segunda-feira, 9 de março de 2015

Falemos de telefonemas para jornalistas

"Nunca verão nas minhas decisões nada que tivesse protegido alguém ou que tivesse andado a traficar influências ou a pressionar senhores jornalistas para que certas notícias apareçam ou não apareçam."

Pedro Passos Coelho tenta ser Cavaco Silva nos seus tempos áureos quando se dizia ser um técnico no lugar do político, austero como Salazar, íntegro a ponto de ter de nascer duas vezes quem quisesse ser mais honesto que ele, mas que deixou tudo larvar à sua sombra. Leia-se o seu livro de memórias.

Ora, é precisamente isso o que me lembra a frase citada de Passos Coelho: um Governo que a coberto de opções ideológicas - que justificaram a redução acentuada da tributação sobre grandes grupos económicos e grandes contribuintes de IRC - permitiu um estranho casamento entre um advogado de negócios e a pasta dos Assuntos Fiscais, o que aconselharia ao próximo governo a realização de uma auditoria às decisões do secretário de Estado, para verificar quem foram os seus efectivos beneficiários.

E já agora falemos de telefonemas. Só dois casos.

Recorde-se o famigerado telefonema do então ministro Miguel Relvas à editora de política do jornal PÚBLICO ameaçando divulgar a vida privada da jornalista Maria José Oliveira que tinha apenas mandado umas perguntas ao governante. Assunto que chegou a ser tratado pela própria ERC, depois de a jornalista se ter queixado ao conselho de redacção do jornal e a acta da reunião em que o assunto foi abordado se ter tornado pública, ao arrepio da Direcção Editorial do jornal.

Recorde-se o que há muito corre nas redacções sobre os frequentes telefonemas do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, para dar informação que lhe é conveniente, para escamotear a que não lhe convém, e - pasme-se! - pressionar os jornalistas para que ponham fotografias suas nas notícias que ele assim alimenta. Lembre-se ainda as inúmeras pressões junto de jornalistas para que o Regime Excepcional de Regularização Tributária3 (RERT3) - aquele que foi por si criado e que limpou 3,445 mil milhões de euros de lucros fraudulentamente saídos do país - não fosse referido nos artigos como sendo uma amnistia. Isto quando Paulo Núncio, ainda advogado, aconselhava os seus potenciais clientes a usar as versões anteriores do RERT por ser, precisamente, uma amnistia. E mais: lembre-se ainda a propósito que, na audição em comissão parlamentar, Paulo Núncio não esclareceu a razão da demora - de anos - que o Governo levou para pedir a lista Lagarde, tornada conhecida ainda no tempo do governo socialista. Ou mesmo da Swissleaks que envolveu, no caso de Portugal, capitais num total de 959,2 milhões de dólares, em que um só dos clientes tinha uma conta de 161 milhões de dólares.

Talvez Passos Coelho não fale ao telefone, mas é capaz de estar em minoria no Governo.

4 comentários:

  1. Caro João Ramos de Almeida,

    Quando Passos Coelho foi escolhido pelo PSD para candidato a Primeiro-Ministro, bastava olhar para o seu currículo (Jota proeminente, deputado apagado, contratado pelo seu tutor político para empresas que sobreviveram à custa de fundos europeus, ONGs, ...) para formar uma opinião sobre o seu "valor". Qualquer pessoa, como eu, que tivesse vivido o tempo do FSE, das formações e dos formadores de formadores, sabia muito bem o que representava Passos Coelho (e outros semelhantes no PS, para não particularizar). E, no entanto, um partido pilar da democracia escolheu-o para candidato. E uma maioria de votantes elegeu-o Primeiro-Ministro. Acha mesmo que essas pessoas estão agora surpreendidas com o caso Tecnoforma? Com o caso Relvas? Com o caso SS? Só quem foi cego ou não quis ver. E no entanto, repito, sabendo isso PPC foi escolhido pelo PSD e eleito para PM.

    O que me leva a colocar a questão. Nestas condições, o que ganha a oposição em concentrar as atenções a 7 meses das eleições nestas questões? Pedir a demissão de PPC, quando os que o elegeram já sabiam que questões deste género iriam inevitavelmente surgir, que o currículo de PPC sugeria que isso era inevitável?

