Graças a Vítor Dias, tomei conhecimento de um muito interessante Eurobarómetro especial. Fiquei a saber que 85% dos portugueses inquiridos não confia no governo, que 70% não confia na União Europeia, que mais de 70% acha que a sua voz não conta na UE ou que metade está em desacordo com o euro. Mais intensamente em desacordo com uma moeda que não nos serve só os que tomaram a decisão correcta de a ela não aderir, como a Dinamarca ou o Reino Unido. O cepticismo em relação ao euro é cada vez mais popular entre os que vivem por aqui.
A realidade tem muita força num prazo mais ou menos longo, dependendo da resiliência da sabedoria convencional: estagnação e desemprego com défices externos antes da crise do euro, uma combinação única na nossa história; mais desemprego e austeridade depois; humilhações e submissões para sempre. No seguimento do primado da economia política, sublinho o primado da repetição política:
É por estas e por outras que atirar para a escala europeia, para a mirífica reforma da arquitectura institucional do euro, as possibilidades do progresso tem como um dos principais efeitos perversos acentuar a sabedoria popular de que isto no fundo não depende de nós. Dado que as pessoas não são parvas, se isto não depender de nós, para quê incorrer nos custos da mobilização na única escala que está com realismo disponível e que é a nacional? As elites políticas dominantes dão, de forma intencional ou não, contributos para a desmobilização.
Há aqui um círculo vicioso que é preciso assinalar uma vez mais: as classes populares desconfiam cada vez mais da política e dos políticos e participam cada vez menos, a política é cada vez mais elitista, as elites, incluindo demasiadas de esquerda, são tendencialmente federalistas, ao contrário das classes populares cada vez mais eurocépticas, a política de reforço da integração é sinónimo de impotência para o campo progressista, até porque a falta de enraizamento popular facilita a cooptação intelectual e política das elites, crescem o descontentamento e a desconfiança populares. É claro que este círculo é o círculo dos neoliberais e da sua vitória estrutural. Este é o círculo que alimenta a extrema-direita. O que é extraordinário é que haja quem à esquerda não só não queira ver o círculo, como acabe por participar na sua perpetuação. Quebrar este círculo é o principal desafio.
"atirar para a escala europeia, para a mirífica reforma da arquitectura institucional do euro, as possibilidades do progresso tem como um dos principais efeitos perversos acentuar a sabedoria popular de que isto no fundo não depende de nós."
ResponderEliminarDesculpe mas, atirar para a mirífica saída do euro as possibilidades do progresso, relativizar as responsabilidades internas nos resultados dos últimos 40 anos (com e sem euro, note-se), ou acentuar as responsabilidades dos "mercados", do "neo-liberalismo", da "Merkel", ... também tem como um dos principais efeitos perversos acentuar a sabedoria popular de que isto no fundo não depende de nós.
Portugal, dentro ou fora do euro, dentro ou fora da UE estará sempre inserido no mundo e terá sempre condicionalismos externos. Outros países, com os mesmos condicionalismos, prosperam.
Se em vez de estarmos à espera de miríficas alterações de condicionalismos externos nos concentrássemos na resolução dos nossos problemas dentro desses condicionalismos talvez a motivação para participar fosse maior.
O que surpreende, é o autismo de personalidades ( cuja competência é inquestionável ) da Esquerda, face aos resultados práticos da estratégia seguida.
ResponderEliminarPara além da estratégia ser absolutamente incompetente,
quem defende a Democracia e se revindica de Esquerda,
não pode menosprezar e desconsiderar a vontade do
(...seu !!!) Povo.
Não consegui perceber a que "esquerda" o articulista se refere !
ResponderEliminarJá o disse e repito. Do euro pode-se sair pela esquerda ou pela direita. Mas ficar nele, só pela direita...
ResponderEliminarHá duas perguntas fundamentais.
A primeira:
- A quem serve uma saída do euro?
Ao grande capital europeu, por exemplo numa saída pela direita, como aquela com que a Merkel ameaçou a Grécia (e outros estados ultra-endividados e fragilizados da periferia), imposta por desenvolvimentos da crise europeia.
Ou ao povo português, numa saída pela esquerda, para se libertar dos sufocantes constrangimentos externos que, antes do Tratado Orçamental e de outras regulamentações(como a governação económica e o semestre europeu), já aí estavam, e aí continuam, a restringir brutalmente o necessário investimento, de que o país precisa como pão para a boca, a condená-lo no fundamental à estagnação (como já sucedia antes do Tratado Orçamental), e mesmo à recessão, e a amarrá-lo eternamente à austeridade, que serve os lucros de uma pequeníssima minoria à custa do reforço da exploração e do empobrecimento da população.
A quem serve a saída do euro, magna questão a que as forças de esquerda consequente têm que saber dar a resposta certa, mas que não pode, contudo, fazer olvidar a outra grande questão, tão ou mais premente que ela:
- A quem serve a permanência no euro?
A pergunta aí fica, despida de toda a retória que a embrulha e a evita, como uma pedra lançada à cara da esquerda avestruz, que enterra a cabeça na areia (como popularmente se dizia das avestruzes) a fingir que o problema não existe.
