segunda-feira, 5 de janeiro de 2015
O desafio grego e os amigos portugueses
Hoje de manhã, encontrei no metro o meu velho colega Rui Zink. Ele trazia o jornal i debaixo do braço e, no meio da conversa torrencial que lhe é habitual, chamou-me atenção para vários artigos dessa edição. À minha frente, desfolhava com ansiedade o jornal para mostrar um deles, sobre o Governo alemão e a Grécia.
Título: "Merkel disposta a dar castigo exemplar à Grécia para pôr a Europa na linha"
O que o abismava era o conjunto de ideias subjacentes ao título, nem sempre factos mas interpretações sobre factos, que até condiziam com as palavras do nome do seu autor: Diogo Vaz Pinto. Era todo um programa. Um pacote completo.
Para quem anda no jornalismo há umas décadas, nada disto é muito espantoso. Os meios de comunicação social não são independentes e puros: são uma amálgama de jornalistas, organizados hierarquicamente nem sempre pelo mérito e competência, cada vez mais levados a cumprir agendas impostas e que, mais tarde ou mais cedo, acabam por reflectir a cabeça de quem os dirige. E que, como dizia o Zink, muitas vezes até têm uns jornalistas de esquerda para mostrar que são pluralistas, geralmente homens sem queixo, que se calam quando os mandam calar-se, porque, no fundo, ninguém gosta de perder o emprego. E deu o exemplo da cadeia Fox.
Deixei-o à pressa porque estava atrasado, mas fiquei a pensar no i.
O título é, de facto, uma obra-prima. "Merkel disposta a dar" é uma conjunção de palavras plena de equívocos e conotações. "Castigo exemplar" revela a concordância com a ideia proto-segregadora de que os "tipos do sul" se comportam mal, porque se arriscam a eleger representantes contra a ideia de uma austeridade moralizadora que, por acaso, até é irracional porque economicamente ineficaz. E, finalmente, o remate: "Para pôr a Europa na linha". Nada como um castigo para endireitar os pobres de espírito e fracos de cabeça. E "na linha" entenda-se "em sentido".
E o texto é de ler com atenção: "Com o Syriza a liderar as sondagens a semanas das presidenciais, Berlim diz que desta vez não vai evitar que os gregos se lancem no abismo". No abismo? Haverá maior abismo como em Portugal onde, em 2 anos, se destruíram 500 mil postos de trabalho? "O ABC da nova democracia proposta pela Alemanha aos restantes membros da zona euro está a ser explicada novamente aos piores alunos da Europa: os gregos". Lá vêm os velhos estratagemas diplomáticos que, em 2010/11, de nada nos safaram: "Não somos gregos, não somos gregos". "A primeira regra é que só há um caminho para o futuro e esse é o da austeridade." Outra ideia muito repetida nos media: "Não há alternativa, façamos o que querem os mercados". "A chanceler Angela Merkel quis assegurar-se de que os alunos na última fila percebiam que não há margem para desvios, e sublinhou que se a Grécia escolher um governo que desafie a lei da austeridade, desta vez o país será deixado à sua sorte." Sem comentários.
E eu a pensar que a Alemanha até sente um calafrio pela espinha de cada vez que a Grécia desafia o todo-poderoso mandamento da austeridade e se mostra orgulhosamente disposta a defender cara a sua pele, contra um programa irracional. Não foi assim quando a Grécia quis referendar a permanência no euro e no dia seguinte foram tantas as pressões que a Grécia recuou? É toda a inversão enviesada da realidade.
Aliás, é sintomático que o porta-voz do governo alemão se apresse a negar tudo. E que jornais em Portugal logo façam eco dessa ideia (aqui e aqui).
De qualquer forma, o facto novo é que a Alemanha volta a usar a estratégia chantagista da saída da Grécia, alegando estar sob chantagem. E que, como diz Ricardo Cabral na sua crónica de ontem, esse novo patamar de jogo obriga os países do sul a estar preparados para ele. Porque, citando Otto von Bismark, "Glaube nie, was die Politik sagt, solange es nicht offiziell dementiert wurde"(“Never believe anything in politics until it has been officially denied”).
