«Em Portugal há aquilo a que chamamos a transmissão intergeracional da pobreza e temos que quebrar com essa transmissão. Há profissionais da pobreza habituados a andar de mão estendida, sem qualquer preocupação em mudar, e as instituições, por mais assistencialistas que sejam, têm que fazer o acompanhamento e a supervisão, para que se quebrem os ciclos de pobreza. Ou seja, quando se ajuda uma família pobre, deve-se procurar que essa família queira deixar de ser pobre e não encare a assistência como uma forma de vida.» (Isabel Jonet, no 29º Encontro da Pastoral Social, em Fátima).
Talvez valesse a pena que Isabel Jonet, a Presidente do Banco Alimentar contra a Fome (não confundir a instituição com quem a preside), reflectisse sobre duas ou três coisas:
1. Constituindo um gesto socialmente meritório, a simples ajuda alimentar não configura uma política emancipatória de combate à exclusão. Aliás, não configura, por si só, nenhuma verdadeira política social digna desse nome. Centrada num patamar meramente «subsistencialista», a ajuda alimentar é insuficiente enquanto mecanismo capaz de promover rupturas na reprodução geracional da pobreza, sobretudo quando se percebe que a discricionariedade, a ausência de critérios objectivos e a «empatia de geometria variável» constituem o traço identitário dominante de uma parte muito significativa das organizações que implementam a ajuda alimentar, numa sociedade como a portuguesa.
2. O julgamento moral da pobreza, quando exercido em contexto de intervenção social profissional, condiciona e limita, por natureza, uma acção integradora e emancipatória. De facto, ao privilegiar a avaliação de normas e padrões de conduta, o moralismo social debilita a capacidade de compreensão dos factores subjacentes aos processos de exclusão e, desse modo, a própria identificação de respostas e mecanismos susceptíveis de promover a capacitação e a autonomia de indivíduos e famílias. E fomenta ainda, contraproducentemente, um fosso relacional entre técnicos e beneficiários (quando não a subjugação destes em relação aos primeiros), que prejudica (quando não impede), os processos de cooperação, confiança e contratualização mútua, essenciais na concretização de verdadeiras mudanças e rupturas com as trajectórias de exclusão.
3. É por isso extraordinário que a Isabel Jonet que apela à necessidade de uma intervenção social capaz de quebrar os ciclos de pobreza seja a mesma Isabel Jonet que repudia as medidas de política social pública de natureza «providencialista» e emancipatória (entre as quais se destaca claramente o RSI), fundadas em direitos e com regras e critérios escrutináveis, e que, até hoje, revelaram ser as mais capazes de romper com os ciclos geracionais da pobreza e exclusão. Isto é, a mesma Isabel Jonet que considera que o Estado se mete «demais em coisas que não deve» e que acha que as prestações sociais públicas atingem «níveis incomportáveis e insustentáveis» para o Orçamento de Estado. Talvez, admitamos a hipótese, porque dessa forma se estejam a prejudicar, no entender da presidente do Banco Alimentar contra a Fome, os interesses inconfessados dos verdadeiros «profissionais da pobreza».
ResponderEliminarA ajuda alimentar não é digna do nome de política social
É discricionária, assente em empatias e qualifica-se, pela ausência de critérios objectivos e predomínio de juízos de geometria variável, para o anátema se ‘moralismo social’ pois fazer julgamentos morais da pobreza é horroroso para toda a acção integradora e emancipadora.
Esta requer-se fundada em direitos e com regras e critérios escrutináveis, estabelecendo-se uma saudável e mobilizadora cooperação entre técnicos e profissionais da pobreza, sem a subjugação que prejudica a confiança e a contratualização mútua essencial na concretização de verdadeiras mudanças e rupturas com as trajectórias de exclusão.