Precisamos de esquerda que não fuja das perguntas difíceis. E das respostas sábias.
HM
Olhe Victor Nogueira, eu percebi muito bem. Mas suspeito, pelas suas aspas (talvez, pelo menos nalguns casos, um pouco excessivas), que o senhor também terá compreendido...
ResponderEliminaras classes populares cada vez mais eurocépticas
ResponderEliminarNão vejo fundamentos para tal afirmação.
Não sei como se definem "classes populares" mas, seja como fôr, não é para mim nada claro que elas sejam eurocéticas.
"É por estas e por outras que atirar para a escala europeia, para a mirífica reforma da arquitectura institucional do euro, as possibilidades do progresso tem como um dos principais efeitos perversos acentuar a sabedoria popular de que isto no fundo não depende de nós."
ResponderEliminarA este propósito convém recordar o que aconteceu ao sector têxtil em Portugal.
Há uma década (?) atrás todos os condicionalismos externos apontavam para o seu total desaparecimento:
- Concorrência de quase todo o lado (China, Índia, América do Sul, ...) com custos de produção imbatíveis num mercado globalizado;
- Uma moeda forte que penalizava as exportações para o exterior da EU;
Se estivessem à espera que estes condicionalismos fossem "resolvidos" (proteccionismo, saída ou desvalorização acentuada do euro) tinham mesmo desaparecido. Em vez disso os industriais do sector (que também se modernizaram ultrapassando outro forte constrangimento, mas desta vez interno) concentraram os seus esforços em resolver aquilo que efectivamente podiam resolver à sua escala. E conseguiram, mantendo-se os constrangimentos, ultrapassar a situação difícil e as perspectivas nada animadoras.
Por isso repito. Colocar a tónica da análise apenas nos constrangimentos externos (que a grande maioria sente e sabe que realisticamente pouco ou nada se vai alterar no curto e médio prazo) só contribui para o tal reforço da "sabedoria popular de que isto no fundo não depende de nós".
É completamente idiota falar de Europa e mencionar 40 anos, quando Portugal na CEE só a partir de 1986. Isso dos 40 anos são outros saudosismos...
ResponderEliminarPor outro lado, quem nestes debates vem falar de responsabilidades internas dos últimos 40 anos, também não quer debater o que vem, quer é manter uma discussão sobre o sexo dos anjos. Talvez ao fim de 20 comissões parlamentares se decida alguma coisa...
Quer uma pessoa se reveja numa permanência neste Euro (ou noutro), ou com a saída deste Euro (ou de um Euro qualquer), não lhe faz mal nenhum ter debaixo da mesa um plano para ir na direcção contrária. Ou seja, independentemente de eu acreditar que é benéfico ficar no euro, não posso descartar os argumentos a favor de sair do euro. E vice-versa. No final, pesados os impactos, leva-se essa proposta a eleições.
O problema do nosso desgoverno, eleito sim senhora, é que nunca ponderou outra alternativa. Não porque sejam de direita ou de esquerda, porque são centrados. Neles mesmos, entenda-se!
Há por aí muitas opiniões. Se procurar oiço os que defendem que fiquemos como está, que fiquemos noutro euro (e destes os que propõe medidas e os que apenas dão vagos sentimentos) e os que defendem que se saia. Os únicos que gritam e rasgam as vestes são os primeiros.
Dito isto, quais são os países com os mesmo condicionalismos que prosperam? Porque é que não é viável reformar o euro? Quais os problemas de sairmos, não do euro, mas da UE? Algumas destas poucas perguntas, estão respondidas aqui no blog. Nos comentários até há vozes que servem de contraditório. O que não há é saudosistas com respostas...
“Quebrar este círculo é o principal desafio”
ResponderEliminarDe facto, isto está uma grande confusão.
Os candidatos dos partidos ao Parlamento Europeu (PE) fazem campanha, dizem o que lhes vai na alma, como se o país fosse para eleições legislativas.
Francamente, o que é que interessa ao PE a situação particular de Portugal, a sua saga da austeridade, do desemprego, do empobrecimento? O que interessa ao PE que este “governo seja o mais extremista da democracia” (Assis dixit), ou que Nuno Melo diga que “é a austeridade que vai a votos”?
Tudo isto me parece manobra de diversão, enquanto os assuntos europeus são simplesmente escamoteados. Preferia uma discussão em torno de 2 ou 3 ideias concretas (exercício da democracia na União Europeia, constrangimentos ou não à permanência no euro, controle ou não à fuga de capitais) à conversa fiada com ideias avulso.
Porque não aparecem os candidatos a deputados, integrados nos grupos a que pertencem (ou vão pertencer) no PE, em vez de se apresentarem como candidatos de partidos nacionais? E quem são e o que defendem esses tais grupos (NGL, ECR, EPP, etc. etc.)?
Por fim, além de directivas sobre a migração das aves ou do fumo do tabaco nos lugares públicos, era suposto conhecermos mais qualquer coisita que possa sair desse PE…Ou não?