terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
O critério para avaliar o sucesso negocial da Grécia
O acordo obtido na reunião do Eurogrupo da passada sexta-feira não representa seguramente uma vitória do governo grego. É certo que Varoufakis levou para casa a possibilidade de regresso dos bancos gregos ao financiamento regular pelo BCE e a expectativa de conseguir contornar algumas das medidas previstas no actual programa de ajustamento. Trata-se, porém, de meras expectativas e possibilidades, em qualquer caso sujeitas à aprovação dos restantes membros do Eurogrupo e/ou à arbitrariedade do Conselho de Governadores do BCE. Como se não bastasse, o acordo não resolve as dificuldades de financiamento do Estado grego: primeiro, o dinheiro do programa em vigor destinado à recapitalização dos bancos helénicos, que até aqui poderia ser utilizado pelas autoridades nacionais com alguma descrição, passou a ser controlado pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade; segundo, o acordo estende-se apenas por quatro meses, o que não cobre o período de Julho e Agosto, o mais exigente no que respeita à amortização da dívida pública grega.
O Eurogrupo pode até aceitar por agora a lista de reformas apresentada por Atenas, mas tal também não significa que o governo de Tsipras esteja a levar a água ao seu moinho. Quem controla as instituições europeias continua a poder decidir a cada momento se o comportamento grego é ou não aceitável – e a mensagem continua a ser muito simples: as metas que foram acordadas pelo anterior governo são para cumprir. Qual o espaço que fica, perante isto, para o governo grego cumprir qualquer coisa que se assemelhe ao programa com que foi eleito é algo que só conseguiremos perceber nos próximos meses, se entretanto não se consumar uma ruptura (interna ou externa).
O Syriza venceu as eleições com um mandato claro: parar com a austeridade sem sair do euro. Em última instância, este é o critério fundamental para avaliar o sucesso negocial da Grécia neste processo. Nas presentes circunstâncias, parar com a austeridade significa não aumentar o IVA, não cortar salários nem pensões, e acudir às emergências sociais. Apesar de serem objectivos modestos, o governo grego não conseguirá atingi-los sem pôr em causa as metas orçamentais definidas no programa de ajustamento em vigor, a menos que encontre novas fontes de receita. Varoufakis vai tentar convencer os seus congéneres europeus de que tal é possível através da combinação de: (i) um combate eficaz à evasão fiscal, (ii) a taxação das grandes fortunas, (iii) um contexto macroeconómico externo mais favorável (prosseguimento da desvalorização do euro e queda do preço do petróleo, realização do impacto das políticas do BCE sobre os juros, crescimento da procura interna no conjunto da zona euro, etc.) e (iv) a canalização para a Grécia de investimentos financiados pelas instâncias europeias (nomeadamente o Banco Europeu de Investimentos).
Não sabemos se as instituições europeias vão alinhar com, ou sequer tolerar, esta visão. Se o fizerem, o governo grego ganha não apenas alguns meses para se preparar melhor para todas as contingências, mas também a oportunidade de demonstrar ao resto da UE que só travando a austeridade é possível implementar muitas das reformas consideradas necessárias na sociedade grega (uma mensagem que muitos governos, incluindo o português, não vão gostar de ouvir). Se, pelo contrário, os poderes europeus mantiverem a determinação em derrotar e humilhar o governo grego a qualquer custo, o Syriza falhará na estratégia que afirmou ser a sua, restando-lhe uma de duas opções: ou cede à pressão externa e trai o seu programa (arrastando no seu suicídio político uma parte da esquerda europeia) ou devolve aos gregos a palavra sobre o futuro da Grécia na UE (o que pode abrir um novo capítulo na história da integração europeia). Resumindo, vamos andar a discutir a Grécia durante mais algum tempo.
PS: ontem participei no "Programa da Manhã" da Antena 1, num debate sobre este tema, com a jornalista Teresa de Sousa. Fica aqui o link.
Pode explicar porque deve concluir-se que evitar pagar o custo do que um qualquer político promete para ganhar ekeições se traduz em uma " determinação em derrotar e humilhar o governo grego a qualquer custo"?
ResponderEliminarO que é que a decisão de retirar ao governo grego o controlo sobre os fundos de recapitalização da banca tem a ver com pagar o custo das promessas eleitorais? É mesmo de tentativa de humilhação que se trata, independentemente das razões de cada lado. (O José vai ter de trabalhar melhor as suas provocações, desta vez o nível ficou abaixo da sua média.)
ResponderEliminarPor falar em provocações.
ResponderEliminarO governo grego diz que não paga, rejeita os acordos, não reconhece a troika, que vai dizer à Europa o que ela deve ser e fazer, pelo caminho insulta os alemães...e os outros é que se determinaram a humilhar os gregos?
