terça-feira, 5 de maio de 2015

Vícios de uma certa esquerda

O José Gusmão respondeu aqui à minha acusação de que o argumento contra o Complemento Salarial – subsidia pobreza e baixos salários - usado por ele, pela Mariana Mortágua e pela Marisa Matias, também pode ser aplicado ao RSI, que também “subsidia” a pobreza. Vamos por partes.

1) Ao contrário do que diz o José Gusmão, o Complemento Salarial é um subsídio aos trabalhadores, não aos empregadores. É uma medida que, à semelhança do RSI (e de outras prestações de combate à pobreza) não é assistencialista e aumenta o rendimento disponível dos cidadãos de mais baixos rendimentos. Esta medida não pretende corrigir, nem para cima nem para baixo, os níveis salariais praticados pelas empresas; para isso temos o Salário Mínimo Nacional (o PS propõe o seu aumento) e todas as políticas públicas que visam qualificar/capacitar a economia portuguesa, afastando-a do modelo de baixos salários que a tem caracterizado. Todo o relatório "Uma Década para Portugal" segue esta linha, defendendo uma ideia de competitividade assente nas qualificações e na alteração (qualitativa) do perfil produtivo da nossa economia. O que o Complemento Salarial faz é garantir que, independentemente do valor do salário mínimo e dos níveis salariais praticados na economia portuguesa, quem tem trabalho intermitente e irregular, não estando empregado o ano todo, e/ou tem uma dimensão do agregado familiar que o torna pobre, tem um aumento do seu rendimento disponível. Quanto ao problema da irregularidade e da intermitência laboral, o relatório tem um conjunto de propostas para combater esse fenómeno, como a taxa para penalizar empresas com rotação excessiva de trabalhadores;

2) O complemento salarial não diz que a culpa do desemprego é dos trabalhadores, nem pretende dar incentivos a trabalhar. O incentivo que esta medida pretende dar é à formalização da relação laboral, aumentando a participação (formal) e os descontos para a Segurança Social. O problema do desemprego deve-se à falta de procura, um problema que esta (e muitas outras) medida combate, aumentando o rendimento disponível de quem tem uma propensão marginal a consumir igual a um. A criação de emprego depende do aumento do rendimento disponível das famílias e do aumento do investimento, não de qualquer tipo de incentivo micro associado a esta medida (ou à redução da TSU para empregadores). Isso está bem claro em todo o relatório;

3) O relatório “Uma Década para Portugal” não é o programa eleitoral do PS, que só será apresentado no dia 6 de maio. Nesse programa estarão incluídas todas as medidas de combate à precariedade defendidas pelo PS. Aí, para além do aumento da TSU para empresas que recorram a excessiva rotação de trabalhadores, limitação dos contratos a prazo e incentivos para contratação sem termo, estarão medidas de combate aos falsos recibos verdes e à precariedade. Quanto ao fim da justa causa, que o José Gusmão insiste (erradamente) em dizer que é uma proposta que consta do relatório, remeto para a resposta do Pedro Nuno Santos ao João Ramos de Almeida, mais abaixo neste mesmo blogue;

4) O Complemento Salarial é a forma que encontramos para aumentar o rendimento disponível de uma camada da população que, trabalhando, tem rendimentos tão baixos que não paga IRS e pouco desconta para a Segurança Social. Nesse sentido, o público alvo não é o mesmo do RSI, porque se tratam de pessoas integradas (embora de forma precária e irregular) no mercado de trabalho. O aumento do salário mínimo, ou a redução do IRS, embora essencial, não resolve o problema destas pessoas, porque o seu problema é terem uma forma de inserção no mercado de trabalho que não lhes permite ter, por exemplo, um rendimento anual que seja 14 vezes o salário mínimo. Se o José Gusmão acha que esta medida é inaceitável, então resta-lhe viver com as consequências dessa sua posição e dizer que, no que depender do Bloco, estas pessoas não terão esse suplemento, nem verão o seu rendimento disponível aumentar;