Entretanto, até que esse contrato seja livremente alcançado, está assegurado o vencimento do técnico bem como o subsídio ao profissional da pobreza, com todos os benefícios que daí decorrem para a economia e a estabilidade social
Caro José,
ResponderEliminarNão deixa de me impressionar a ligeireza e a profunda despreocupação em se informar minimamente, antes de tecer alguns comentários.
Para lhe dar apenas um exemplo: desde a criação do Rendimento Mínimo Garantido (hoje RSI), foram milhares as crianças de etnia cigana que passaram a frequentar a escola, no âmbito das contratualizações eatabelecidas entre os técnicos e os beneficiários da medida.
Só quem está a milhas de um contacto mínimo com a realidade, do que é no terreno (apesar de todas as limitações, contradições e constrangimentos) a aplicação da medida, pode pronunciar-se nos termos em que o José o faz.
E este exemplo é aliás bem elucidativo do papel que as verdadeiras políticas sociais podem ter na «descontinuação» (para usar um termo hoje tão em voga) dos ciclos de pobreza. Mas isso são, evidentemente, as medidas anteriores à «nova geração de políticas sociais», que basicamente assenta em «comer sopa e empreender».
Caro Nuno Serra,
ResponderEliminarConcordo plenamente com sua análise mas não considero que exclua, por si só, um fenómeno que, a existir, também pode tornar mais difícil a quebra dos ciclos de pobreza: a possibilidade de algumas pessoas/famílias presas a esse ciclo de pobreza encararem a assistência como uma forma de vida.
Ou seja, qualquer política emancipatória (e não meramente assistencialista, concordo consigo) também terá de considerar esta possibilidade e prever formas de a combater. E digo isso sem qualquer moralismo.
Caro Nuno Serra,
ResponderEliminarO que eu digo vale nos estritos limites do declarado.
Nem desdenhei do RSI nem condenei políticas sociais a que chama 'as verdadeiras'.
Mas não fui bem sucedido em chamar-lhe a atenção para a realidade que é 'o profissional da pobreza', assunto que aparentemente continua a não querer enfrentar.
Em sociedades onde é aceite o pressuposto de que 'não há nem haverá emprego para todos' já há soluções no terreno, e bem me parece que nos preparemos para tal; mas isso exige, não um, mas vários juízos morais.
Caro Anónimo,
ResponderEliminarSubscrevo por inteiro o seu comentário. Não gostaria que se deduzisse do post (embora reconheça que isso possa acontecer) que me é indiferente a possibilidade de haver situações em que se «encara a assistência como uma forma de vida». A questão é, apenas, a da forma como se deve lidar com isso: há a opção da sobranceria moralista (que é, sem necessidade de exemplificar com declarações, a das Isabeis Jonet desta vida...). E há outras opções, radicalmente distintas: as de quem entende fazer esses caminhos e processos de integração com as pessoas, lado a lado, sem sobrancerias nem moralismos serôdios e - importa sublinhá-lo - pouco ou nada cristãos.
Um bom comentário e umas boas achegas de Nuno Serra
ResponderEliminar...que desmistificam as jonets desta vida...
De
Apetece dizer com um sorriso
ResponderEliminarpeço desculpa por esta democracia
Caro Nuno Serra,
ResponderEliminarA sua sobranceira e moralista opção de colar a figura e obra da Isabel Jonet ao rótulo de ‘moralismo serôdio’ explica o que, do ponto de vista moral, se oculta por trás e lado a lado com toda a retórica discursiva do politicamento correcto canhoto.
A figura, não a obra, caro José. Isso fica explícito no texto. Quanto à sobranceria em relação a Isabel Jonet sim, aceito a crítica.
ResponderEliminarNem se trata do "ponto de vista moral" ( não vale a pena agora irmos por aí, pois não?) nem do politicamente correcto "canhoto" (curiosa expressão que recordam outros tempos e outros personagens)
ResponderEliminarEm 14 de Dezembro de 2012, a propósito de uma reportagem do Linha da Frente, na RTP:
Isabel Jonet: "Eu penso que é mais correcto falar-se em carências alimentares, porque há que relativizar até a situação que se passa nos países mais desenvolvidos e o que se passa nos países subdesenvolvidos, como África. E, portanto, temos que relativizar e falarem carências alimentares".
