sexta-feira, 18 de setembro de 2015

E a alternativa?


Os actuais debates entre líderes políticos confirmaram o que já sabíamos: o desplante com que a direita se dirige aos portugueses, como se não tivesse entusiasticamente assumido o programa da troika; as ambiguidades de um PS que condena a austeridade, mas pouco promete, sabendo que terá de aprovar os orçamentos em Bruxelas; a crítica da esquerda, demasiadas vezes enrodilhada na discussão das medidas mais gravosas, talvez para ocultar a lógica global da política, a da zona euro, que tem dificuldade em discutir abertamente. Assim sendo, é de esperar que até ao dia das eleições sejam os media a comandar o debate, não apenas pelas perguntas que marcam a agenda, mas sobretudo pela sua formulação a partir dos pressupostos do pensamento neoliberal.

O que abriria novos horizontes aos portugueses, a tal luz ao fundo do túnel, era ver candidatos de oposição apresentarem uma política económica alternativa, aquela que coloca o pleno emprego como o primeiro objectivo, ao qual todos os outros se subordinam. Nestes debates, quantas vezes a expressão “pleno emprego” foi pronunciada? E, no entanto, o que hoje separa com clareza a esquerda da direita é a defesa, ou não, deste objectivo central. Se o PS quer reduzir o desemprego, mas não pode comprometer-se com políticas de pleno emprego porque a moeda única é a prioridade, então estará a propor-se como partido de alternância, não como alternativa de esquerda. Se o BE fustiga o governo porque falhou nas metas do défice e da dívida, então ainda adopta o paradigma pré-keynesiano das finanças públicas, o da troika, pelo que não está em condições de apresentar uma alternativa de esquerda. Uma esquerda que não coloca à cabeça a questão da soberania monetária (“sairemos do euro se não houver outro remédio”) não entende que um programa de pleno emprego pode ser financiado pelo banco central e que, por se tratar de dívida do Estado a si próprio, não é um encargo para os contribuintes. Mas, admitindo-o, o BE teria de abandonar o internacionalismo que defende um “euro bom”, uma zona euro bem construída. Nisto, o PCP é muito mais sólido, embora precise de apurar algumas formulações e, sobretudo, de perder o pudor que ainda tolhe o seu discurso nos media.

Em relação directa com o debate sobre a evolução da taxa de desemprego, não se vê os candidatos da esquerda porem em causa o paradigma neoliberal do crescimento económico, tanto na sua relação com o emprego como nas suas implicações ambientais. Frequentemente, mostram as insuficiências do indicador do desemprego publicado pelo INE, o que, sendo certeiro, ainda assim é limitado, porque permite à direita a crítica fácil de que negam a existência comprovada de algum crescimento económico, aliás, devido à travagem na política de austeridade. A esquerda deve fazer a defesa do desenvolvimento, o que é muito mais complexo e envolve outras dimensões, incluindo estruturais, que a direita ignora ou até rejeita, porque exigem uma intervenção estratégica do Estado. Assim, uma alternativa de esquerda defende a criação de empregos socialmente úteis, em colaboração com as autarquias e agências de desenvolvimento local, com níveis de qualificação diversos, numa escala que se reduzirá à medida que a economia recupere a utilização da capacidade produtiva instalada. Em complemento, uma política fiscal fortemente progressiva, aliada ao reforço do poder negocial do trabalho, daria um contributo fundamental para a criação de emprego e a revitalização do Estado social. Claro que isto significa uma ruptura com o euro mas, na vida das pessoas como na das sociedades, há momentos em que apenas a ruptura é portadora de futuro. Sem alternativa global e consistente é que não teremos luz ao fundo do túnel.

Todos sabemos que o desemprego subiu fortemente depois da entrada de Portugal na UEM e que o pleno emprego já não é possível dentro da zona euro. Por isso, passado o dia em que irá votar sem entusiasmo, o povo continuará à espera de uma alternativa que lhe dê esperança em melhores dias. A esquerda deve-lhe isso, mas tem a obrigação de saber que tal não é possível dentro do paradigma dominante. A menos que não tenha aprendido nada com o fiasco do Syriza.

