terça-feira, 29 de abril de 2014
Os jogos do poder (II)
«Vale a pena dar um salto no tempo, para o mesmo local [sede do Banco de Portugal], e ouvir o que tem, hoje, a dizer sobre o "problema" [a "República", em contraste com a "parte sã", os bancos] um actual conselheiro de Carlos Costa, o ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar:
"Excesso de crescimento do crédito e da dívida privada; a persistência no défice orçamental excessivo; a exagerada transferência de recursos para sectores de bens não transaccionáveis; a diminuição da concorrência; a procura de rendas em sectores regulados e protegidos."
Nesta perspectiva, temos, então, cinco causas para o problema. Mas apena uma delas, a segunda, o défice orçamental, pode ser atribuída directamente à República.
E as outras? O crescimento do crédito e da dívida privada; a aposta quase exclusiva dos "recursos", crédito e dinheiro, no imobiliário; a procura de rendas nas auto-estradas, na energia e na saúde?
Gaspar não o diz, mas, como veremos, todas essas causas do problema nascem, precisamente, da "parte sã", como Carlos Costa apelidou os bancos.»
Da introdução do livro do Paulo Pena, cujo lançamento terá hoje lugar na Fnac Chiado, em Lisboa, a partir das 18h30. Entre outras dimensões que qualificam esta obra como verdadeiro serviço público (e a que o João Rodrigues já fez referência neste post), sublinhe-se a viagem que a mesma nos permite fazer - de uma forma particularmente cativante, séria e esclarecedora - a um universo por natureza opaco, complexo e dificilmente penetrável, como o é o das imbricações entre o sistema bancário e as estruturas de poder político, na era da financeirização da economia.
Aliás, no momento em que se discute o «fim da troika» - esse truque de ilusionismo que sucede ao passe de mágica da transmutação da «crise financeira» em «crise das dívidas soberanas» (com todas as implicações de economia política que daí decorrem) - este livro torna-se ainda mais importante e incontornável: ele evidencia, ao recolocar as verdadeiras causas e factores geradores da crise no centro da mesa do debate - para lá das cortinas de fumo sabiamente criadas - o quanto, na verdade, essas causas e factores se encontram inalterados.
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