O gráfico abaixo mostra a evolução das taxas de juro de longo prazo na economia portuguesa (dizem respeito a todos os empréstimos, público e privados). Vemos que, de facto, o seu valor em 2014 se aproximou do mínimo dos últimos 15 anos, com tendência para descer. Mas não foi só isso que aconteceu recentemente: igualmente importante, o deflator do PIB (uma espécie de taxa de inflação aplicada aos valores de produção) caiu acentuadamente, sendo hoje menos de metade do que no período anterior ao início da crise internacional (2000-2007).
O que interessa a uma economia não é o valor nominal da taxa de juro, mas antes o seu valor real (ou seja, descontada a inflação). É isso, juntamente com o ritmo de crescimento económico, que determina se uma economia está em melhores condições de pagar as dívidas aos seus credores externos.
Ora a taxa de juro real, que é aproximadamente igual à diferença entre a taxa nominal e a taxa de inflação, continua a ser duas a três vezes superior à verificada no período pré-crise. O ritmo de crescimento económico, por seu lado, continua reduzido. Já a dívida externa do país, que representa hoje mais de 100% do PIB, é quase o dobro da que se verificava em 2007.
Em suma: juro reais mais altos, crescimento mais reduzido e dívida do conjunto da economia muito mais agravada. Em 2009 os actuais governantes e os seus ideólogos diziam que o país estava à beira do colapso. Que razões terão para hoje pensarem exactamente o oposto, quando os dados são o que são?
Para quando o Livro Negro de Passos Coelho?! (E o Livro Cinzento de Cavaco Silva, já agora e só para distinguir... os livros).
ResponderEliminaramp
"Ora a taxa de juro real, que é aproximadamente igual à diferença entre a taxa nominal e a taxa de inflação, continua a ser duas a três vezes superior à verificada no período pré-crise."
ResponderEliminarA taxa de juro real é representada no gráfico pela linha preta?
Há sempre uma variável disponivel para provar uma teoria!
ResponderEliminarSim, a linha preta representa o valor real da taxa de juro.
ResponderEliminar""Dito assim, parece mesmo que a crise acabou. Acabou?"
ResponderEliminarA "crise" é composta de muitas "crises": crise económica, crise financeira, crise da dívida, crise social, crise do emprego, ...
O que a Grécia mostra é que há uma crise, a financeira, cuja resolução é necessária mas não suficiente para resolver todas as outras. E se é verdade que em Portugal nenhuma das outras crises acabou (tirando a retórica própria do debate político ninguém está convencido que as outras crises acabaram), pelo menos a crise financeira está estabilizada. É pouco, mas é condição essencial para resolver as outras.
Eu não sou economista mas, no que diz respeito à crise financeira, queria só chamar-lhe a atenção para o seguinte: no dia após o pedido de resgate financeiro estava convicto que Portugal iria entrar em bancarrota e fui um dos que, como acontece actualmente com os Gregos, levantei parte das minhas poucas poupanças do banco e transferi outra parte para o meu irmão emigrado em França. Com a aprovação do resgate nunca acreditei (até pelo que ouvia dos comentadores) que Portugal chegasse ao fim sem entrar novamente num processo de negociação dura de um 2º resgate. Estava plenamente convencido que os depósitos seriam congelados e parte significativa dos salários da FP substituídos por um qualquer tipo de título.
Hoje já tenho novamente as minhas poupanças no sistema bancário português.
O que nos leva a um segundo ponto (de divergência política profunda). Eu acho que o problema da crise financeira é um problema que só pode ser resolvido pelo Estado. Já a resolução das outras crises devia ser, essencialmente, da responsabilidade da sociedade (na minha opinião que, como disse, corresponde a um ponto de vista que provavelmente não partilha).
A responsabilidade da estabilização financeira é responsabilidade do governo Português? Do BCE? De ambos?
Não vou sequer tentar responder porque é uma pergunta sem resposta.
A situação seria diferente se outras medidas tivessem sido tomadas? Era possível ter tomado outras alternativas? Não vou sequer tentar responder porque é uma pergunta sem resposta.
Para concluir só lhe vou repetir, em jeito de desabafo: nunca pensei que passados 4 anos a situação financeira estivesse estabilizada. E está (até à próxima crise). E é esse factor que se vai sobrepor a todos os outros no momento que for votar.
Há sempre um José para nos entreter neste blog. Quer dizer-nos algo mais substancial sobre o assunto, José?
ResponderEliminarSe a taxa de juro real é representada pela linha preta como é que o seu valor actual é 3 vezes superior ao pré-crise (2007-2008)? Estarei a ver mal?
ResponderEliminarNão será que no final da linha anegro (taxa real)o gráfico está errado. No gráfico o último segmento da linha está a descer quando deveria subir?
