sexta-feira, 17 de abril de 2015

Uma sexta-feira, à hora do telejornal da noite


Com a saída da Grécia da zona euro à vista, o debate sobre quem será o seguinte é inevitável. Mais tarde ou mais cedo, a nossa saída acabará por ocorrer. Para que tal aconteça, o povo português e algumas elites políticas da esquerda ainda têm de fazer a aprendizagem que a liderança do Syriza fez nos últimos dois meses: perder a ilusão de que a UE pode ser resgatada ao ordoliberalismo germânico.

Só com um governo apoiado maioritariamente no parlamento, e eleito com um programa que explicitamente considere a saída do euro como o caminho para a saída da crise, Portugal tem condições para tomar em mãos o seu destino. Sendo impraticável um referendo - criaria o caos no sistema financeiro através da fuga dos depósitos, como está à vista na Grécia - , uma das primeiras medidas do novo governo seria a introdução de um forte controlo dos movimentos de capitais, com supervisão apertada de um Banco de Portugal (BdP) com nova direcção. Para tanto, deverá obter previamente algum apoio técnico na Islândia, Chipre ou outro país com experiência prática nesse domínio. Quanto à execução das novas notas e moedas, a capacidade técnica para fazer a reconversão do fabrico de euros para novos escudos está disponível e deverá iniciar-se de imediato.

Assim, após algumas semanas de negociação dos detalhes em Bruxelas, numa sexta-feira, à hora do telejornal da noite, invocando o estado de emergência em que o país se encontra, o primeiro-ministro falará à nação para dizer aos portugueses que chegou a hora de recuperarmos a dignidade e a soberania. Avisará que a saída do euro implica custos transitórios, suportáveis, que terão de ser pagos sobretudo pelos que mais têm. A saída deve ser apresentada como condição necessária, mas não suficiente, para que o país tenha futuro. Nesse discurso, o primeiro-ministro mobilizará os cidadãos para uma estratégia de desenvolvimento, acompanhada de transformações institucionais que revitalizem a democracia portuguesa e concretizem os valores do preâmbulo da Constituição da República.

Mais ainda, informará o país de que nessa noite será aprovada e promulgada a legislação que institui o "novo escudo". Por isso, os contratos realizados sob legislação nacional passam automaticamente à nova moeda, o que inclui salários e pensões, depósitos, créditos bancários e a dívida pública e privada detida por não residentes que cumpra essa condição. A dívida pública às entidades da troika, contraída ao abrigo de legislação estrangeira, manter-se-á em euros e será renegociada criteriosamente. O país será informado de que estão garantidos empréstimos externos que cobrem as necessidades imediatas de divisas, mas será prevenido para a necessidade de um racionamento na importação de bens e serviços supérfluos. Anunciar-se-ão também dois dias de encerramento dos bancos para que procedam aos acertos informáticos exigidos pela mudança de moeda. Os que, neste processo, ficarem insolventes serão nacionalizados, pelo menos até que se proceda a uma grande reestruturação do sistema financeiro para o colocar ao serviço da economia.

O principal custo a suportar nos primeiros dois anos será a inflação. Para um conteúdo médio de 25% de importações no consumo das famílias, uma desvalorização de cerca de 30% da nova moeda poderá gerar uma inflação à volta dos 10%, numa estimativa grosseira. O governo anunciará a reposição nos salários públicos e pensões dos níveis anteriores à crise, a financiar pelo BdP, e promoverá acordos de concertação social sobre rendimentos e preços no sector privado.

Finalmente, o primeiro-ministro anunciará um plano de criação de empregos socialmente úteis, com salários previamente fixados, a financiar por crédito do BdP e pela redução de despesas com subsídios de desemprego. As autarquias, em cooperação com instituições privadas, serão envolvidas no levantamento das necessidades a satisfazer. O governo assumirá um compromisso com o objectivo do pleno emprego para o país.

Caro leitor, se não gosta deste cenário, pode começar a imaginar um outro em que Portugal aceita tornar-se uma província pobre de uma Europa que a Alemanha, após duas derrotas trágicas, acabou por conquistar sem disparar um tiro.

(O meu artigo no jornal i)

28 comentários:

  1. Não valerá a pena correr tantos riscos as cegas; basta esperar um ano ou dois e vamos poder ver in loco as "vantagens" de sair do euro. Uma viagem low cost a Atenas nem é incomportavel e vale bem a pena; vais sentir-de e, casa se ignorar a lingua -tudo o resto nem nota que saiu de Portugal.
    A fé estimavel do autor nas elites nacionais não é lá muito do acordo de 80% dos portugueses; e a menos que sejam os ignorantes que não deviam poder votar temos que contar com a sua opinião; e diga-se que todas a boas governações e banca rotas anteriores ao euro teimam em os tornar desconfiados com razão. Aina me recordo de quando precisava de me ir abastecer de moedas estrangeiras notar que os escudos davam sucessivamente e constantemente para menos guildas, francos ou marcos.As maravilhas das elites nacionais não me deixaram grande vontade de confiar nelas, outra vez; e as que prometiam os amanhas que cantam deram com os burros na agua em todos os países em teimaram em mostrar as alternativas vitoriosas.

