quinta-feira, 5 de junho de 2014

Um contributo para o debate público em torno da dívida pública

Esta tarde foram recebidos em audiência na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República (AR) vários dos subscritores da petição "Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente", a qual deverá ser debatida no Parlamento em data a agendar.

Recorde-se que esta petição solicita à Assembleia da República que: aprove uma resolução recomendando ao governo o desenvolvimento de um processo preparatório tendente à reestruturação da dívida; e desencadeie um processo parlamentar de audição pública para o objectivo em causa.

Tendo em vista contribuir para o debate público, que se considera urgente, foram entregues aos deputados alguns documentos de análise e reflexão sobre a questão da dívida pública e os fundamentos da petição, entre os quais este, de que sou coautor, juntamente com Ricardo Cabral, Paulo Trigo Pereira e Emanuel Santos (ver notícia do Público aqui).

Mais do que defender uma solução específica para lidar com o problema da dívida pública, este documento procura identificar um conjunto de factos que devem ser considerados no debate. Destaco, em particular, as seguintes ideias:

1. O elevado nível de dívida pública, cujo crescimento acelerou marcadamente desde 2008, é um problema grave que Portugal partilha com vários países europeus, cuja origem é largamente comum e que requer, por isso, a responsabilização das instituições europeias.

2. As condições para que a dívida pública portuguesa seja sustentável são altamente improváveis, pela história não apenas portuguesa, mas dos países da União Europeia.

3. A necessidade de obter um financiamento de pelo menos 100 mil milhões de euros (supostamente através dos mercados de dívida pública) nos próximos sete anos torna o objectivo ainda mais inverosímel.

4. A tentativa de reduzir a dívida pública sem recurso a uma reestruturação teria custos económicos e sociais dramáticos.

5. A necessidade de reestruturação da dívida é hoje reconhecida por um leque muito abrangente de economistas e instituições internacionais.

6. Sendo muitas as soluções possíveis (algumas das quais são sucintamente discutidas no texto), uma reeestruturação da dívida pública portuguesa bem-sucedida deverá ter como objectivos:

(i) reduzir os desequilíbrios macroeconómicos do país, em particular a dívida externa;
(ii) minimizar as necessidades de refinanciamento da dívida pública e da dívida privada portuguesa; e
(iii) evitar reestruturações sucessivas, realizando uma reestruturação de dívida de dimensão suficientemente grande.

Como seria de esperar, esta audiência não permitiu muito mais do que a afirmação pelas várias bancadas parlamentares das suas posições de princípio sobre o tema (as da oposição valorizando a oportunidade da iniciativa, as da maioria questionando essa mesma oportunidade...), apesar dos esforços de alguns deputados para desenvolver a discussão.

Uma conclusão resulta óbvia desta audiência: o país ganharia muito em iniciar este debate de modo aprofundado e fundamentado. Os deputados têm aqui uma oportunidade para valorizar o papel da função parlamentar, fazendo da AR um orgão de soberania democrático ao serviço... da democracia e da soberania do país. Mas talvez seja esperar demais dos deputados da actual maioria, para quem estas palavras parecem ter cada vez menos significado.

5 comentários:

  1. Para justificar ser vantajoso «evitar reestruturações sucessivas» haveria que garantir um programa de acção de longo prazo o que mais não seria que um novo resgate suportado numa maioria política de idêntico prazo.
    De outro modo a 'grande reestruturação' mais não seria que potenciar o pântano político em que o país ameaça mergulhar a todo o tempo.

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  2. "Pântano político em que o país ameaça mergulhar a todo o tempo?"

    Ameaça mergulhar?Mas até onde vai a cegueira para não se ver que estamos mergulhados na mais profunda crise do pós-25 de Abril onde um governo que sacrifica os que trabalham e os que trabalharam ao altar dos grandes interesses económicos ,agora envereda por um caminho claramante anti-democrático e de desobediência à matriz do estado tal como o conhecemos.

    Ameaça mergulhar?Mas até onde vai a pretensa cegueira dos que, imunes ao afogar dos milhões de portugueses no pântano troikista, tentam esconder que o que pretendem é mesmo a perpetuação desta governação sem lei, sem princípios, sem justiça e agora sem democracia?

    De

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  3. Há algo de ilógico, no documento do contributo para o debate público em torno da dívida pública, no que respeita ao cálculo da frequência com que se verificaram na UE os pressupostos que tornariam sustentável o pagamento da dívida pública portuguesa.

    A condição crescimento nominal menor ou igual a 3,6% não faz sentido e é ilogicamente restritiva. Se o crescimento nominal, com um deflator do PIB no máximo de 1,8%, fosse superior a 3,6%, tanto melhor, mais facilmente se compatibilizaria o pagamento da dívida com o tratado orçamental.

    Mais sentido faria ao contrário: crescimento nominal não inferior a 3,6%.

    É evidente que isto não altera nada, mas o raciocínio está mal construído e o cálculo mal efectuado.

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  4. Caro anónimo,

    O nosso estudo parte das restrições que decorrem das previsões apresentadas pelo governo no Documento de Estratégia Orçamental para 2014-2018 (que, de resto, são semelhantes às da Comissão Europeia e do FMI). Segundo estas previsões, a economia portuguesa não crescerá mais do que 3,6% ao ano, em termos nominais, até 2018 (eu diria que estas são previsões excessivamente optimistas, mas não precisamos de ir por aí). A questão que é colocada no documento é: com base na experiência histórica, é razoável esperar que, com a evolução macroeconómica prevista, se verifiquem saldos orçamentais iguais ou superiores a 1,8%? A resposta é claramente não. É óbvio que saldos orçamentais daquela ordem são compatíveis com ritmos de crescimento mais elevados. Mas esta não é uma discussão sobre as condições de sustentabilidade da dívida no abstracto, mas antes sobre a razoabilidade da trajectória que está prevista pelo governo e pela Troika para os próximos anos.

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  5. Gostava de ser optimista e, com o manifesto proposto, ver os responsáveis e decisores políticos em conjunto debaterem o nosso problema da sustentabilidade da dívida pública! Só com uma intervenção externa foi, pela primeira vez, possível identificar (de uma maneira quadrada, mas foi a possível) o problema (dívida pública, etc) com a real dimensão que os portugueses têm agora mais conhecimento! O memorando foi assinado (forçados) por três partidos. Como, sem o envolvimento dos mesmos (ou outros) é possível dar uma uma imagem aos investidores de que há consenso político no nosso país?

    https://www.youtube.com/watch?v=PAbKK_rfTQU&feature=youtube_gdata_player

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