Lisboa, em 1972 (fotografia de Cecília Ferreira Alves) "Os que sobrevivem do chamado partido democrático, monárquicos liberais ou integristas desgarrados, socialistas, elementos da Seara Nova, o directório democrata-social, vestígios dos partidos republicanos moderados, alguns novos, sedentos de mudança, e os comunistas - todos poderiam unir-se, como fizeram, mas só poderiam unir-se para o esforço da subversão, não para obra construtiva". A "impossível vitória" "das oposições" que nunca seriam uma "alternativa", significaria "cair-se no caos, abrindo-se novo capítulo da desordem nacional"
Esta antevisão do "caos" não é visivelmente recente. Mas é reveladora da forma como se arrumam as ideias do pensamento conservador, quando se trata de cercear o acesso ao poder. A frase é de António de Oliveira Salazar e foi proferida a 1 de Julho de 1958, numa alocução ao país na sede da União Nacional (Caminho do Futuro). E no entanto, ela parece adequar-se ao que se diz sobre... um possível governo de esquerda nos nossos dias.
Os nossos comentadores de direita e directores de jornais não conseguem interiorizar essa nova realidade. Mas olhando para trás pouco ligaram à brutalidade com que o governo PSD/CDS entrou no país. Não sentiram na pele a sua arrogância. Não pressentiram os riscos sociais - e políticos - de um programa radical de direita. Pior: até alinharam com ele. Apoiaram tudo até perceber, em 2013, que o Governo PSD/CDS desistira de reformar o Estado, de reformar o tecido económico e deixara a austeridade atenuar-se, com os olhos nas eleições. Sentiram-se decepcionados e desiludidos. Queriam mais!
Mas esta cegueira social cola-se a outra. Depois de tudo, os mesmos comentadores estranham agora que haja já um milhão de portugueses dispostos a afastar de imediato a coligação de direita, mesmo pondo de lado, tacticamente - veja-se lá o ódio gerado! - as ideias fortes do seu pensamento. E ainda os acusam de tacticismo!
Agora, quando a esquerda quer ser poder, fala-se de "fraude eleitoral". Democracia é apenas quando a direita ganha. Ou que qualquer ideia de esquerda terá de ser de direita (porque as propostas do PS são de direita). E até já se interpreta o sentido de voto dos socialistas (Durão Barroso: "Os eleitores socialistas não votaram no PS para um Governo com PCP e BE. Toda a gente sabe que não foi esse o sentido de voto dos eleitores socialistas.") A entrada do PCP e do BE no governo só pode ser "abrupta" ou "uma golpada". A austeridade - estúpida e, sobretudo, ineficaz - foi um aproveitamente legítimo por parte da coligação de direita, já o do PS é uma subversão às regras da UE. Uma aliança à esquerda só é própria de um desespero de um arrivista. Nem sequer é sincero... Até a igreja sente a necessidade de considerar "mais natural" uma aliança da classe média, repartida por dois partidos.
Decidamente, a nossa direita não aprendeu nada com a social-democracia e mantém todos os traços do conservadorismo agressivo. O regime salazarista estava em nós, não foi um acaso, nem uma ditadura de um só homem. Como nunca é. Era a forma policial de um sentimento muito claro que ora se vive em Portugal: o "arco da governação" é um cinto de aço, de uma ideia retrógrada, que visa impedir certas forças da sociedade - aquelas que querem mudá-la - de chegar ao poder.
Na ditadura, podia ser-se de esquerda em pensamento. Podia procurar-se livros proibidos. Em 1972, Marx, Engels e Lenine eram vendidos em certas livrarias, cooperativas. Comprei muitos. O regime fechava os olhos a essas coisas. Pressionava, mas deixava. "Podes viver, mas não tocar; podes tocar, mas não sentir; podes sentir, mas não provar." A repressão actuava precisamente quando se pensava em derrubar o regime. Quando se mexia um dedo e se pensava em ser poder. Isso estava vedado. Protegido a certas forças. Violentamente.
E tudo isso explodiu em liberdade. Como não podia deixar de ser. O fascismo forjou várias gerações de militantes anti-fascistas e anti-capitalistas que se mantêm ainda hoje no terreno.
Há uma ideia de classe em todo o pensamento actual. Nota-se na vida actual que as pessoas de certas classes já recuperaram certas posições. Até no rendimento. Não estão dispostas a voltar atrás. O pensamento refina-se. Mas a ideia subjacente é bruta: manter tudo como está.
