segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Lembrete: Os programas da troika falharam


O cenário está montado na Europa para a guerra. Não falo da Ucrânia/Rússia, se bem que seja capaz de imaginar cenários em que esse conflito entre nesta guerra. Mas da guerra ideológica (e de votos) que visa esmagar à nascença uma ampla frente anti-austeridade no seio do "império" e, assim, salvar a cara de quem defendeu a austeridade como medida económica.

Esta percepção não vem de uma profunda análise política europeia, mas da percepção sensorial destas últimas semanas, quando ouvimos:

1) o ministro da CDU alemã das Finanças nas suas várias declarações ("Se eles não querem mais ajuda, nós não os forçamos a aceitá-la"), muitas delas para lá do que seria um aconselhável exercício diplomático de um ministro com responsabilidades comunitárias, o que até lembra a sanha com que o pacto franco-alemão veio esmagar sangrentamente a Comuna de Paris - 80 mil mortos - para restaurar a tranquilidade no império. Não foi assim há tanto tempo (144 anos no próximo 28 de Maio); 

2) os argumentos igualmente assanhados do governo PSD/CDS a defender o argumentário da CDU alemã e até aceitar - tal como o fez com a troika - colar-se e aceitar ser usado pelo governo CDU/SPD, como seu peão de briga. (Quem acha que disse estas frases? "O problema é que a Grécia viveu acima das suas possibilidades demasiado tempo e mais ninguém quer dar dinheiro à Grécia sem garantias"; "A Grécia quer mais crédito, mas tem de haver condições... é uma questão de princípio para os ajudar a si próprios" )

3) a satisfação com que pensadores da direita radical esperam - aliás, como o ministro da CDU alemã ("Os gregos terão certamente dificuldade em explicar o acordo aos seus votantes") de que o Syriza caia na rua, às mãos dos seus eleitores, por terem tão claramente rasgado o seu pacto eleitoral. 

O que fascina em todo esta corrida ao armamento é que já ninguém discute o que lhe esteve na base: o insucesso do famigerado programa, com o qual querem - ainda - amarrar os gregos. E a Europa.

Voltar e voltar e voltar a discutir o insucesso do programa é essencial para desmontar argumentos nesta guerra em curso.

Vejam-se os vários argumentos suscitados pela direita - alguns de forte eficácia popular - que tornam tudo ainda mais irracional:

1) O interesse nacional é continuar, porque assim ganhamos a confiança dos mercados e, com ela, capacidade negocial para alterar as condições (Primeiro-Ministro no Parlamento, na passada 6F):
Mas os "mercados" - whatever quem sejam - são feitos de entidades pragmáticas que querem ser remunerados pelas suas aplicações. Um programa ineficaz só torna impossível o pagamento da dívida. Portanto, para quê insistir na ineficácia, no falhanço? A única razão é... manter a "rédea curta e porrada na garupa". Seja naquilo que consideram "despesismo", seja na "indisciplina" dos governos de esquerda, seja apenas nos governos de esquerda. 

2) A legitimidade democrática grega não vale menos do que a de outros países
Argumento muito repetido e que é um ilusionismo: passar de um tabuleiro de discussão em que se estava a perder para outro em que se ganha. Questões: 1) Se os governos europeus receberam legitimidade dos seus povos para aplicar um programa ineficaz, então são co-responsáveis pela sua ineficácia e devem pagar por isso. E quando se esquivam a esse pagamento apenas estão a fugir às suas responsabilidades e compromissos iniciais de que a terapia levaria ao crescimento económico e ao emprego; 2) Se os governos da zona euro não receberam esse mandato popular para aplicar um programa ineficaz, então estão a exorbitar e podem recuar nas suas posições irracionais de manter o que falhou.

3) O povo grego não pode exigir empréstimos sem aceitar condições
(Schauble e Passos Coelho no Parlamento na 6F passada). Parece uma La Paliçada. Mas para quê manter condições que se sabe serem ineficazes, que falharam? Mais uma vez, apenas por uma questão de poder, ao arrepio da ineficácia.