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  2. «eleito com um programa que explicitamente considere a saída do euro como o caminho para a saída da crise»
    Emocionantes dias os que se seguiriam à vitória eleitoral e antes da tomada de posse de um tal prócere.
    Quando fosse a Bruxelas já ia com as calças na mão.

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  3. Que mania esta de jose assumir nos seus comentários posições dúbias sobre calças e coisas afins

    Se o dito cujo tivesse lido o texto com maior atenção ter-se-ia apercebido que o autor chama especificamente a atenção para o caso grego e as ilusões do Syriza.
    Se há coisa também a aprender é que essa história de calças na mão é algo que não funciona ,nem economica nem politica nem eticamente.

    O assumir que todos são como o que apela desta forma manhosa "às calças na mão" é de quem não sabe que a dignidade humana ultrapassa (pelo menos algumas vezes) a sargeta para onde nos querem arrastar, sob a pata do eixo do capital alemão

    Claro que há uma outra leitura. Que " as calças na mão" tenham sido o resultado sentido pelo próprio, ao ler que os custos devem ser suportados pelos que mais têm, ao constatar o anúncio do fim da submissão à troika e ao tomar consciência do fim da gvernança neoliberal

    De

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  4. Penso que uma eventual e provável saída da Grécia, se a estupidez humana tiver limites, dará origem a uma nova e desejável estratégia - uma estratégia correta - dos donos da União Europeia, embora não lhes convenha assumir os gravíssimos crimes passados e os seus actuais efeitos da sua criminosa e hitleriana austeridade.

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  5. Este José, tal como o PPC é um fardo para o nosso país, é um fardo para este blogue.

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  6. António Cristóvão, conhece certamente a experiência da rã que se deixa cozer viva, podendo saltar do recipiente onde a puseram, se a água for aquecida gradualmente. Mas se a imersão for repentina ela salta fora. Os seus 80% de eleitores que votam no arco da austeridade estão como essa rã: vão-se deixar cozer vivos. Na explicação alternativa não quero crer, que é a de a população portuguesa ser constituída por 80% de cornos mansos.

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  7. E não é possível a saída negociada?
    Qualquer governo que cumpra a Constituição será obrigado a considerar tal alternativa.

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  8. O Bateira está a tomar os comprimidos errados.

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  9. 'De calças na mão' é conversa de títeres, de vassalos,da escória criminosa que desgovernado Portugal!
    Xor jose,pq é que não põe uma cabeleira loura e vai para o Brasil dizendo que é a de Gisele?
    Da-se!Vai-te embora melga!

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  10. Esta ânsia de desvalorizar salários pelo recurso ao escudo merecia um estudo psicanalítico!!!

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  11. Pois e que escolher entre o Bom e o Mau e facil.

    O que e dificil e escolher entre o Mau e o Pior.

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  12. Estudo psicanalítico com muitos pontos de exclamação um pouco histriónicos?

    Tretas:Os estudos e a aleivosia

    Essa história de roubar salários e pensões, de se manifestar perpetuamente contra o fim do salário mínimo , de pelejar pela diminuição de pensões e de salários, de proclamar que o trabalho deve ser propriedade do patrão e que este deve ter o direito de ter o "justo retorno" ( como afirmava em relação ao Ricardo Salgado ou o Catroga), de lutar pela transferência do produto do trabalho para os bolsos dos credores e dos agiotas, tudo isto não merece qualquer estudo.
    Já que tudo isto faz parte dum plano ideológico bem definido e determinado . Perguntem a Merkel, ao passos ou a qualquer que os comanda e determina.

    De

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  13. Depende de como se acha que é uma boa governação de um país. Se se prefere e se está disposto a tomar as atitudes coerentes com uma moeda estável ou se se opta pela espuma dos dias, conveniências e flexibilidades de uma moeda de monopólio (do jogo...).

    Ambas têm vantagens e inconvenientes. Nós temos estruturas legais e mentais muito ligadas à segunda, enquanto a nossa moeda actual é da primeira.

    Daí as nossas complicações.

    Aguardo serenamente as opções do grande povo português, sendo que agradecia um aviso prévio em caso de mudança para um novo bravo escudo. Só para ter tempo de colocar os meus parcos haveres financeiros e sobre os quais paguei nada simpáticos impostos a salvo da parolada corrupta que os meus patrícios teriam eleito.

    Nota: pode-se perfeitamente desfazer uniões monetárias. Portugal é eventualmente o país que mais o fez no pós segunda guerra.

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  14. "o que inclui salários e pensões, depósitos" salários públicos concordo (pensões talvez), mas depósitios poderiam ficar denominados em euros (eventualmente com uma condição de mexer um limite X em Y tempo)

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  15. " a salvo da parolada corrupta que os meus patrícios teriam eleito."