    A oposição não pode deixar passar estas questões em branco e deve relembrá-las sempre que possível. Mas engana-se se fizer delas o centro do debate político. Porque ninguém se surpreende e ninguém quer saber: se não não tinha sido escolhido pelo PSD nem eleito pela maioria dos Portugueses com o currículo vergonhoso que tem. O problema não está nestes "casos". O problema está na forma como os partidos políticos escolhem candidatos sem qualquer currículo e os eleitores votam neles. Agora é tarde para indignações!

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  2. Caro anónimo,

    Estou inteiramente de acordo consigo. Acho que o debate principal deverá ser sobre o falhanço das políticas seguidas desde o período de ajustamento e que foram abraçadas por este Governo como suas. Até para se perceber bem melhor quais são as nossas opções de futuro.

    O que me parece importante é que, a par do debate nobre da política, se deve assinalar que uma dada política, assente na desigualdade de tratamento social, tende a ganhar facetas que raiam a ilegalidade ou em que a legalidade vem legitimar o que era ilegalidade e mesmo crime (vidé RERTs). Ou que têm quase um tratamento "de favor" em relação a certo tipo de interesses, fingindo-se o Governo "morto" para ir atrás de casos como os das listas internacionais de contribuintes relapsos.

    E os grandes debates devem ser temperados pelos comportamentos individuais. Como julga alguém que está preocupado em aparecer muitas vezes nos jornais e que fala com os jornalistas para venderem a sua imagem? É um problema de vaidade ou há uma componente de defesa do seu comportamento político e de "venda" de uma imagem política?

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  3. Caro JRA,

    "O que me parece importante é que ..." este parágrafo assenta numa análise política da acção governativa e assim distingue-se da questão Passos Coelho e SS. E é isso que eu sugiro que deve ser alvo da campanha eleitoral.

    Já o seu 3º parágrafo ilustra o meu comentário anterior. O comportamento individual de PPC era perfeitamente claro no momento em que foi escolhido pelo PSD e eleito para PM. Como disse, bastava olhar para o seu currículo e estava lá tudo! E se isso não foi suficiente para evitar que fosse escolhido e eleito, que influência tem agora a questão da SS? É só um corolário lógico do currículo que já exibia e que todos (salvo seja) aceitaram! E que, suspeito, voltariam a aceitar!!
    No fundo, para que serve um partido político se nem esse escrutínio base faz para a escolha de um candidato a PM?

    Eu não sou a favor de se ignorar o currículo dos candidatos, bem pelo contrário. Acho que nestas eleições, por exemplo, as TVs deviam organizar entrevistas individuais com todos os candidatos com o único objectivo de os questionar sobre os seus currículos. Mas depois desse escrutínio feito, e uma vez eleito um dos candidatos, não vale a pena centrar e deixar arrastar no tempo a crítica a questões que facilmente se podiam antever da análise dos currículo. E muito menos, a meu ver, pedir a demissão de um PM a 7 meses de eleições por questões que, por muito importantes que possam ser, eram previsíveis (não estamos a falar, por exemplo, de corrupção, desvio de fundos, ... no âmbito das suas funções) e nada têm de comparável às políticas seguidas e os seus efeitos.
    Isso, por contraditório que possa parecer, só favorece PPC como se vê pela pouca importância que foi dada ao seu currículo! Convença-se: ninguém quer saber!

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  4. Caríssimos
    Na perspectiva liberal, ambos estão certos, cada um pela sua via…claro!
    Toda a gente, minimamente esclarecida, incluindo o Presidente da República, tinha e tem conhecimento da sorte do Sr. Presidente do Concelho de Ministros, é verdade…mas então não há uma Constituição para respeitar, cumprir e fazer cumprir…bem?!
    É, os eleitores…querem assim por que o Partido assim o quer…que gaita…isto está mesmo mal!
    E os oponentes em campanhas eleitorais vão sufragando o mal…
    Penso que as raízes do escalracho político e social já estão bem inculcadas na massa cinzenta de um povo que deu mundos ao mundo. É pena!
    Este país, o meu país, está a ser cenário dos mais infames crimes de lesa pátria e o pior, pior, é que toda a gente sabe, as rádios, os jornais, as Tv.s regurgitam de informação criminosa de dirigentes corruptos, de empresários que roubam, banqueiros que delapidam o erário de todos nós, presidiários astutos que se candidatam a lugares públicos, incluindo autarquias, ex.s qualquer coisa apanhados com a boca na Botija, vá lá um etc. e tal… até parece que vivem disso mesmo.
    Há exemplos históricos em Portugal de que por menos, os governos tinham de ir pró Beléléu.
    Não se acanhem, prá frente é que é Portugal!
    Adelino Silva



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