Nem me passa pela cabeça atingir algum dia um tão baixo nível em matéria de provocação!
Estavam criadas expectativas irrealistas sobre a possibilidade de se chegar a um acordo que fosse muito diferente do obtido.Isso, em parte, é culpa do tratamento que os media deram ao tema motivado de algum modo pelo estilo de comunicação de Varoufakis.
ResponderEliminarComo o Ricardo diz e bem, o Syriza foi eleito para parar com a austeridade sem sair do Euro. E o "sem sair do Euro" faz toda a diferença.
O James K. Galbraith escreveu ontem um artigo aqui: (http://www.socialeurope.eu/2015/02/greek-deal) onde explica muito bem porque o fundamental foi conseguido neste momento e atendendo ao quadro negocial e ao cenário político actual.
Neste momento o importante era ganhar tempo parando a austeridade. Isso pode ser conseguido sem comprometer os objectivos para o defice. A baixa do preço do petróleo e o BCE podem ajudar bastante.
Entretanto novas batalhas se travarão no seio do Eurogrupo que no final do ano pode ter uma composição política bastante diferente da actual. Mudando o cenário político a estratégia será seguramente outra. Como escreve James K. Galbraith: "Alexis Tsipras stated it correctly. Greece won a battle – perhaps a skirmish – and the war continues. But the political sea-change that SYRIZA’s victory has sparked goes on. From a psychological standpoint, Greece has already changed; there is a spirit and dignity in Athens that was not there six months ago. Soon enough, new fronts will open in Spain, then perhaps Ireland, and later Portugal, all of which have elections coming. It is not likely that the government in Greece will collapse, or yield, in the talks ahead, and over time the scope of maneuver gained in this first skirmish will become more clear. In a year the political landscape of Europe may be quite different from what it appears to be today."
Parece-me haver um equívoco. Nas presentes circunstâncias gregas, parar com a austeridade não significa "não aumentar o IVA", "não cortar salários nem pensões" e "acudir às emergências sociais".
ResponderEliminarAs duas primeiras significam não agravar a austeridade. A terceira significa aliviar (um pouco) a austeridade.
Parar a austeridade significaria no mínimo regressar à situação antes da aplicação das medidas de austeridade.
Mas a grande lição é precisamente essa. Nas presentes circunstâncias gregas, não é possível parar com a austeridade dentro do euro.
Aliás, foi para isso mesmo que o euro serviu. Instituir uma austeridade permanente. Querer acabar com uma sem acabar com o outro é talvez a maior incongruência do Syriza.
Sem, em conjunto com o seu povo, encarar e começar a preparar essa libertação do euro, que tem certamente a sua morosidade, o governo Syriza não ganhou tempo nenhum. Limitou-se a adiar um problema com que se confrontará novamente a breve tracho, possivelmente em condições ainda piores.
Não sei se a Grécia terá ganho uma batalha. Sendo certo que não a perdeu, acho exagerado dizer que a ganhou.
ResponderEliminarSó que esse facto em si já pode catalizar essa mudança na composição do Eurogrupo, ou em participantes ou em mentalidades, ou desejavelmente em ambos. Houve uma grande expectativa na imprensa sim, mas também foi alimentada por algumas forças mais "combativas" que se comportaram com um irrealista "agora é que vai ser".
De certa forma sim, agora é que é, mas agora é que é tempo da política e política não colhe resultados do dia para a noite. Só passados os quatro meses que o Governo Grego se ofereceu (ou com que se atraiçoou segundo algns) é que poderemos ver se a trincheira cavada o foi como ponto de partida para a realidade, ou se simplesmente para estancar o avanço do irrealismo austeritário.
"Varoufakis vai tentar convencer os seus congéneres europeus de que tal é possível através da combinação de: (i) ... um combate eficaz à evasão fiscal, (ii) taxação das grandes fortunas (iii) contexto macroeconómico externo mais favorável e (iv) canalização para a Grécia de investimentos"
ResponderEliminarNada disto é novo e nada disto, em si, será com certeza um obstáculo ao acordo.
O problema principal está em saber o que significa "parar com a austeridade": não aumentar (mais os impostos) ou diminuí-los para os níveis anteriores à crise? Não fazer mais cortes nos salários e pensões ou eliminar os cortes já existentes? Não cortar mais o salário mínimo ou repor o valor inicial? Não despedir mais ninguém da AP ou readmitir os despedidos? ...
Resumindo: "parar a austeridade" significa não a aumentar ou reverter as decisões anteriores e repor a situação inicial? Qual destas opções significa afinal, para o Syriza, "parar com a austeridade"?