Jornalista: "Mas estas mães que encontrámos nas escolas falam-nos em fome..."
Isabel Jonet: "Pois, porque é tudo um olhar relativo sobre a situação que tinham previsto ter. Se for para África, há pessoas que não comem mais do que uma tigela de arroz por dia. De facto, esses têm fome. Há muitas famílias cá em Portugal que não têm uma refeição completa por dia. Há muitos idosos, nomeadamente idosos, que vivem sozinhos, que não comem uma refeição completa todos os dias".
Jornalista: "Mas isso não é fome..."
Isabel Jonet: Isso não é fome. Mas são os idosos. No caso das crianças, todas aquelas crianças que podem ir às cantinas escolares ou que são apoiadas... que frequentam ATL, Instituições de Solidariedade Social, ATL, creches, etc, é-lhes garantida uma refeição na, na , na instituição durante o dia. Muitas chegam a casa e já não jantam.
Jornalista: "Mas isso é uma carência alimentar, não é fome..."
Isabel Jonet: Não é. Eu acho que é uma carência alimentar.
De
As afirmações da Sra Jonet são feitas num contexto especifico,mas com tendencia para o desfocado como bem refere N.Serra; alias seguindo uma tendencia que começa a ser prejudicial.
ResponderEliminarNo encontro em questão seria util falar dos mecanismos para rentabilizar as dadivas existentes eliminando os desperdicios que penso serem significativos, tanto de bens como de esforço. E se BA nisso pode ensinar bem os outros.
Em conclusão:
ResponderEliminarJonet é vista pela esquerda como a personificação do assistencialismo, apesar de ela representar uma ínfima parte do volume de assistencialismo instalado desde há séculos.
É pródiga em fornecer motes para todas as críticas, porque não só fornece boas oportunidades (distinguir, fome de carência alimentar e de apetite insatisfeiro, dá ótimas oportunidades de mã-língua)como tem aquele toque de classe que tão estimulante é para a luta de classes!
Destinos...
As conclusões são as mais das vezes expedientes para se ocultar o essencial
ResponderEliminarVejamos:
jonet não é vista pela "esquerda"como etc e tal, tal e etc. Jonet é vista de acordo com o seu posicionamento ideológico,de acordo com a sua praxis e de acordo com as coisas que diz e quando o diz. Cabe a cada um de nós tirar as conclusões que ache por bem,independentemente dos arranjos florais com que os media as cercam e os arrufos mal-humorados quando se chamam as coisas pelo nome.
A questão dos media é sumamente importante.Quantas vezes já apareceu na televisão portuguesa alguém a contraditar e a contestar esta dona como contraponto ao seu tempo de antena desvalido e descamisado?
(Não deixa de ser notável o esforço visível para reescrever a escrita já escrita doutrem).
Um pormenor curioso no comentário do sr jose. O registo de fundo deste segue exactamente o mesmo que outrora se registava em relação a duas "pérolas" da nossa classe governativa: santana lopes e relvas.
A História demonstrou quem eram estas coisas.
A desculpabilização da ignorância bacoca tem destas "riquezas".
Agora até com tiques a invocar a "classe" da dona, qual revista cor-de-rosa em edição diurna.
De
Por vezes as pessoas tecem afirmações que até apetece acreditar simplesmente porque era bom que fosse verdade. Esta é, para mim, uma dessas afirmações "..(as medidas do RSI) até hoje, revelaram ser as mais capazes de romper com os ciclos geracionais da pobreza e exclusão. "
ResponderEliminarGostava honestamente que indicasse quais as fontes que usou para suportar essa afirmação. Estatisticas? Observações? Casos de estudo?