“A economia portuguesa continua a recuperar de uma grave crise de endividamento”, diz o FMI na primeira linha da declaração que emitiu depois da sua recente visita a Lisboa.
A crise agora é de endividamento, não da “dívida soberana”. Sempre o foi, como muitas vezes aqui (e aqui), por exemplo, dissemos. Mas, ao FMI convinha mais falar em “dívida soberana”, já que desta forma era mais fácil justificar cortes nos salários e pensões e aumentos de impostos.
Continua logo de seguida o FMI a cantar loas aos resultados do ajustamento: recuperação do produto, recuo do desemprego, correção do défice externo, contenção do endividamento privado, consolidação orçamental “substancial”, acesso restabelecido aos mercados de dívida soberana…
Seguem-se 11 parágrafos de “but”s e uma sentença final. Tentarei resumi-los:
- O crescimento é fraco, o desemprego alto e o sub-investimento está a erodir o stock de capital. É pouco provável que o crescimento do emprego continue, o que se pode traduzir em emigração continuada de numerosos trabalhadores qualificados;
- O “ajustamento orçamental” está a parar quando devia prosseguir para que a dívida pública fosse sustentável;
- Portugal precisa de aumentar a competitividade externa, mas isso é muito difícil tanto mais que: “a baixa inflação nos principais parceiros comerciais torna o necessário ajustamento de preços relativos ainda mais difícil”. “Sem instrumentos que permitam a desvalorização [cambial], as reformas estruturais são a única via…”.
- Para aumentar a competitividade externa Portugal deve aproveitar o seu potencial (boas infraestruturas públicas, sistemas de saúde e de educação de alta qualidade, forte capacidade de inovação e investigação e relativa facilidade de iniciar novos negócios). Deve também ultrapassar constrangimentos: administração pública ineficiente, justiça lenta, regulações laborais restritivas e falta de concorrência nos mercados de produtos locais.
- A dívida excessiva das empresas impede o investimento e o crescimento da produtividade. Deve ser reestruturada. Os bancos devem evitar assumir riscos excessivos
- A sentença final: Portugal não se pode desviar dos seus comprometimentos orçamentais. Mas, “o orçamento de 2015 não está em linha com os comprometimentos assumidos no atual quadro orçamental de médio-longo prazo”.
Vamos lá ver seu eu entendi bem. A coisa poderia ser dita de outra forma:
"Vocês foram bem-mandados. Fizeram tudo o que nós dissemos e obtiveram alguns dos resultados que nós esperávamos. Mas agora estão metidos num grande sarilho. A dívida parou de crescer mas agora vocês estão mais pobres e com menos capacidade para recuperar e até pagar a dívida. As empresas continuam sobre endividadas e os bancos frágeis.
O que temos para vos propor é mais ajustamento orçamental e mais reformas estruturais para recuperar a competitividade externa.
Nós sabemos que recuperar a competitividade externa é muito difícil em contexto de deflação e fraco crescimento na Europa. É certo que podiam tirar proveito do que têm de bom, mas com mais consolidação orçamental é difícil não darem cabo da boa educação, saúde, infraestruturas públicas e capacidade de investigação e desenvolvimento. Resta-vos portanto continuar a acabar com a legislação do trabalho para desvalorizar salários, com a justiça (lenta), com a administração pública (ineficiente), e com misteriosas rendas que ninguém vos vai dizer onde estão.
Resta-vos, portanto, continuar a fazer o que vos meteu neste sarilho. Não temos outra coisa para propor. Desculpem qualquer coisinha.
Na verdade estamos desorientados. Quisemos resolver uma crise de endividamento, sacrificando tudo e todos, sem beliscar um cabelo que fosse da hirsuta cabeleira dos credores. Como resultado estamos a colher uma ventania em quem nem os credores ficam livres de ficar sem a peruca que lhes escondia a careca."
É terrivel como se deixou chegar a dívida a valores tão desiquilibrados que só a fé na NªSª do investimento milagroso nos anima. Talvez agora com a chegada dos companheiros do obreiro deste descalabro as coisas se componham de vez? O DDT já deixou falir grande parte do espolio,mas o estado talvez invista para compensar.
ResponderEliminar«...continuar a fazer o que vos meteu neste sarilho»
ResponderEliminarMetido de calçadeira e com justificação nenhuma!
O fmi é uma incongruência.
ResponderEliminarUm bom post que expõe a fragilidade "argumentativa" do FMI ( logo da troika,logo dos troikistas)
ResponderEliminarMas não é só a dita fragilidade que é exposta.
É muito mais do que isso.
Daí a careca exposta.
( e é perguntar ao junker e ao passos, a merkel e ao portas , ao ricardo salgado e a miss swap se não há muitas "justificações" para a tenebrosa calçadeira que a quadrilha quer "meter" - basta ir também consultando a conta bancária desta malta.
Por exemplo em 2013, 870 multimilionários deste país aumentaram as suas fortunas em 11,1%, atingindo 100 mil milhões de euros. De 2010 para 2013, as 25 maiores fortunas aumentaram 17,8 por cento; a parte do capital no rendimento cresceu de 50,8%, em 2009, para 53,4%, em 2013.
É fartar vilanagem.Com a benção da troika , do FMI e dos seus comparsas a viver das rendas e doutras coisas mais
De
O fmi já está a arder(?)o incendiário pegou fogo à crise deixou o rastilho entre as cinzas do crash e da recessão mas as chamas da crise estrutural do neoliberalismo acabarão por engolir a estrutura social de acumulação - o austeritarismo é o derradeiro esforço para manter o regime neo-liberal a funcionar mas a incapacidade para superar uma crise longa conduzirá ao agravamento das contradições e ao colapso institucional seja uma versão nacinalista de extrema direita,um novo round social-democrata ou socialista.
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