terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Aprender a desobedecer


Euclid Tsakalotos, ministro das Finanças grego, em entrevista ao jornal espanhol El Mundo, declarou o seguinte: «aplico políticas neoliberais das quais não gosto». Esta declaração de impotência democrática pode ser transposta para outros contextos de soberania limitada no quadro da periferia da Zona Euro. De facto, ainda que sem usar o termo neoliberal, um dia antes, em declarações na Assembleia da República, o ministro das Finanças português, Mário Centeno, tinha dito, a propósito da decisão sobre o Banco Internacional do Funchal (Banif), que «o Governo preferia outra solução», nomeadamente a recapitalização do banco e a sua integração na Caixa Geral de Depósitos, mas que não havia agora luz verde de Bruxelas para tal, ainda para mais tendo em conta o arrastar da situação pelo anterior governo durante mais de dois anos. Uma vez mais, as constrangedoras regras neoliberais europeias, neste caso sobre os limites às chamadas «ajudas de Estado», no quadro das regras de concorrência, não são apreciadas por um governante nacional, mas são aceites.

Excerto do artigo - Não gostar, mas aplicar: o caso Banif - que eu e o Nuno Teles escrevemos para o número de Janeiro do Le Monde diplomatique - edição portuguesa. Um número que conta, na sua componente portuguesa, entre outros, com um contributo de Ricardo Cabral sobre a política económica possível no actual contexto bem constrangedor.

Ainda sobre o contexto económico-político europeu, podem ler um artigo de Frédéric Lemaire e Dominique Plihon sobre a forma como Bruxelas está a alimentar a próxima crise financeira, através de um conjunto de iniciativas de desregulação nesta área. A Comissão Europeia (CE) está a promover com afinco a titularização de créditos e outras práticas financeiras mais do que duvidosas, como se viu nesta crise. Na realidade, desregulação é o outro nome da criação de regras favoráveis aos interesses dos grandes colossos financeiros que exercem o seu poder político na escala suprancional. Não é defeito, é mesmo feitio: em Bruxelas não sabem fazer outra coisa. Como sempre acontece, quem quiser controlar a finança deve pensar em primeiro lugar na escala nacional e na desobediência ao consenso de Bruxelas.

10 comentários:

  1. A nossa capacidade de desobediência depende antes de tudo da nossa capacidade de estabelecermos pontes com outros países sujeitos ao garrote financeiro e depende ainda da capacidade de recuperarmos a nossa banca, o grande calcanhar de Aquiles da Grécia. Faça-se aquilo que os Gregos fizeram e o resultado será rigorosamente o mesmo nas condições presentes. A nossa prisão por dívidas vai durar bastante tempo. A hora é também de começarmos a pensar em políticas de qualificação e de reforço do investimento em Ciência e Tecnologia, coisas que o atual Governo já prometeu mas ainda não concretizou. Quem trava batalhas sem armas não pode ganhá-las e convenhamos, travar batalhas para as perder e obter 'vitórias morais' não é uma atitude muito inteligente...

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  2. As acções estão a ser substituídas pelas intenções, quando as intenções já não forem o suficiente serão substituídas por uma qualquer condição de credibilidade que garanta que nada ou quase nada mude.

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  3. "Na realidade, desregulação é o outro nome da criação de regras favoráveis aos interesses dos grandes colossos financeiros que exercem o seu poder político na escala suprancional. "
    Esta frase resume o cerne da questão: financeirização da economia e seu domínio sobre a política. Quer dizer, a hierarquia é: finança, economia e política quando devia ser: política, economia e finança. A finança devia ser um instrumento ao serviço da economia, sendo esta decidida pela política, mas claro que um sistema que advoga o mercado e a sua mão invisível - invisível pelo facto de que pura e simplesmente não existe - não permite alterar a hierarquia.
    Por outro lado, discordo de uma parte da afirmação acima transcrita porque, em minha opinião, a desregulação nem sequer implica novas regras porque permite que os mais fortes decidam; como sabemos e a evidência histórica o confirma à saciedade, onde não já lei impera a força.

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  4. As acções estão a ser subsituídas pels "intenções"?
    Mas que disparate é este? É ver Bruxelas a "promover com afinco a titularização de créditos e outras práticas financeiras mais do que duvidosas". Ou ver a implementação das políticas neoliberais, pela subserviência em vigor.De "intenções" deste tipo está o inferno cheio,cheio de coisas concretas para encher o bolo de qualquer "credibilidade".
    Aprender a desobedecer é preciso.Para recuperar as soberanias nacionais e fazer marcha atrás neste caminho de sabujice sem retorno face ao poder de Bruxelas e da alta finança.

