É habitual olhar-se para o Produto Interno Bruto (PIB) de um país para analisar o nível de riqueza produzida em cada ano. Com base neste indicador constatamos que é preciso recuar a 2000 para encontrar um ano em que se tenha gerado tão pouca riqueza em Portugal como em 2013. Por outras palavras, até aqui o século XXI significou a estagnação da economia portuguesa.
Na verdade, desde há vários anos que o PIB vem sendo criticado enquanto indicador de bem-estar dos países, nomeadamente pelo facto de não considerar aspectos como o tempo de lazer, a distribuição do rendimento, as condições sociais ou os impactos do crescimento económico no ambiente.
Isto levou, por exemplo, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento a publicar anualmente, desde 1990, o seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador alternativo ao PIB que procura ter em conta não apenas os rendimentos gerados, mas também a evolução das condições de saúde e educação em cada país. Além disso, desde 2010 que o IDH tem em conta não o PIB mas antes o Produto Nacional Bruto (PNB). A diferença entre o PIB e o PNB assenta no facto de nem toda a riqueza gerada num território permanecer nesse território, já que parte dos rendimentos gerados ficam na posse de agentes económicos não-nacionais (por exemplo, os lucros e os juros auferidos por empresas estrangeiras no território nacional contam para o PIB, mas não para o PNB).
Mais recentemente, um famoso relatório coordenado por Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Jean-Paul Fitoussi, sobre a medição do desempenho económico e do progresso social, avança com várias propostas para melhorar a aferição do bem-estar gerado por cada economia. Uma das sugestões que podemos encontrar no relatório tem a ver com a avaliação do produto em termos líquidos e não em termos brutos (como faz o PIB). A diferença entre um e outro prende-se com o facto de os bens de capital (as máquinas, os equipamentos, etc.) irem perdendo valor à medida que os anos passam. Como é difícil calcular o ritmo de depreciação do capital, os economistas habituaram-se a utilizar o PIB em vez do Produto Interno Líquido (PIL). Tal significa,porém, ignorar que parte da riqueza gerada tem de ser posta de parte para ir substituindo o capital que está a ser utilizado. Na verdade, desde que a taxa de depreciação do capital não se altere ao longo dos anos, é indiferente qual dos dois indicadores é utilizado, se o objectivo é medir a evolução da riqueza produzida. Acontece, porém, que há motivos para acreditar que o tempo de vida útil dos bens de capital tem vindo a diminuir. Por exemplo, os computadores e o software desactualizam-se muito mais rapidamente do que os fornos utilizados nas siderurgias. Logo, se usarmos o PIB em vez do PIL estaremos a sobrevalorizar a riqueza efectivamente produzida em cada país.
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB, do PNB e do PIL em Portugal desde 2000. Sem surpresas, o valor do PNB em 2013 face a 2000 é inferior ao valor do PIB, enquanto o do PIL é inferior ao de ambos. Assim, se seguíssemos aquilo para que apontam as boas práticas internacionais, usaríamos valores nacionais (e não internos) e líquidos (e não brutos) – isto é, olharíamos para o Produto Nacional Líquido (PNL) e não para o PIB. Se o fizermos, concluímos que a riqueza gerada pela economia portuguesa caiu 4% entre 2000 e 2013.
Quanto mais irá a economia portuguesa cair até percebermos que algo de fundamentalmente errado se passa?
Caro Ricardo,
ResponderEliminarDeixo desde já os meus parabéns por este artigo. Ainda a semana passada tive o privilégio de ouvir, na rádio holandesa, uma análise quase idêntica à que foi feita aqui (mas para o caso local).
Infelizmente como o meu domínio da lingua é rudimentar, pensei que o termo que eles usam para o PNB fosse a tradução para o PIB. Outra das questões que na altura levantaram foi precisamente se não começa a fazer mais sentido, usar-se o IDH como método comparativo.
Infelizmente verificam-se duas coisas. Na comunicação social em Portugal não me ocorre nenhuma conversa ou divulgação da questão sobre os índices a usar. Por esse motivo os meus parabéns por irem trazendo esse assunto à baila. Por outro, seja qual for o índice... Estamos bonitos, estamos!
Não será mera coincidência a adesão à moeda única em 1999. Portugal, na melhor das hipóteses, entrou numa estagnação económica sem fim à vista.
ResponderEliminarQuem nos meteu no euro? PS, PSD e CDS.
Quem se uniu para evitar que o povo português se pronunciasse sobre uma integração que tanto o condiciona e debilita? PS, PSD e CDS.
Também não será mera coincidência que os "partidos da troika", PS, PSD e CDS, sejam simultaneamente os "partidos do euro".
Porque a política de direita, a política da austeridade, a política da troika, não é senão a política da aceitação, do cumprimento e da vigilância da política europeia ditada pela integração monetária no euro.
É importante conhecer a gravidade da situação e o post é um contributo bem pertinente nesse sentido. Mas mais importante ainda é não persistir no caminho do engano, do erro e da degradação nacional.