Quanto mais se pensa nesta irracionalidade, mais se torna óbvio que a questão fundamental é outra ("Há quem queira usar a situação da Grécia para repensar toda a Europa. Eu julgo que é um abuso"). E, por isso, é que tão importante discutir o que correu mal nesta Europa, com estes programas de rolo compressor que nem salvaguardam os interesses dos credores. Falharam, falharam, falharam.

18 comentários:

  1. Mas os programas da troika falharam porquê?
    O objectivo principal dos programas foi emprestar dinheiro a países que, de tão endividados se tornaram, não conseguiam financiar-se com mais ninguém. O dinheiro foi emprestado, portanto esse objectivo foi cumprido. O problema é como vai ser pago esse empréstimo, todos os anteriores e os novos que estão a ser pedidos.

    Quem falhou foram os governos, que continuaram a fazer o mesmo de antes sem terem aprendido nada com o estoiro, ou seja, sacar dinheiro aos contribuintes para dar aos amigalhaços. O resultado futuro dificilmente vai ser diferente do passado.

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  2. 1) Comecemos pelo princípio: as escaramuças não anunciam nada de bom, o inimigo não cede; prepare-se a guerra com propaganda mobilizadora.
    a) Um ministro alemão que tem que enfrentar um agressivo, encourado e não-diplomático e ministro grego que quer dinheiro sem condição alguma a título de compensação de não se sabe bem o quê, (murmuram-se indemnizações de uma guerra terminada há mais de 60 anos). Faça-se a folha ao alemão que ele é o inimigo!
    b) É pouco, precisa-se de sangue, sangue de vítimas, sangue com carga ideológica que disso se trata nesta guerra; rebusquemos a história…A Comuna, a cooperação franco-alemã (não era bem a Alemanha mas para o efeito serve muito bem; não há uma comuna na Grécia, mas os seus corruptos também têm direito a comer).

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  3. 2) O insucesso da austeridade tem que ser manifesto:
    a) Visava acabar com o défice público e gerar saldos que permitissem pagar aos credores; conseguiu isso mas foi à custa de baixar o bem-estar das pessoas e isso é proibido; são direitos adquiridos sobre o dinheiro dos outros, por isso Falhou.
    b) Mandava cobrar impostos e os gregos assobiaram para o lado e taparam as piscinas – irrelevante, fale-se só do que é importante. Falhou.
    c) Conseguiram dispensar uns tantos funcionários públicos, das legiões que enchem as secretarias, associações, comissões, gabinetes,…; o futuro é sermos funcionários públicos. Falhou.

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  4. 3) O falhanço talvez não tenha ficado claro:
    a) Há alguma razão para não dar mais dinheiro aos gregos? Não basta imprimir mais umas resmas de papel.
    b) Há algum problema se isso causar inflação? Não, a inflação é o motor da economia, é o sangue que vivifica a política, que alimenta as promessas dos políticos e que leva a alegria e o bem-estar ao povo.
    c) Então porque tiraram o dinheiro aos gregos? Por simples jogos de poder e por saberem nada de economia, em particular os alemães que constroem a sua prosperidade sobre o sangue da Comuna, como foi demonstrado.
    Falharam! Falharam! Falharam!

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  5. Caro José,

    O espaço que teve de ocupar para justificar que os programas da troika não falharam é exemplificativo da dificuldade da sua tese.

    Agora, estão a reduzir o programa da troika a um simples acerto orçamental, quando antes era todo um programa de relançamento económico, mudando o paradigma da economia.

    Tudo isso já morreu apesar da montanha de desempregados que criou - e que fazia parte do plano para baixar custos salariais. Nada mudou na estrutura económica. E apenas ficou o desemprego e a destruição.

    Isto é um falhanço!

    Viu como consegui reduzir a minha tese em meia dúzia de palavras?

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  6. Ah e ainda:
    Nada mudou na economia e a dívida pública - o grande objectivo do programa - manteve-se insustentável. Não há economia nova e não há forma a prazo de a pagar. Isso apesar da reestruturação que foi feita, até copm haircut...