    Isto diz muito . Independentemente da eventual acusação de mais uma parola afirmação (não estamos aqui para trocar adjectivos e mimos) permite adivinhar que este admite como "não parolada corrupta" os patrícios que nos governam. Claro que é admissível pensar que quem nos governa não são os nossos patrícios.
    Mas também são. E essa estória de absolver os protagonistas do saque já teve melhores dias.

    Tal como a qualificação do euro como "moeda estável".
    Já há muito que percebemos que essa é outra estória .Estável para quem e ao serviço de quem é a pergunta que não paga impostos e não se esconde atrás de parolices nem de jogos de monopólio

    De

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  16. Os ratos da direita muito por aqui se afadigam ao verem que há modos de tirar o julgo das patas dos escravocratas. o que os move são os maus fígados. Gostam de ver gente mal. Sim, é nestas ocasiões que se vê como não tem coração.

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  17. A irracionalidade arrogante é uma forma de terrorismo, melhor, é a sustentaçpão do terrorismo e aplica-se a todas as suas formas.

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  18. Acho que a autodefinição de jose como terrorista é redutora e pobre.
    Mas se ele se revê nisso é lá com ele.

    Entretanto o que é essencial é a tomada de consciência muito clara que essa coisa de "baixar as calças" nunca deu bons resultados. Já o deviam saber desde os tempos em que se afirmava que"Roma não pagava a traidores".

    A Grécia é um bom exemplo, não daqui a um ou dois anos, mas desde há vários anos. E o comportamento da UE um verdadeiro manual de onde se devem extrair todas as conclusões

    De

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  19. De facto, quem não vê outra possibilidade para um primeiro-ministro português - seja ele quem for, note-se bem, e seja eleito com que programa for - senão ir a correr para Bruxelas "já com as calças na mão" só pode estar a olhar para o espelho quando fala em irracionalidade arrogante.

    Mas é uma atitude clássica na longa história da miséria (ou da pulhice) humana: a do feitor de escravos mais arrogante que o dono da plantação. E isto sem poder invocar, como este, a racionalidade do interesse próprio.

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  20. Burro!
    Burro és tu!
    Exemplo típico da dialéctica pueril.

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  21. o josé tem alma de escarro, gosta de ver os outros pisados e embufa-se e amofina quando os outros querem sacudir a canga.

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  22. parabéns pelo texto claro. por vezes faz falta que os textos sejam mais compreensiveis e este é-o

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  23. "O país será informado de que estão garantidos empréstimos externos que cobrem as necessidades imediatas de divisas"
    Ressalta-me isto de toda a clareza do artigo. Onde é, que, a curto prazo, parece poder haver financiamento alternativo.
    Escrevo isto como provocação ao esclarecimento.

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  24. algum apoio técnico na Islândia, Chipre ou outro país com experiência prática nesse domínio

    A Islândia e Chipre são ilhas, das quais só se pode sair por ar e, ocasionalmente, mar. Fazer controlo de capitais em países com fronteiras terrestres, como Portugal, é bem mais complicado.

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  25. Luís Lavoura, e, no entanto, já se fez.

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  26. Caro Bateira,
    Admiro a frontalidade com que defende, desde há longo tempo, a saída do Euro, onde nunca devíamos ter entrado, mas nas alturas de Maastricht ninguém nos dava ouvidos...
    Como refere, a saída por si só não resolve tudo. A pergunta, muito clara, que lhe ponho é: no mar Capitalista em que vivemos no Mundo, depois da ruptura acha que uma política desenvolvimentista e de industrialização de índole keynesiano é suficiente, ou não é melhor uma direcção realmente marxista tout court?

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  27. Amigo João Vasconcelos-Costa,

    Aquilo que o governo grego está a fazer agora - negociar apoios da Rússia, China, EUA - deve ser feito pelo partido que vai liderar o futuro governo (se o euro não tiver sido dissolvido antes, após uma viragem num dos grande países). Portanto é essencial que haja negociações secretas ANTES das eleições, quando se perceber que as sondagens apontam para uma vitória.

    Luís Lavoura,

    Imaginar automóveis carregados com malas de dinheiro (euros) a sair de Portugal pode ser parte de um filme popular, mas não é mais que isso. Não sei se percebeu que o dinheiro em notas representa muito pouco da moeda em circulação, depósitos no essencial. Não se esqueça que as saídas de dinheiro electrónico serão controladas (espero que seja mais eficaz do que em Chipre) e o abastecimento das máquinas MB em novos escudos será muito mais fácil do que se pensa.

    Carlos,

    Precisamos de uma estratégia de desenvolvimento animada pelo Estado e sector público em parceria com o sector privado. É mais do que Keynesianismo porque é gestão da conjuntura focada no pleno emprego e, ao mesmo tempo, é política de inovação, industrial e comercial de médio prazo. Trata-se de fazer, à nossa maneira e num capitalismo muito igualitário, o caminho dos países asiáticos que se industrializaram. Não sei que contributo pode dar a doutrina marxista, mesmo que actualizada, para a condução desta estratégia. Claro, ainda é capitalismo. Mas reconheça que já se aprendeu muito desde Outubro de 1917 e que são possíveis variedades de capitalismo, algumas até muito aceitáveis.

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