Até o simples indicador de "competitividade", agitado tantas vezes na comunicação social e que serviu de base ao emnpobrecimento geral, é uma forma social que o conservadorismo económico inventou para impedir a repartição do rendimento com o pessoal trabalhador. Os ditos custos do trabalho por unidade produzida (CTUP) comparam as remunerações por trabalhador com o valor da produto per capita. A leitura é tão simples como a ideia que passa: só se pode aumentar os salários na proporção dos aumentos da produtividade do trabalho. Na realidade, o que se está a dizer é simplesmente isto: o peso dos salários no rendimento nunca pode subir. O rendimento do capital está salvaguardado para sempre.
E assim se faz Portugal. 40 anos não é nada na História das mentalidades.
não devias ter razão logo no início desta semana, mas tens
ResponderEliminarEnfim uma análise que merece análise:
ResponderEliminarPara já duas perguntas:
1 - TRÊS resgates em menos de 40 anos é algo muito afastado de uma situação a tender para o caos?
2 - É anti-democrático que uma maioria impeça minorias - 'aquelas que querem mudá-la' - de chegarem ao poder? Não bastará que tenham a liberdade de propaganda e acção?
Tanta conversa à esquerda e à direita, jornais, blogues, comentadores, politólogos, ... e do fundamental não se fala: há ou não um acordo à esquerda para apoiar com solidez um governo do PS?
ResponderEliminarSó a resposta a esta pergunta interessa. O resto é tudo conversa da treta para alimentar comentadores. Estão à espera de quê para responder sim ou não?
Gostei de ler este artigo.
ResponderEliminarPor uma vez, tenho que concordar com o anónimo acima. Primeiro, veio a tese de golpada. Como essa tese obviamente não colou, porque o que não vai contra a CRP é admissível em Democracia, passou-se à Tese que o PS não teria legitimidade política para tal acordo, porque não o enunciou. Quando lembraram que Costa tinha recusado a tese do 'Arco da Governação' e insistido que o BE e o PCP deveriam assumir responsabilidades governativas (se o acordo for para a frente, eu gostaria de ver ministros bloquistas e comunistas no Governo, para sofrerem solidariamente o desgaste de uma Governação que irá ser de chumbo, com toda a força dos media, e dos lóbis económicos e porventura da rua em cima desse Governo), e que recusava, isso sim, acordos com esta Direita, passou a dizer-se que o que vale para o PSD e CDS não vale para PS, BE e PCP, porque os dois últimos têm sarna. Portanto, agora vem mesmo o teste de tornassol. Terão as Esquerdas capacidade para correr o risco de se unirem em torno de um programa de Governo sólido, para quatro anos, que lhes permita começar a mudar este estado de coisas, em vez de meias-tintas que podem redundar numa dissolução da AR no próximo ano e trazer de volta uma Maioria Absoluta da Direita? Para isso, é preferível deixar passar o Governo Minoritário PàF e deixá-lo beber o seu Veneno até ao fim, mas será o Povo a sofrer com isso...
ResponderEliminarReforço o que disse antes (10:43).
ResponderEliminarJá não há "pachorra" (desculpe a linguagem) para tanta análise e comentário. O cúmulo foi o artigo de opinião de Paulo Trigo Pereira, no Público de hoje (p. 49), onde analisa a situação de acordo com o Teorema do Votante Mediano!!!!!
Eu aprecio Paulo Trigo Pereira e o artigo está bem escrito e fundamentado (no essencial até concordo com ele), mas .... já chagámos a este ponto na análise?! Teorema do Votante Mediano!?!?!
O PS tem de decidir, e rapidamente. Ou chega a um acordo sólido com BE e PCP e propõe uma solução governativa nessa base, ou termina este lado das negociações e inicia negociações para viabilizar um governo da Coligação.
Tudo o resto, a estratégia do PR, a legitimidade ou falta dela, o PREC, a queda do Muro de Berlim, o Teorema do Votante Mediano (!!!!!) já saturam!! Chega!!!!
Chega de conversa e de comentadores, são necessárias decisões. E a primeira é do PS: consegue ou não um acordo sólido à esquerda?