ResponderEliminarEm resumo pelo que entendo devemos rapidamente colocar a nossa dívida abaixo dos valores pré-crise, e depois, ter muito cuidado para que os nossos governantes não voltem a cometer os erros destes últimos 15 anos.
ResponderEliminarcumps
Rui Silva
O período pré-crise vai de 2000 a 2007. Neste período, a taxa de juro real media foi de 1,1%, o valor mínimo de 0,1% e o máximo de 2,1%. Em 2007 era 1,4%, cerca de metade do valor médio em 2014. Em 2014 a taxa de juro real cai porque a taxa nominal desce mai acentuadamente do que o deflator do PIB.
ResponderEliminarA única forma de "rapidamente colocar a nossa dívida abaixo dos valores pré-crise" é através de uma reestruturação. E depois é garantir que não se repetem os erros cometidos nos últimos 25 anos...
Por volta de 2006, a taxa de juro real (preto) rondava 1%. No final do gráfico era cerca de 3%.
ResponderEliminarO PIB pré-crise é feito com vários e fortes desiquilibrios externos e genéricamente montado numa ecom«nomia de 'cimento & centro comercial'.
ResponderEliminarIgnorar isso e sugerir conclusões é brincar aos gráficos.
Este post vem mesmo a calhar. É que uma pessoa ao ler jornais fica com a sensação que esses novos mínimos são excepcionais.
ResponderEliminar"Em 2007 era 1,4%, cerca de metade do valor médio em 2014."
ResponderEliminarPenso que agora percebo a sua análise, embora o (pouco) detalhe do gráfico dificulte a leitura. Por outro lado não acho muito correcto comparar valores médios quando o gráfico mostra uma tendência decrescente no final. Aliás, se comparar (a olho) o valor no final do gráfico ele parece estar ao nível de 2008. E a descer.
José,
ResponderEliminarexplique lá o que é que isso tem a ver com a evolução da taxa de juro real e a sua relevância para o reequilíbrio das contas externas.
Anónimo das 14:52,
ResponderEliminarO gráfico é construído com base em valores médio anuais, o que faz mais sentido para analisar evoluções de longo prazo.
Quanto à evolução recente da taxa de juro nominal no sentido descendente, é preciso ter em conta que as taxas de juro dos empréstimos têm o zero como limite mínimo. Mesmo que continuem a descer face aos níveis historicamente reduzidos em que se já encontram, com os actuais níveis de deflação os valores reais continuariam a ser mais elevados do que em 2005 ou 2007. Isto para um stock de dívida (sobre os quais os juros incidem) muitíssimo superior.
"O gráfico é construído com base em valores médio anuais, o que faz mais sentido para analisar evoluções de longo prazo."
ResponderEliminarDesculpe a "picuinhice" mas não percebo. O valor da linha preta correspondente, por exemplo,a 2008 nas abcissas é o valor médio anual para 2008 ou é o valor no final de 2008?
"Mesmo que continuem a descer face aos níveis historicamente reduzidos em que se já encontram, com os actuais níveis de deflação os valores reais continuariam a ser mais elevados do que em 2005 ou 2007."
É verdade, mas não preferível isso a ter valores não "historicamente reduzidos", com o mesmo o nível de deflação? Dito de outra forma, estes níveis historicamente reduzidos não permitem, ainda assim, substituir dívida e assim diminuir os seus encargos?
Já a questão do stock de dívida é muito mais clara: é muitíssimo alto e subiu significativamente face ao pré-crise.
Finalmente e para terminar. Nunca é tempo para abrir o champanhe, e muito menos o será nos próximos tempos independentemente de pequenos sucessos que possam ocorrer pontualmente. Mas também não me parece especialmente produtivo levar ao extremo as análises (acredito que bem fundamentadas do ponto de vista metodológico) para desfazer pequenos sucessos (estamos a falar de décimas ou quando muito de um ponto percentual!). Eu percebo que o aproveitamento político desses pequenos sucessos (ainda que questionáveis) o incomodem. Mas há muitos e grandes insucessos que infelizmente persistem (ou se agravam) e que são visíveis a "olho nu".
As taxas de juro de longo prazo não têm tanto a ver com o deflator do PIB (que eu não sei o que seja) como com as expetativas da inflação futura.
ResponderEliminarOu seja, o que interessa não é tanto a inflação atual como as expetativas de inflação no longo prazo.
Para saber se a taxa de juro de 2,5%, que Portugal atualmente consegue obter, é boa ou má, seria preciso saber qual será a inflação ao longo do prazo dos empréstimos. Coisa que ninguém sabe...
Tem a ver que não é causa de coisa alguma senão consequência da política de austeridade e da baixa de juros nos bancos centrais, que necessáriamente se seguiriam a uma criminosa alavancagem do produto e da especulação financeira.
ResponderEliminarO mesmo era válido para as taxas de jurou das obrigações emitidas no passado. As expectativas actuais são para deflação, o que não é nada animador.
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