Se for a primeira opção, então podemos dizer que em Portugal já se está a parar a austeridade. Se for a segunda, duvido que seja aceite.
É engraçado como com os argumentos que avançou se pode concluir o oposto, ou seja, que a negociação foi um sucesso.
ResponderEliminarUm elemento interessante que tem surgido no debate é o de que a Grécia foi o país que mais cumpriu com reformas estruturais. Só não percebo é como é que tendo cumprido ainda está neste momento a prometer colocar o sistema de cobrança fiscal a funcionar ("acabar com o contrabando de combustíveis?!?!"). Essa é a reforma estrutural fundamental e por onde deviam ter começado! Com este exemplo, tenho muitas dúvidas quanto ao dito cumprimento de reformas estruturais.
ResponderEliminarSem qualquer ironia, nesta área a Grécia bem podia estudar o que foi feito em Portugal nos últimos anos.
Em parte concordo que se conseguiu o máximo que agora era aos gregos permitido. Mas só pela demissão generalizada de todos os estados europeus, nomeadamente Itália e França. Sobretudo Itália, que tinha feito do seu semestre um cavalo de batalha para nova política UE. O facto da OCDE ter publicado o relatório anual online com em relevo a notícia da Grécia como campeã de reformas, com respectivo gráfico bem em evidência, e pouco depois retirar o relatório, para mais tarde o republicar modificado, com a notícia escondida, sem lhe dar qualquer relevo é indicativo. Terá sido Tsipras ou Varoufakis que protestaram? Este dado é sobremaneira indicativo da falta de seriedade das instituições internacionais e dos países que as compõem.
ResponderEliminarhttps://www.facebook.com/santana.f.dany
ResponderEliminarParece-me uma análise fundamentada como habitualmente. Mas, gostava de perguntar ao Ricardo se não acha que este primeiro resultado é bom atendendo ao "contexto". Já que o Syryza queria parar com a austeridade e não sair do Euro, como bem refere, isso iria sempre implicar uma enorme oposição por parte das Instituições europeias e, como se viu, pouca ou nula solidariedade por parte dos restantes governos. O acordo consagra um capítulo à Crise Humanitária -quem diria que a burocracia europeia admitiria um dia que a austeridade tinha consequências destas - coloca a revisão do salário mínimo numa lógica em que à flexibilidade se associa a "fairness", algo até aqui nunca presente neste tipo de acordos. Permite um rendimento mínimo garantido à escala nacional e enfatiza a universalidade do serviço nacional de saúde -algo que nos últimos anos não existiu - e a melhoria dos cuidades. nas privatizações confere ao Governo poderes que não tinha na gestão daquelas que não estavam ainda concretizadas. Há outros aspectos que me parecem poderem ser lidos como positivos. Não sei se as questões do financiamento estão salvaguardadas, mas, sou politicamente contra a saída do euro e contra a desagregação do projecto europeu. O SYriza é a primeira brecha na austeridade. Com mais países a juntarem-se aos Gregos outro galo cantará.
ResponderEliminarBom, ser-se contra esta Europa não é propriamente ser-se contra uma ideia de Europa. Quando se fala de burocracias europeias também há que ver quem são. Enquanto a Comissão, enquanto órgão com algum paralelismo com os governos nacionais, é um alvo priveligiado, convém destacar que tem sido o Conselho quem mais tem ferido de morte não só a ideia de uma Europa, mas como os países.
ResponderEliminarNeste ponto convém destacar os países que vão ter eleições com influência na composição do Conselho. Para lá das gregas, que já passaram, este ano ainda haverão eleições em Portugal, Espanha, Finlândia, Reino Unido, Dinamarca e Polónia. O (in)sucesso da Grécia, terá impacto nestes acontecimentos e convém não esquecer que novos governos em dois destes países podem beneficiar do precedente grego, e em pelo menos três há forças políticas a conquistar votos à custa da ladaínha do "nobre e esforçado norte" que é parasitado pelo "sul preguiçoso".
Acabo de ler o plano proposto pelo governo grego.
ResponderEliminarÉ um plano focado em dois pontos: 1) Combater a economia paralela e a evasão fiscal; 2) Melhorar a eficácia da máquina do estado;
Acrescenta algumas medidas para fazer face aos problemas sociais mais prementes.
O único ponto fraco é que muitas das medidas anunciadas demoram para serem implementadas e ainda mais tempo para produzirem resultados. E o governo grego só tem 4 mêses para mostrar resultados.
Parece-me haver muito voluntarismo.
Neste ponto, qualquer voluntarismo é melhor que nada. Ou estamos a esquecermo-nos que o outro caminho é acaba por fomentar a evasão fiscal, encoraja as desigualdades (aliás, alimenta-se delas) e é apologista de nenhum Estado?
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