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  5. Ao aderir, voluntariamente, a´ União Europeia, os dirigentes neoliberais portugueses entregaram Portugal e os portugueses, de mão-beijada, a´ Ditadura do Capital Financeiro. Deixaram que esta penetrasse, imperiosamente, em todos os domínios da vida social, politica e económica, independentemente do regime político, de quem governe e de todas as outras contingências. Foi pura e simplesmente uma opção de classe. Nada mais!
    Para que então Lagrimas de Crocodilo?
    Ao celebrarem os 30 anos da integração europeia, eles festejaram e deram honras ao grande embuste nacional!
    Para que fazer contas a´ vida se foi, e´ do vosso agrado (de classe)?! De Adelino Silva



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  6. O drama quanto a mim é que as "soluções" preconizadas por muitos, não se adapta a situação de pre banca rota e defice excessivo, em que parte dessas politica nos têm mantido.
    Bem podemos clamar que se a avó não tivesse morrido ainda nos podia ajudar; mas o facto é que perante esta realidade, que não vai mudar, que soluções concretas , viaveis e sustentaveis os liricos nos apresentam?
    Olhando para tudo o que se escreve e diz resumo: se não fossem os outros viveriamos no paraiso!!

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  7. Falava obviamente daqueles que ocupando lugares de relevância se limitam a lamentar o facto do mundo não ser um lugar aconselhável para se viver.

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  8. Tudo bem, mas para desobedecer é preciso ser livre e para ser livre é preciso ter recursos próprios. Será que estas condições estão preenchidas? Parece que a pergunta é retórica. Como podemos sair desta camisa de onze varas?
    Talvez a resistência passiva, dizer que sim, que sim senhor, ir empaleando, e fazer qualquer coisa que realmente melhore a nossa situação. Vejo um pouco a política deste governo nesta ótica; o próprio primeiro ministro parece ter alguma arte neste sentido e é mesmo preciso ter arte e manha, de onde derivou a palavra artimanha.. Vamos ver se resulta.
    O que não resultou nem resulta é querer ser o bom aluno.

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  9. Essa malta que "nos representa" e,
    vai passeando o penacho pelos centros do poder,

    arranjou uma rica desculpa,

    para não defender...os seus representados:

    Responsabiliza sempre os "outros",

    pelas realidades adversas que nos envolvem.

    Uma vez é a Comissão...é o Tratado...é o Acordo...é o BCE...é o banco que `NÃO É DE PORTUGAL...

    TUDO COISAS FEITAS... EM MARTE!

    Como não se pode ainda lá ir...NÃO SE PODE ALTERAR!

    Se, enquanto representantes, não tivessem a desfaçatez de vender a SOBERANIA do POVO...

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  10. Uma óptima actividade de regulação de mercado
    .
    Não há necessidade do Estado possuir negócios do tipo cafés (etc)... porque é fácil a um privado quebrar uma cartelização... agora, em produtos de primeira necessidade (sectores estratégicos) - que implicam um investimento inicial de muitos milhões - a existência de empresas públicas no mercado... sujeitas a uma constante atitude crítica do contribuinte/consumidor permitirá COMBATER EFICAZMENTE A CARTELIZAÇÃO privada.
    [ver blog « http://concorrenciaaserio.blogspot.pt/ »]
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    Anexo: A Política com um Novo Paradigma
    -» O CONTRIBUINTE NÃO PODE IR ATRÁS DA CONVERSA DOS PAROLIZADORES DE CONTRIBUINTES - estes, ao mesmo tempo que se armam em arautos/milagreiros em economia (etc), por outro lado, procuram retirar capacidade negocial ao contribuinte!!!
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    -» Mais, quando um cidadão quando está a votar num político (num partido) não concorda necessariamente com tudo o que esse político diz!
    -» Leia-se, um político não se pode limitar a apresentar propostas (promessas) eleitorais... tem também de referir que possui a capacidade de apresentar as suas mais variadas ideias de governação em condições aonde o contribuinte/consumidor esteja dotado de um elevado poder negocial!!!
    [ver blog « http://fimcidadaniainfantil.blogspot.pt/ »]

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