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  7. "Mas os "mercados" - whatever quem sejam - são feitos de entidades pragmáticas que querem ser remunerados pelas suas aplicações. Um programa ineficaz só torna impossível o pagamento da dívida."

    Pegando neste ponto. Não vale a pena discutirmos o que os "mercados querem" ou o que os "mercados pensam". A opinião dos mercados envolve a avaliação de muitos factores e resulta em indicadores agregados (preços) de muitos intervenientes. Neste momento, o melhor indicador do que os "mercados" pensam é talvez o facto de estarem dispostos a emprestarem-nos dinheiro a juros próximos do zero. E sem imporem condições ou memorandos de resgate.

    O sucesso ou insucesso do programa pode medir-se de muitas formas e, independentemente do que acontecer, nunca haverá acordo quanto ao sucesso ou insucesso.
    Um aspecto onde houve sucesso (outros há onde houve insucesso) é este:
    Portugal, ao contrário da Grécia e ao contrário do que se passava em 2011, pode pedir dinheiro emprestado a juros baixíssimos sem ter de pedir aprovação a ninguém. A Grécia, para pedir dinheiro para os próximos 4 meses tem de enviar até ao final do dia de hoje um conjunto de medidas para aprovação.

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  8. ------------------------------------Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele...
    Todos mas todos sabemos para que foi formada a CEE/UE.O FMI, PARA QUE LAMURIAREM-SE.
    Faz lembrar a história do Sr. dos Passos da Graça -- Ele já sabia, para que foi lá novamente.
    Meus amigos, deixem de brincar ás esquerdas, o caso é muito sério.
    O fascismo está aí portas adentro e é preciso extreminá-lo. boa tarde

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  9. A falta de preparação e de resultados dos dirigentes gregos vai ter um custo bem pesado primeiro para os gregos(o excedente já era) e depois para os movimentos da esquerda caviar em Portugal e Espanha; ficam com nada para argumentar nas suas campanhas próximas. Também prejudicado fica a construção da UE com os reformistas a perderem argumentos com esta desastrosa investida dos Tsipras.
    Não era dificel terem-se preparado melhor

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  10. Os mercados são manipulados pelo BCE convém notar.

    Sem o BCE Portugal não se financiava nos mercados.

    Na prática, continuamos a não ter pleno acesso aos mercados.

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  11. "Os mercados são manipulados pelo BCE convém notar."

    Não deixa de ser um resultado positivo: conseguimos que o BCE manipulasse os mercados para nos financiarem a taxas quase nulas.

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  12. Claro que as politicas seguidas falharam. Falham sempre, porque relançar a economia a partir do controlo da dívida pública, impondo políticas fortemente recessivas é uma contradição nos termos. Nunca resultou. A questão é de outra natureza. A austeridade visa apenas e só mudar a forma de organização da sociedade. Os países periféricos europeus sob resgate funcionaram como laboratórios para testar a substituição do modelo social europeu pelo modelo americano de sociedade, baseado na supremacia do mercado sobre o Estado e nos privilégios da propriedade privada. Isso implicou uma enorme compressão dos direitos sociais da população e um enorme acréscimo da desigualdade social, com o aumento do desemprego e uma brutal penalização do factor trabalho. Quando Draghi disse ao Wall Street Journal – 24.02.2012, Chomsky(2013): Mudar o Mundo, p.169 - - que o modelo social europeu tinha acabado, o que ele estava a dizer é que eles, com as suas políticas da austeridade, estavam firmemente determinados a acabar com ele. É por isso que a Grécia não pode ser bem sucedida. É necessário evitar o contágio grego, conter as vozes anti-austeritárias. É por isso que a direita austeritária – os comentadores do mainstream, que enxameiam todos os meios de comunicação – repetem a cada nova notícia que afinal a Grécia foi obrigada a ceder em toda a linha. É fundamental defender “ad nauseam” a ideia de que, afinal, a austeridade não tem alternativa. Esta política necessita de “bons alunos” para mostrar ao mundo. Todos os opressores necessitam de legitimar a sua opressão mostrando alguns oprimidos felizes e contentes. O governo português fez esse triste papel através da ministra das Finanças. Cada um é para o que nasce.