5) Para terminar, o argumento do José Gusmão (bem como o do José Neves) aproxima-se perigosamente da ideia liberal de que os únicos rendimentos que as pessoas podem ter são aqueles que lhes são dados pelas suas relações mercantis, não por apoios ou subsídios do Estado. Parece que (alguma) esquerda e (alguma) direita encontram-se neste ponto, com uma diferença: os primeiros querem transformar essas relações laborais, eventualmente superando (de forma definitiva) a exploração que elas encerram; enquanto isso não acontecer e as relações laborais não forem definitivamente transformadas, parece que o Bloco se limita a propor que não se faça nada, concentrando todos os seus esforços numa denúncia (retórica e estéril) permanente dessa exploração. Talvez seja por isso que alguma esquerda sempre viu na criação do Estado Social uma traição da Social Democracia: a sua criação, que internaliza e socializa certos custos e riscos do funcionamento de uma economia de mercado, constitui um entrave à pratica revolucionária e à superação do Capitalismo, anestesiando os trabalhadores explorados.

16 comentários:

  1. este complemento é um insulto aos trabalhadores e à economia.

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  2. Na minha opinião, os salários mais baixos, inferiores p. ex., a 700 euros brutos deveriam ser sujeitos a uma TSU mais elevada o que iria incentivar as empresas a pagarem salários mais elevados.

    Desta forma, já não seria necessário implementar o complemento ao salário.

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  3. O «Complemento Salarial é um subsídio aos trabalhadores, não aos empregadores.» Directamente, sim. Indirectamente é um subsídio aos empregadores, que podem facilmente confiscá-lo. É como os benefícios fiscais que eram dados à compra de habitação ou aos Planos de Poupança-Reforma: acabaram por beneficiar apenas os bancos.

    O empregador confiscará o benefício atribuído ao empregado porque passará a tê-lo em conta ao determinar o salário, que será sempre o mais baixo que puder pagar.

    A única alternativa real ao Complemento Salarial, ao RSI e ao subsídio de desemprego é o rendimento Básico Incondicional. Não incentiva o trabalho, mas também não o desincentiva (o trabalhador continuará a recebê-lo mesmo trabalhando). Não desincentiva o abandono de um emprego mal pago a favor de um mais bem pago (mesmo ganhando mais, continuará a recebê-lo). Não enfraquece a posição negocial do empregado face ao empregador, antes a fortalece (o empregador deixa de poder impor ao empregado a escolha entre um mau emprego e a miséria). Não é confiscado pelo empregador. Finalmente, contribui decisivamente para o aumento da produtividade (forçado a aumentar salários e a melhorar as condições de trabalho, o empregador tem que melhorar o seu próprio desempenho, ultrapassando assim aquela que é, segundo a OCDE, a principal causa da baixa produtividade portuguesa: a má gestão).

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  4. " o relatório tem um conjunto de propostas para combater esse fenómeno, como a taxa para penalizar empresas com rotação excessiva de trabalhadores;"

    Isto só é verdade para quem não conhece a realidade. E a realidade é que empresas do mesmo sector não têm quaisquer problemas em entrar em conluio explícito ou implícito para manter a rotatividade. Em qualquer caso, aumentará o recurso à exploração por empresas de trabalho temporário que poderão manter níveis de rotatividade pornográficos.

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  5. Diz o João Galamba que “o problema do desemprego deve-se à falta de procura, um problema que esta (e muitas outras) medida combate, aumentando o rendimento disponível de quem tem uma propensão marginal a consumir igual a um”.

    Mas o Relatório da sua coautoria propõe uma baixa real da remuneração média por trabalhador da ordem dos 6% na próxima legislatura (nominalmente fica na mesma), ainda maior do que a baixa real que a Comissão Europeia previa.

    E no que respeita ao rendimento disponível “de quem tem uma propensão marginal a consumir igual a um” (nas suas palavras), com que se conta aumentar a procura e o emprego?

    A inflação estimada para os anos de 2016 a 2019 é de 6,0%. O cenário com base nas previsões da CE apontava, no conjunto dos quatro anos, para um aumento nominal do rendimento disponível total das remunerações de 5,6% e das prestações sociais de 9,2%. Para o mesmo período, a proposta no Relatório encomendado pelo PS para o aumento nominal do rendimento disponível global das remunerações e das prestações sociais é, tanto para umas como para outras, de 6,2%.