O Bismarck deve ter dito a frase em alemão. Por isso, em boa edição, ou mantém a frase em alemão ou tem de a traduzir para português.
ResponderEliminaré que nem todos falamos a língua do financês global. e, dos outros, nem todos querem hegemonias linguísticas vincada pelos que combatem outras hegemonias-
Se a frase é do Bismarck, que era alemão, por que é que está traduzida para inglês e não para português?
ResponderEliminarJRA, E quanto à São? Percebo o prurido, mas deixar as vacas e os bois sem nome nunca é virtuoso.
ResponderEliminarTêm toda a razão. A minha citação é correcta porque cito o autor do texto no blog. Mas prometo que para a próxima terei em conta a vossa chamada de atenção.
ResponderEliminarPara já, aqui vai do google translator, confirmado por um falante de alemão: Nie glauben, was in der Politik , bis es offiziell dementiert worden.
Vá lá João, deixa-te de graçolas e traduz para português. Senão é pior a emenda que o soneto. (Achei bastante parola a transcrição em inglês, aqui e donde a tiraste.)
ResponderEliminarMesmo citando do blogue, mais valia traduzir o que está em inglês para português.
ResponderEliminarVersão corrigida através da fonte original:
ResponderEliminarGlaube nie, was die Politik sagt, solange es nicht offiziell dementiert wurde
(já emendado no post)
o jornalista é diogo vaz pinto, é um antipático erro por simpatia que por instantes ainda pensei que fosse um artigo de opiniáo do homem da somague.
ResponderEliminaro nome do jornalista era para mudar no texto, não para publicar em comentário, pá
ResponderEliminarMesmo em economia vale ser coerente. E não é sério querer sol na eira e chuva no nabal. Se não quer austeridade está no seu direito, desde que o pague ou aponte um voluntário( e como vemos os apontados recusam-se a ser voluntários). O entra e paga ou sai do euro.
ResponderEliminarA frase em alemão, traduzida, dá: «Nunca acredites no que diz a política enquanto não tiver sido desmentido oficialmente.»
ResponderEliminarA frase em inglês modula ligeiramente esta ideia: «Nunca acredites em nada em política até que tenha sido desmentido oficialmente.»
A frase em alemão é a original, mas a versão em inglês é a que o uso consagrou. É como os contos dos irmãos Grimm, que milhões de pessoas só conhecem do Walt Disney.
Temos então que a versão em inglês, aqui presente não é uma tradução da autoria de JRA, mas a citação de uma tradução cujo autor não será, certamente, difícil de descobrir.
Cá está: a frase em inglês é frequentemente atribuída a um jornalista irlandês, Francis Claud Cockburn, que nunca reivindicou a sua autoria mas também não parece que tenha identificado a fonte, se a conhecia.
ResponderEliminarAntónio Cristóvão, o problema não está em saber quem paga a alternativa à austeridade, está em saber quem paga a austeridade - um jogo de soma negativa que está a sair muito, mas mesmo muito caro.
ResponderEliminarAh
ResponderEliminarParece que a coerência está em quem exerce chantagem e quem ameace da forma que faz lembrar os germânicos do século passado recauchutados em travestis burlescos mas igualmente ameaçadores
E a questão não está nem na chuva nem no sol nem no nabal ou na eira.A questão é muito mais séria : De facto parece que a "coerência " é coerente com as afirmações simplistas dos "voluntários" e dos voluntários à força
De
DVP não é jornalista. Nem todos os pasquineiros são jornalistas.
ResponderEliminarNa verdade, de acordo com a Commissão da Carteira Profissional de Jornalistas, o Diogo VP tem título provisório de estagiário. Ou seja, os seus textos deverão ter sido validados por um editor. A culpa não está, pois, nos estagiários.
ResponderEliminareu sou teu irmão e gosto do Diogo é bom tipo e talentoso. O título parece-me ser da autoria do seu editor. abraços
ResponderEliminarÓ João, mas então tu, leitor treinado das folhas de alface, não consegues cheirar à légua a carga irónica de todo o texto?