Que diz sobre isto o novo Messias do PS? Lê-se no seu projeto para a próxima década, «Uma agenda para a década 2015-2024», e até custa a acreditar:
«Completar a arquitetura do euro, retomando a trajetória da moeda única como uma dimensão do projeto de convergência, desse modo contribuindo para resolver, de modo sustentável, os desequilíbrios macroeconómicos e orçamentais»
Nem vale a pena referir o Tratado Orçamental e outras medidas de aprofundamento da desastrosa integração económica e monetária, como a Governação Económica, o Semestre Europeu, o Pacto para o Euro Mais. As peças mais recentes da "arquitetura do euro", que o PS de António Costa quer "completar" na próxima década.
Retomar a trajetória da moeda única como uma dimensão do projeto de convergência?
Mas em que país, em que continente, em que planeta vive António Costa? Que país se propõem governar os socialistas?
A trajetória da moeda única é uma trajetória de divergência. Dentro da moeda única não é possível resolver, e muito menos ainda de modo sustentável, os desequilíbrios macroeconómicos e orçamentais.
Isso é a receita de PSD e CDS. Por isso se diz, e bem, que nas questões mais fundamentais, estruturantes para o país, para o seu futuro, para a "próxima década", para o imediato, o PS está irmanado e não se distingue do PSD e CDS.
Para uma trajetória de convergência, para sair da estagnação, para fazer crescer o produto interno bruto, o produto interno líquido, o rendimento nacional, é preciso libertar o país do colete de forças europeu da integração monetária.
É essa agora a escolha fundamental dos portugueses, nas suas lutas diárias, nas suas movimentações sociais, na suas opções eleitorais.
Sair do malfadado "arco da governação" neoliberal, romper com a política e com os partidos da troika, romper com a política e com os partidos do euro.
Excelente texto, caro Ricardo.
ResponderEliminarÉ por estas e por outras que cada vez gosto menos de paleio do tipo Serge Latouche.
Oh-so-convenient, sobretudo em casos como o nosso, não é?
João Carlos Graça
E o que julgar do impacto da economia paralela/subterrânea/ilegal e do auto-consumo na trajectória dos agregados económicos/familiares com o que acresce de desigualdade e tudo o mais que se furta à contabilização -como principais causas do aumento entre 2011 e 2012, passando a representar 26,74% do PIB oficial e correspondendo a 44 183 mil milhões de euros, salientam-se os aumentos na taxa de desemprego e na carga fiscal-não é só a sub-avaliação da economia paralela é também a sobreavaliação do quantidade face à "qualidade" da reprodução social quando os riscos da crise/estagnação estão tão mal distribuídos...
ResponderEliminar.
Análise muito interessante e didática. Não esquecer ainda que os automóveis (serão bens de capital?), e nós temos cerca de 450 mil, têm por defeito uma depreciação automática de cerca de 11 a 15 por cento média anuais. Além disso, grande parte da "riqueza" deste sector é para o estrangeiro (peças, combustíveis, etc.). Por alto, sem dados concretos, considerando que carros e combustíveis são 1/5 das importações e que no período em análise, 2000-2013, o parque automóvel cresceu cerca de 30%, penso que o mesmo justifica em parte a sua análise do PNL ser mais baixo que o PIB. Cumprimentos
ResponderEliminarUm pouco curiosa esta incorporação do "parque automóvel" nos bens de capital ( não confundir com camiões, betoneiras, etc)
ResponderEliminarDaí que utilizar o referido "parque automóvel" ( ao qual se adiciona veja-se bem os combustíveis ! ) para justificar o que se tenta justificar ...
De
Mas o "paleio tipo Serge Latouche" é infinitamente mais interessante do que essa estafada conversa da retoma e de toda a teologia do crescimento - que a acontecer, como é óbvio, não irá nunca alimentar o decrescimento das desigualdades nem a justiça social nem o respeito pelos ecossistemas, mas apenas a continuidade da acumulação infinita. Há quem acredite num capitalismo bom e de rosto humano? O Latouche não, mas neokeynesianos e neoliberais, partilhando os mesmos dogmas fundadores e fundamentais, acreditam que o capital opera verdadeiros milagres. Uns metem a k7 dos mercados, os outros dedicam-se à espera messiânica do pleno emprego. O pior é que os votos vão sempre para as mesmas merdificantes elites e a conversa do crescimento, do progresso, do trabalho que dignifica e blabla faz um enorme sucesso à esquerda - oh so convenient...
ResponderEliminarA revisão do PIB não pode deixar de estar no topo da agenda das organizações da sociedade civil que em Portugal pugnam por maior justiça social e sensibilidade ambiental. Desde logo porque nesta sociedade "à razão de juros" o que não é contabilizado não conta.
ResponderEliminarComentário completo aqui: http://blogorbis.blogspot.pt/2011/08/optimismo.html