    Sensivelmente a mesma coisa que o previsto no cenário baseado no relatório da CE para o rendimento disponível total das remunerações (embora com menor remuneração média) e menos, apenas cerca de dois terços do aumento, do que o previsto para o rendimento disponível total das prestações sociais.

    Recordando que, para os mesmos anos, o Relatório espera uma inflação acumulada de 6,0%, tem que se concluir que, em termos reais, o PS quer diminuir significativamente a remuneração média por trabalhador e deixar inalterados o rendimento disponível total das remunerações e das prestações sociais.

    Então de onde é que vem um aumento tão significativo do emprego? Parece um milagre.

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  6. Ainda sobre o cenário da década
    Sem dúvida que para uma visão social-democrata a coisa ate´ nem esta´ mal. Acontece que neste “Cenário PS” como no atual, todo processo subsidiário já de si e´ uma configuração de alivio do empregador e não do empregado.
    O Prato de Lentilhas com que dizem ajudar o empregado não serve senão para o maior lucro do empregador.
    Se isto não e´ anestesia…
    Que vivamos em um pais de faz de conta…
    Que as praticas politicas dos do Arco da governação, dos que se sentam repimpados na mesa do orçamento sejam as que nos querem impingir vá que não vá. Não e´ necessário mentir ou de camuflagem. “Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele”
    Adelino Silva

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  7. Queria desde já fazer referência à triste figura que fez no programa "sem moderação" da semana passada, aquando da opinião do Daniel Oliveira sobre o plano económico do PS para os próximos anos, falou de uma suposta desautorização do Daniel Oliveira pelo líder do partido a que pertence com o único objectivo de o atacar, o desviar do assunto e a ofensa gratuita é apanágio dos impreparados.

    "O relatório “Uma Década para Portugal” não é o programa eleitoral do PS, que só será apresentado no dia 6 de maio. "

    Podemos asssumir que o relatório serve para medir a sensibilidade da população, como se costuma dizer "atirar o barra à parede" para posteriormente optarem pelo que vende mais, só que há um pormenor ao qual não prestaram a devida importância, quem subscreve este documento denuncia, de forma implícita, de que lado da barricada se encontra.

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  8. Atendendo ao plano para a década do PS penso que se podem estabelecer pontes entre PS, PSD e CDS, quem sabe concorrerem a eleições coligados, quem sabe...

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  9. " o público alvo não é o mesmo do RSI, porque se tratam de pessoas integradas (embora de forma precária e irregular) no mercado de trabalho."

    Creio que grande parte das pessoas do RSI também estão integradas no mercado de trabalho (li em tempos que era para aí 40%).

    [Eu provavelmente ainda escreverei mais algo sobre isto, mas para já fica este comentário]

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  10. João Galamba andamos todos a discutir uma "proposta para a década"que já se percebeu que foi mal recebida um documento tático que está a subverter o debate estratégico das grandes questões que estão hoje na ordem do dia da esquerda a que o ps quis furtar-se provocando o desconforto nos seus próprios simpatizantes e eleitores-o seu contributo para uma recepção do documento é em grande medida auto-justificativo complacente
    com quem se situa à sua esquerda do mesmo modo que a proposta para a década é complacente com os trabalhadores desempregados e precários.

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  11. Acho que vão abrir caminho a que o patronato comece a incentivar os seus trabalhadores a receberem "por fora" procurando assim reduzir ainda mais a sua própria contribuição para a Seg Social.
    O argumento será: tu recebes por fora, não declaras para TSU nem para IRS e ainda vis buscar o tal subsídio; ficamos todos a ganhar e os ladroes do governo que se lixem!

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  12. Caro João Galamba,

    Como se pode constatar pelos comentários aqui deixados pela maioria "anónima" o propósito é mais o insulto que debater a proposta com seriedade.

    Por isso é de louvar que se dê ao trabalho de explicitar a proposta mesmo sabendo o ambiente hostil que enfrenta e dos insultos que vai ter de ler.

    Tal como o João Galamba também não entendo que o B.E. se junte à direita no argumento que subsidiar quem não tem rendimentos ou tem baixos rendimentos seja um incentivo à preguiça (RSI) ou aos baixos salários (Complemento Salarial).