(O meu artigo no jornal i)

11 comentários:

  1. La continua o Jorge Bateira a defender uma Alternativa sem Estratégia. O PCP torna-se Governo e PUF!!! no dia seguinte saímos do Euro. E, como o Eleitorado 'abastado' ira provavelmente reagir de forma negativa ao derretimento das suas poupanças, salários e pensões, se calhar a seguir propõe suspender essa coisa burguesa chamada Eleições a bem da Independência Nacional. Um Alternativa sem Estratégia não e Alternativa nenhuma, e puro Pensamento Magico. Mas se a ideia e falar só para dentro do Eleitorado Comunista e evitar a erosão pelo voto útil, repetir o mesmo chega, não e?

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    1. Não percebo o comentário do Jaime Santos, compreendo que ache qué necessário uma estratégia para lidar com uma provável saída do euro mas parece-me um cenário pouco realista o escudo vir a ser mais forte que o euro, ou seja, se isso acontecer os cidadãos vão ser confrontados com essa realidade e o facto de não estarmos minimamente preparados está intimamente relacionado com a forma como os partidos do poder têm lidado com a soberania.

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  2. Jaime SAntos não é intelectualmente honesto. Sabe perfeitamente que PCP não defende saída súbita do euro, mas insiste em lançar essa versão por todo o lado - o que vai amedrontando os eleitores descontentes do seu PS.

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  3. Uma esquerda que não coloca à cabeça a questão da soberania monetária (“sairemos do euro se não houver outro remédio”) não entende que um programa de pleno emprego pode ser financiado pelo banco central e que, por se tratar de dívida do Estado a si próprio, não é um encargo para os contribuintes.

    A direita percebe, por isso é que endividam o Estado e privatizam monopólios naturais.

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  4. “Todos sabemos que o desemprego subiu fortemente depois da entrada de Portugal na UEM e que o pleno emprego já não é possível dentro da zona euro.”
    Vivi num Portugal de pleno emprego e passava fome…mais, faltava mão-de-obra. Tanto assim que Marcelo Caetano para colmatar essa lacuna, fez embarcar cerca de 28 mil africanos para o continente, como então se dizia.
    Há muito, muito tempo que andam nisto, precisamente, os homens e mulheres de esquerda, será que amocharam de tal forma que só o lamento lhes serve?
    Trata-se de uma guerra prolongada esta do trabalho contra o capital.
    Estão a ver…E´ tao simples –o Trabalho contra o Capital--.
    Que coisa e´ essa de BE. PCP. PS e, e, e, e. Para que tanta sigla…isso só gera confusão
    Por que de facto, embora o campo de batalha seja extenso, só há duas forças em combate e são o Trabalho contra o Capital. De Adelino Silva



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  5. «uma alternativa de esquerda defende a criação de empregos socialmente úteis, em colaboração com as autarquias e agências de desenvolvimento local, com níveis de qualificação diversos, numa escala que se reduzirá à medida que a economia recupere a utilização da capacidade produtiva instalada. »

    Vai-se gastando dinheiro até que haja receitas....
    Brilhante! Com um pequeno detalhe...falta a máquina de fazer notas.

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  6. A intervenção da E.Apolonis com o Portas, tendo os dois sido sérios na sua intervenção. mostrou mais uma vez. como o discurso de que o estado vai fazer tudo, bate com a realidade mais recente, em que "criar" empregos pelo estado, vão ficar caríssimos ao conjunto dos contribuintes; não querer reconhecer isso, pode ser muito ortodoxo, mas duma forma semelhante as outras ortodoxias dos credos= era verdade quando foram criadas , mas um anacronismo e uma besteira hoje!