Jose
ResponderEliminarandas tão nervoso que já atropelas a História e a Lógica
tem calma, ainda tens um AVC
3 - Se há luta de classes não haverá necessáriamente políticas de classe? Deve a classe maioritária assumir-se como classe suicidária?
ResponderEliminar4 – E porque uma minoria que se proclama generosa, solidária e justa, quer tudo igualar para tudo vir a dominar com uma nunca rejeitada ‘ditadura do proletariado’, vai a maioria dar para semelhante peditório?
Fique claro que ambiciono que essa maioria de esquerda se forme e que haja um governo que a invoque.
Bipolarização precisa-se, que a treteirice está a confundir demais!
Caro 11:47,
ResponderEliminarPorque é que já chega? Então se o PR ainda só agora começou o seu dever constitucional de consultar os partidos, o que é que já chega? Se está a falar dos opinadores a quererem comparar, no seu âmago, as eleições de dia 4 a uma espécie de revolução de Outubro, tem razão, já chega. Se já chega de comentários de ou vai ou racha, que no fundo não são mais do que um sentimento de «não te chegues à esquerda Costa», também tens razão, já chega.
Discordo no entanto que a primeira decisão a ser tomada seja do PS. Se a Coligação está assim tão segura da sua viabilidade, então que se chegue à frente. São ou não são «os vencedores» das eleições? Se venceram eleições é porque de certeza que fazem passar pelo menos o programa de Governo, ou não? Se «só» eles têm legitimidade, porque é que tem de ser o PS? Ou será que vamos ter um Governo limiano, com a ala segurista do PS a viabilizar um Governo da Coligação?
De uma forma geral, seja qual for o Governo que saia daqui, será sempre um Governo desgastado ainda antes de o ser. Um governo da coligação será cozido em lume brando pelas restantes forças na AR, com o PS a fazer o que a Coligação fez ao PS entre 2009 e 2011 (já se esqueceram de quem viabilizou PEC atrás de PEC?). Por outro lado, um Governo de Esquerda, para lá das tensões internas que inevitavelmente terá, tem ainda de lidar com uma imprensa que há muito mandou às urtigas o dever de imparcialidade e que tratará de, lá está, o cozer em lume brando na opinião pública.
A única coisa boa destas negociações são mesmo o contribuirem para acabar com a abominação democrática que a expressão «arco da governação» representa.
"Porque é que já chega? "
ResponderEliminarJá chega por está a tornar-se insuportável a quantidade de comentários, análises especulativas, declarações políticas, ... em torno do tema. Está enganado quando vê nas minhas palavras (no meu desabafo) a defesa do «não te chegues à esquerda Costa». O PS, o BE e o PCP têm de acordar rapidamente quais são as questões fundamentais para a viabilização de um governo à esquerda. Se houver acordo então que o comuniquem e depois continuem a negociação dos "detalhes". Mas acho que já passou tempo suficiente para determinar se há ou não condições. O tempo de indecisão corre contra o PS, não tenho dúvidas.
"Discordo no entanto que a primeira decisão a ser tomada seja do PS."
Neste momento parece-me claro que só há duas alternativas viáveis de governo: Coligação com apoio do PS; PS com apoio do PCP e BE. O elemento comum entre ambas é o PS. Portanto é o PS que tem, na prática, a faca e o queijo na mão. E, aliás, não parece enjeitar esse poder de decisão. Mas é necessário que o exerça!
Repito: por ser o PS que tem a faca e o queijo na mão (o poder de escolher), é contra o PS que corre o tempo da indecisão.
"A única coisa boa destas negociações são mesmo o contribuirem para acabar com a abominação democrática que a expressão «arco da governação» representa."
Esta fase ilustra precisamente o que eu quis dizer! O que diz já está adquirido há muito tempo, apesar do ruído da Coligação e de alguns comentadores. Não vale a pena continuar a chover no molhado! Mas é pouco e corre-se o risco de, na prática, não se voltarem a reunir condições tão cedo para que esta constatação sirva para alguma coisa. É preciso mais e rapidamente. Daí o meu apelo: o PS que decida!
Ainda em resposta a R.B. NorTor.
ResponderEliminarO pior que pode acontecer ao PS, o pior de tudo, não é apoiar a Coligação (o que já seria mau). Pior ainda seria o PS, depois de tornar claro que é o pivot das alternativas de governo, que tem o poder de definir qual a alternativa de governo, afinal não decidir nada e deixar arrastar o processo. A posição em que está o PS foi, em parte, consequência da postura da Coligação. Mas o PS não enjeitou esse poder, pelo contrário, reivindicou-o.
