Esta tarde foram recebidos em audiência na Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República (AR) vários dos subscritores da petição "Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente", a qual deverá ser debatida no Parlamento em data a agendar.
Recorde-se que esta petição solicita à Assembleia da República que: aprove uma resolução recomendando ao governo o desenvolvimento de um processo preparatório tendente à reestruturação da dívida; e desencadeie um processo parlamentar de audição pública para o objectivo em causa.
Tendo em vista contribuir para o debate público, que se considera urgente, foram entregues aos deputados alguns documentos de análise e reflexão sobre a questão da dívida pública e os fundamentos da petição, entre os quais este, de que sou coautor, juntamente com Ricardo Cabral, Paulo Trigo Pereira e Emanuel Santos (ver notícia do Público aqui).
Mais do que defender uma solução específica para lidar com o problema da dívida pública, este documento procura identificar um conjunto de factos que devem ser considerados no debate. Destaco, em particular, as seguintes ideias:
1. O elevado nível de dívida pública, cujo crescimento acelerou marcadamente desde 2008, é um problema grave que Portugal partilha com vários países europeus, cuja origem é largamente comum e que requer, por isso, a responsabilização das instituições europeias.
2. As condições para que a dívida pública portuguesa seja sustentável são altamente improváveis, pela história não apenas portuguesa, mas dos países da União Europeia.
3. A necessidade de obter um financiamento de pelo menos 100 mil milhões de euros (supostamente através dos mercados de dívida pública) nos próximos sete anos torna o objectivo ainda mais inverosímel.
4. A tentativa de reduzir a dívida pública sem recurso a uma reestruturação teria custos económicos e sociais dramáticos.
5. A necessidade de reestruturação da dívida é hoje reconhecida por um leque muito abrangente de economistas e instituições internacionais.
6. Sendo muitas as soluções possíveis (algumas das quais são sucintamente discutidas no texto), uma reeestruturação da dívida pública portuguesa bem-sucedida deverá ter como objectivos:
(i) reduzir os desequilíbrios macroeconómicos do país, em particular a dívida externa;
(ii) minimizar as necessidades de refinanciamento da dívida pública e da dívida privada portuguesa; e
(iii) evitar reestruturações sucessivas, realizando uma reestruturação de dívida de dimensão suficientemente grande.
Como seria de esperar, esta audiência não permitiu muito mais do que a afirmação pelas várias bancadas parlamentares das suas posições de princípio sobre o tema (as da oposição valorizando a oportunidade da iniciativa, as da maioria questionando essa mesma oportunidade...), apesar dos esforços de alguns deputados para desenvolver a discussão.
Uma conclusão resulta óbvia desta audiência: o país ganharia muito em iniciar este debate de modo aprofundado e fundamentado. Os deputados têm aqui uma oportunidade para valorizar o papel da função parlamentar, fazendo da AR um orgão de soberania democrático ao serviço... da democracia e da soberania do país. Mas talvez seja esperar demais dos deputados da actual maioria, para quem estas palavras parecem ter cada vez menos significado.
Para justificar ser vantajoso «evitar reestruturações sucessivas» haveria que garantir um programa de acção de longo prazo o que mais não seria que um novo resgate suportado numa maioria política de idêntico prazo.
ResponderEliminarDe outro modo a 'grande reestruturação' mais não seria que potenciar o pântano político em que o país ameaça mergulhar a todo o tempo.
"Pântano político em que o país ameaça mergulhar a todo o tempo?"
ResponderEliminarAmeaça mergulhar?Mas até onde vai a cegueira para não se ver que estamos mergulhados na mais profunda crise do pós-25 de Abril onde um governo que sacrifica os que trabalham e os que trabalharam ao altar dos grandes interesses económicos ,agora envereda por um caminho claramante anti-democrático e de desobediência à matriz do estado tal como o conhecemos.
Ameaça mergulhar?Mas até onde vai a pretensa cegueira dos que, imunes ao afogar dos milhões de portugueses no pântano troikista, tentam esconder que o que pretendem é mesmo a perpetuação desta governação sem lei, sem princípios, sem justiça e agora sem democracia?
De
Há algo de ilógico, no documento do contributo para o debate público em torno da dívida pública, no que respeita ao cálculo da frequência com que se verificaram na UE os pressupostos que tornariam sustentável o pagamento da dívida pública portuguesa.
ResponderEliminarA condição crescimento nominal menor ou igual a 3,6% não faz sentido e é ilogicamente restritiva. Se o crescimento nominal, com um deflator do PIB no máximo de 1,8%, fosse superior a 3,6%, tanto melhor, mais facilmente se compatibilizaria o pagamento da dívida com o tratado orçamental.
Mais sentido faria ao contrário: crescimento nominal não inferior a 3,6%.
É evidente que isto não altera nada, mas o raciocínio está mal construído e o cálculo mal efectuado.
Caro anónimo,
ResponderEliminarO nosso estudo parte das restrições que decorrem das previsões apresentadas pelo governo no Documento de Estratégia Orçamental para 2014-2018 (que, de resto, são semelhantes às da Comissão Europeia e do FMI). Segundo estas previsões, a economia portuguesa não crescerá mais do que 3,6% ao ano, em termos nominais, até 2018 (eu diria que estas são previsões excessivamente optimistas, mas não precisamos de ir por aí). A questão que é colocada no documento é: com base na experiência histórica, é razoável esperar que, com a evolução macroeconómica prevista, se verifiquem saldos orçamentais iguais ou superiores a 1,8%? A resposta é claramente não. É óbvio que saldos orçamentais daquela ordem são compatíveis com ritmos de crescimento mais elevados. Mas esta não é uma discussão sobre as condições de sustentabilidade da dívida no abstracto, mas antes sobre a razoabilidade da trajectória que está prevista pelo governo e pela Troika para os próximos anos.
Gostava de ser optimista e, com o manifesto proposto, ver os responsáveis e decisores políticos em conjunto debaterem o nosso problema da sustentabilidade da dívida pública! Só com uma intervenção externa foi, pela primeira vez, possível identificar (de uma maneira quadrada, mas foi a possível) o problema (dívida pública, etc) com a real dimensão que os portugueses têm agora mais conhecimento! O memorando foi assinado (forçados) por três partidos. Como, sem o envolvimento dos mesmos (ou outros) é possível dar uma uma imagem aos investidores de que há consenso político no nosso país?
ResponderEliminarhttps://www.youtube.com/watch?v=PAbKK_rfTQU&feature=youtube_gdata_player