    Dito isto, devo dizer que ainda que entenda o alcance da medida, não vejo uma forma de a implementar sem elevados riscos de abusos indevidos e distorções na sua finalidade. Há um risco óbvio que ela possa ser explorada por conluio entre empregador e empregado, aumentado a informalidade da relação laboral e subvertendo os fins.

    Talvez modificando as regras do subsídio social de desemprego, para abranger estes trabalhadores com emprego intermitente, possa ser uma melhor solução.

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  13. Gostava que o anónimo das "6 de maio de 2015 às 17:16" que escreveu isto

    "Como se pode constatar pelos comentários aqui deixados pela maioria "anónima" o propósito é mais o insulto que debater a proposta com seriedade"

    explicasse onde estão os insultos que corri a coisa de alto a baixo e não dei com eles.

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  14. Nem mais, caro anónimo de 6 de maio de 2015 às 19:02

    De

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  15. Genericamente, o documento "Uma década para Portugal" foge habilmente às duas questões principais e estruturantes do país: a dívida pública e o seu pagamento e a permanência na zona euro, os dois fatores que, conjugados, impedem a aplicação de uma política económica de desenvolvimento. E o desenvolvimento económico apenas se consegue através do investimento público e privado, do consumo interno e da procura externa. O documento delicia-se num jogo de trocas, tirando de um lado, para colocar noutro, através de medidas marginais e de impacto duvidoso.
    O Tratado Orçamental, que o PS subscreveu, limita qualquer hipótese de desenvolver a economia através do investimento e do aumento do consumo, deixando apenas a porta aberta para o aumento das exportações, cuja margem de crescimento se vai apertando, devido à conjuntura regressiva e desfavorável dos mercados de destino e também devido à falta de inovação da economia portuguesa.
    Em vez de propor a compra um fato novo, o PS recomenda remendar o fato velho. Assim, nunca mais sairemos da crise. E é isso que a Alemanha pretende.

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  16. Falando durante uma conferência organizada pelo ISEG para apresentar à comunidade académica o relatório "Uma década para Portugal",
    encomendado por António Costa a um grupo de economistas da área do PS, Vítor Bento sublinhou as "vantagens" desse documento para o
    PS e para o País. Ao Partido Socialista, o documento terá permitido "reganhar uma ideia de credibilidade", disse Bento, que registou
    "com agrado a componente liberal que é trazida a esta discussão", com propostas que "re-situam o PS num terreno central" e o afastam
    das "propostas de namoro da esquerda mais radical", aproximando o partido de um "cenário de governabilidade dentro daquilo que são as
    restrições que se colocam à governabilidade" e criando um "cenário de maiores entendimentos no espectro político-partidário, se isso
    vier a ser necessário".

    Segundo o Jornal de Negócios - http://www.jornaldenegocios.pt/economia/detalhe/vitor_bento_propostas_dos_peritos_do_ps_facilita_bloco_central.html -,
    Vítor Bento terá discordado apenas das "restrições aos contratos a prazo" que os "peritos" propõem, por "poder induzir maior rigidez ao mercado de
    trabalho", e da "descida da taxa social única para os trabalhadores", onde "não vê lógica nem utilidade". Obviamente isento dos "vícios de uma certa
    esquerda", Vítor Bento concorda com a existência de alguma despesa do Estado com um "Complemento Salarial" para trabalhadores mal pagos pelos seus
    patrões, não sei se por achar - como João Galamba - que tal complemento é "um subsídio aos trabalhadores, não aos empregadores", se por achar
    exactamente o contrário. Quando a coisa chegar à "Concertação Social", veremos o que sobre estas matérias - e outras, como o salário mínimo -
    defendem os representantes do patronato, dos trabalhadores e da UGT.

    Além de Vítor Bento, terão participado no debate Mário Centeno, Paulo Trigo Pereira e Vítor Escária, membros destacados do grupo de trabalho que
    preparou o relatório. António Costa marcou presença na primeira fila mas não participou no debate; aliás, nenhum ex-governante do PS participou, se
    calhar para não pôr em risco a "credibilidade" recuperada.

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