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  13. Caro João
    Não sou eu quem diz que os programas falharam ou não. Não sei o bastante para garantir uma ou outra coisa.
    Sei que os programas dos governos que antecederam as troikas falharam.
    Sei que os governos nunca cumpriram os programas das troikas, nem o grego nem o português.
    Por cá se diz que se foi para além da troika.
    Por cá se diz que a Constituição salvou os funcionários e os pensionistas da troika.
    O que ninguém disse era o que haveria de fazer-se em alternativa às troikas que evitasse ou pelo menos salvaguardasse o dinheiro da troika.

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  14. A sociedade de hoje não aceita o sofrimento sem uma justificação, nos últimos anos foram seguidas politicas impostas pelos mais fortes, politicas estas amplamente justificadas por académicos e pessoas influentes que asseguravam que o sofrimento era necessário para a salvação, após o fracasso absoluto das medidas aplicadas continuamos a ouvir pessoas a dizer que as medidas que foram aplicadas devem continuar agora já não para recuperar a economia mas sim para o país não ficar na miséria, nada disto faz qualquer sentido, governos que aceitam o sofrimento dos cidadãos não têm qualquer legitimidade democrática, a primeira cedência foi, de facto, a derradeira. Ninguém minimamente esclarecido pode aceitar viver numa ditadora, justificar esta forma organizativa é defender a barbárie, não há nada para negociar, não há cedências, há apenas espaço para a civilidade, apenas isso e só isso.

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  15. Não, não e não!!

    O Syriza prometeu um programa de relançamento dentro da UE. Agora tem que escolher: ou o programa de relançamento, ou a UE.

    Isto não é uma luta de ideias. Repito: isto não é uma luta de ideias. Isto é uma luta de forças.

    Podes até convencer as pessoas das tuas ideias, mas no final para as implementar precisas de força.

    Não inventem terceiras vias que não existem. Não semeiem mais ilusões. Ou é isto, ou a aventura de uma saída e um processo político novo. Não há saídas indolores. As classes intermédias representadas pelo Syriza tremem perante a escolha, e alimentam as ilusões que nós temos que começar a destruir. Sol na eira ou chuva no nabal. Escolham!!!

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  16. Com o Argala já eu me entendo.
    A luta contra o capital pressupõe deitar-lhe a mão pela força, tudo o mais é sujeição e derrota.
    A força do Syriza é o dracma, veremos se os gregos o seguem.
    Vai chover na eira e dar sol no nabal, mas lá maiiiiis para a frente espera-os o paraíso terreal.

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  17. Sol na eira e chuva no nabal... é um aforismo do Abade de Jazente!
    Nunca viram um nevoeiro húmido,quente e claro? Vão aos trópicos e saberão que não existe contradição nos termos. A falta de mundo cria muitos dilemas ,não é sr.Coelho?Não é sr. Cavaco? Não é dona Luísa?

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  18. pobre Jose
    ele bem se eleva e estrebucha, passa-se com a factualidade, vocifera para todos os lados
    Jose, querido amigo, quando as falências são em catadupa, quando a dívida não pára de aumentar, quando o desemprego REAL não desce, quando as desigualdades cresceram, quando se tira dinheiro da escola pública para remunerar colégios privados dos do costume, quando se impõe uma carga fiscal brutal ao mesmo tempo que se dão benesses às grandes corporações, quando há uma clara transferência de dinheiro e poder do trabalho para o capital, quando as lições económicas de 1929/1930 estão aí para quem as quiser ler o amigo vem com uma conversa inflamada de chacha e verdades de dona-de-casa tentando fazer o mesmo que este pobre e traidor governo que tanto apoia - justificar com a economia (no caso economia de sabão azul para enganar o povo) uma podre agenda política

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