Agora, a percepção pública é que o poder de decidir e escolher é do PS. Deixar arrastar o processo e não decidir nada vai "demonstrar" que o PS afinal não sabe decidir. Ou seja, não sabe governar.
OK, houve claramente um erro de interpretação meu.
ResponderEliminarContinuo a discordar que o poder de iniciativa seja do PS. Ou melhor, não acho que tenha de ser, mas o PS tem estado a usá-lo bem. Os motivos pelos quais o PS olhou para a esquerda podem ter mais a ver com política interna do que «o superior interesse da nação» que conduziram a uma certa revogável irrevogabilidade. A questão é então, pode uma boa acção movida por maus motivos ser uma má acção?
No contexto da agressividade eleitoral, pode o PS chegar-se às reuniões com o PR sem ter as linhas bem definidas do que fará ou daquilo com que pode contar? O PS não precisa de apoiar a coligação, pode simplesmente ir validando a coligação em lume brando, mesmo depois de todo este processo. O facto de terem a faca e o queijo na mão não significa que tenham de ser eles a fazer a ementa. Que é como quem diz, pode haver quem decida que para este banquete passamos bem sem queijo e torna-se necessário ao PS mostrar que o queijo é parte fundamental do repasto. Como acabarão por demostrar de uma forma ou de outra.
Agora o arrastar do processo. O processo é naturalmente moroso e não vale a pena andarmos a pedir soluções precipitadas. É a primeira vez na história da Democracia em Portugal que passamos por este processo. Noutras paragens seria naturalmente mais rápido, por ser mais frequente, por envolver estruturas menos ortodoxas, por a história recente ter deixado mais claras as áreas onde se podem entender ou não. E convém não esquecer aqui aqueles 15/16 deputados seguristas que se se fizerem valer da sua independência podem bem estragar as contas de uma votação de um programa de Governo.
Pessoalmente acho que a melhor forma seria a de convidar PCP e BE a integrarem um eventual Governo. Há certamente áreas onde o entendimento seria fácil e que não chocaria com as agendas de nenhuma das forças, mas isso seria uma forma de talvez amarrar os parceiros minoritários a medidas que eles não querem, em particular quando se falar de orçamentos.
Fazer um programa de governo com os três programas, algo que todos possam apoiar, porque sem os três em massa não há hipótese de passar, é complicado. Faz o exercício de tirar os três programas e tentar juntá-los, e junta-lhe o processo de negociações tripartidas. Vai demorar, mas parece-me que neste caso o tempo joga a favor do «consenso».
“Assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele”
ResponderEliminarDefinitivamente nem António Costa, nem Passos Coelho são o PS e o PSD. E por isso mesmo, não há que fulanizar o que e´ de todos.
Por se faltar a´ verdade veja-se a colheita do que foi semeado na campanha eleitoral…e a farsa continua!
Ninguém foi eleito primeiro-ministro e no entanto,
Os dois diziam-se “candidatos a tal…”
O Presidente da Republica, e´ apartidário, mas faz parte de uma Classe.
A constituição determina ser indigitado o partido mais votado, maior grupo parlamentar…e no entanto a cega ambição dos actuais governantes, leva-os a trair a constituição.
A meu ver os que se apresentam como representantes do povo desta forma, não são dignos de representar esse mesmo povo…
Há que mudar de sistema!
De Adelino Silva
Este é o "argumentário" actual da Direita e dos meios de comunicação social sobre a possibilidade de uma Unidade de Esquerda.
ResponderEliminar-União Nacional, uma espécie de Portugal à Frente...
É absolutamente verdade, o Salazarismo esteve intrinsecamente ligado à maioria da População e está ainda a morar essencialmente em muitos portugueses. De outra forma era impossível ele resistir durante 48 anos, mais 40 de Democracia.
ResponderEliminarPortugal é Democráticamente, um País agressivamente Anti-Democrático!
-Assim como é maioritáriamente Falsamente-Católico. Detesta os Padres, não vai à Igreja, não é Cristão, não é Humanista, mas para baptizar, casar, ou para sepultar os seus mortos, rende submissamente o seu preito e vassalagem à Igreja.
-Mais vale prevenir...Nunca se sabe o que pode acontecer depois de se morrer.