ResponderEliminar«O ABC (!!!) da NOVA democracia (?) proposta pela Alemanha (!) aos restantes membros da zona euro está a ser explicado novamente aos piores alunos [não vês que isto é puro gozo com a ridícula imagem da sala de aula!?] da Europa: os gregos. A primeira regra (REGRA!) é que só há um caminho para o futuro e esse é o da austeridade (A sério que não dás pela ironia?). A chanceler Angela Merkel quis assegurar-se de que os alunos na última fila (aqui estou já a bailar com a tal imagem) percebiam que não há margem para desvios, e sublinhou que se a Grécia escolher um governo que desafie a lei (LEI!!!, percebes?) da austeridade, desta vez o país será deixado à sua sorte.»
Não entendes que o que se sublinha aqui é a prepotência da atitude alemã. Mas sabes o que é pior? Não leste o texto ao lado da notícia principal. Não está disponível online, mas tenho a certeza de que se o tivesses lido não tinhas escrito este post. Quanto ao resto não tenho que me defender desta linha de acusatório. É também prepotente, e absurda no seu modo precipitado. Garanto-te que não percebeste nada. Vai ler o texto secundário dessa edição que largaste tão à pressa para te lançares num "pensamento" sobre o i. Depois pede-me desculpa ou não peças. Bem podes seguir pela idiotia.
Caro Diogo,
ResponderEliminaro problema dos jovens jornalistas talentosos (e mesmo dos idosos jornalistas pouco talentosos) é que têm tendência a pensar que todos os leitores os olham de fio a pavio e que sabem sabem o que lhes vai na alma. Ou que os leitores lêem tudo o que nós lemos. Mesmo aquilo que não vem online...
Se me permites vários conselhos de idoso pouco talentoso, se a tua intenção era fazer humor numa notícia, 1) não o faças; tens alguma coisa a dizer, diz, não “sorrias”; 2) se mesmo assim o queres fazer, pôe aspas nas expressões em “ABC”, “nova democracia”, “piores alunos da Europa: os gregos”, “só há um caminho para o futuro”, “alunos na última fila”. Ficava um texto cheio de aspas, o teu editor nãoo permitia, mas dá para perceber os alçapões no entendimento da mensagem. Por isso, não foi por acaso que o teu editor pôs o título que pôs, que é, diga-se de passagem, uma interpretação ainda. É que textos como estes já os vi, para ser lidos muito a sério, em vários jornais. E fizeram parte de outras campanhas; 3) Tens de partir sempre da ideia de que o leitor não te vai ler todo e que lê pela primeira vez sobre o assunto. Ele não sabe do “ABC da nova democracia proposta pela Alemanha aos restantes membros da zona euro” ou por que raio os gregos hão-de ser os “piores alunos”. Factos.
E não me importa nada de te pedir desculpas: de facto poderia ter sido mais criterioso e exaustivo. Fui rápido demais. Estamos sempre aprender, mesmo não sendo estagiários. Prometo ser mais lento da próxima vez. As minhas desculpas novamente por não ter pensado que estavas a fazer humor. Mas é que este assunto é demasiado sério para brincadeiras equívocas. E não te ofendas tanto se não te entendem. Geralmente, a culpa é mesmo nossa.
Dito isto, espero que nos encontremos algures: todos seremos necessários em breve.
Obrigado pelo cuidado, terei também eu um maior cuidado no futuro.
ResponderEliminarAté breve
Também de acordo com o João Ramos de Almeida.
ResponderEliminarDiogo Vaz Pinto devia evitar a ironia, pois raramente esta é vantajosa numa notícia. O mais certo é não passar junto de grande parte dos leitores. E aqui não passa junto de gente habituada a ler e fazer notícias.
Pode ser perfeitamente lida como um artigo habitual. Infelizmente, o ABC, os piores alunos são tudo ideias useiras e vezeiras em centenas de artigos sem intenções irónicas.
desfolhava ou folheava?
ResponderEliminarMais um acrescento. Nuno Ramos de Almeida ou Ferreira Fernandes para escolher gente que pouco se aprecia mutuamente, podem fazer ironias.
ResponderEliminarOs leitores já os conhecem. Sabem como eles pensam. Quem não tem prosa opiniativa consolidade, tem de ter mais cuidado.
Mas, se calhar, basta a NRA ou FF mudarem de jornal para que logo o novo público leitor os deixe de perceber