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  7. Concordo com Adelino Silva, o problema central é a questão do Trabalho contra o Capital, mas a verdade é que essa luta só pode ser ganha, sem violência -que é o que todos desejamos-, se a imensa maioria dos Cidadãos o desejar de forma consciente. Contrariamente teremos uma violenta guerra fratricida, que acontece um pouco por todo o lado, em diversos domínios.
    Temos que ser objectivos, a única solução viável neste momento é de compromisso. E esse compromisso tem de passar por resolver a questão da vida concreta das pessoas, o seu rendimento disponível para enfrentar os custos do dia a dia, sem miséria nem sofrimento. Esse compromisso terá que passar pelo entendimento entre as forças da esquerda, todas elas terão que assumir um contrato social -novamente Rosseau- que permita encarar o futuro, dentro de uma perspectiva positiva, o futuro mais próximo de nós, lá para a frente, haverá sempre tempo de se reformular e reafirmar essa base de entendimento. De outro modo -o Capital entende-se e defende-se muito bem, como vemos- as coisas da gestão da nossa vida, estarão sempre nas mãos de gente, como a que temos agora no Governo. Este é um problema que tem ser discutido a sério, dentro das diversas organizações representativas de esquerda, desde o PS, PCP, BE, UDP até ao Livre, dos Sindicatos, das associações culturais ou recreativas. É de forma completamente transversal, aberta, que o caminho se pode encontrar.
    Agora, é tempo de dar as mãos para derrubar esta coligação.

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  8. Um dia, em dia de eleições, tinha pra ai 17 anos, dei comigo e outros companheiros, camaradas e amigos a tentar boicotar essas mesmas eleições. Foi em tempos dos refugiados húngaros. Tratava-se então de eleições demonizadas por Salazar. Lembro o montão de pedras preparadas para arremessar contra o edifício da camara… Ate que outro camarada amigo e companheiro nos avisou de não entrarmos com violência, que nos não eramos iguais a “eles”.
    Acabamos a olhar as pedras e ainda hoje, penso que ficaram tristes por ali ficarem abandonadas sem funcionarem, sem servir para outra coisa que não fosse serem pisadas…
    Não sou a favor da violência, não senhor, mas custa muito sentir na pele a violência sobre nos exercida, la isso custa… A Intifada de então ficou no limbo… Salazar e depois Caetano continuaram numa boa torturando comunistas socialistas e outros democratas…Nem só um tiro, uma pedrada e´ violência, a falta de Liberdade, a fome nas aldeias, a doença quando pode ser evitada serão ainda mais violentas …
    Não esta nas nossas mãos controlar o exercício da indignação. De Adelino Silva

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  9. O Meireles precisa reflectir um pouco mais.
    O compromisso na luta trabalho/capital num patamar satisfatório manda às urtigas muitas das 'conquistas do 25A, por desajustadas.
    A remuneração do capital é incerta - os salários nunca recuam (salvo eufemisticamente pela agora indisponível política monetária)?
    Os gestores são falíveis e não raro incompetentes - o trabalho não conhece a precariedade?
    Aos trabalhadores impõem-se deveres limitados a um 'posto de trabalho' - não teriam que entender a empresa e o seu funcionamento?
    Alguém ouve falar em co-gestão?

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  10. Adelino Silva:
    Está também nas nossas mãos controlar a acção violenta. Especialmente nas mãos de quem se consegue aperceber que a violência não conduz a nada, senão a mais e mais violência. Falo na violência pura, não falo na falta de coragem, presença e activismo. O que me choca é que das vítimas da violência não se fala mais, deixam-se umas flores em locais bem definidos, a relembrar episódicamente essas pessoas, mas na realidade elas -as vítimas- nunca mais poderão participar na vida a que tanto deram.
    -Ninguém tem o direito de impor aos outros as suas ideias.
    -Ninguém tem o direito de violentar o seu semelhante.
    Temos que trabalhar as consciências e mostrar o lado mais belo do que é possível alcançar de forma solidária.
    Se utilizarmos a violência para atingir seja que fim for, ele ficará para sempre manchado com o sangue ou a dor das vítimas...

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