia tem passado. De acontecimentos graves que estão na iminência de acontecer mas que acabam por não se verificar. Este comportamento, se bem analisarmos o que agora se está a passar, não vale apenas para as angústias que antecederam o que acabou por não acontecer. Ele continuará a ser o mesmo, manter-se- á inalterável, mesmo quando o terramoto se desencadeia à vista de todos.

    É isso o que está a acontecer com o resultado do referendo britânico. Entre as declarações raivosas dos que culpam os ingleses por tudo o que aconteceu e deixam pairar a ameaça de retaliação e a linguagem dúplice (como sempre) da diplomacia germânica dando falsamente a entender que é preciso respeitar e compreender o voto britânico, a linha que está subjacente a uns e a outros, e que acabará por impor-se se não for derrotada pela luta dos povos europeus, é a de que é preciso tratar a situação decorrente do voto britânico com toda a normalidade, como se nada de importante tivesse acontecido.

    À direcção política da União Europeia, nomeadamente ao seu poder hegemónico, não lhe interessa aprofundar, nem sequer ao de leve, as causas do voto britânico. É preferível deixar essa tarefa à comunicação social de serviço que se encarregará de fazer passar a mensagem nos quatro cantos da Europa e do mundo que a decisão britânica assenta em pressupostos xenófobos, se não mesmo racistas, no bom estilo de uma eficiente divisão internacional do trabalho."...

    (JM Correia Pinto Politeia)

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