terça-feira, 1 de abril de 2014

Excedente externo (II)


Se os custos e insustentabilidade do agora anunciado excedente externo foram enunciados abaixo, vale a pena reflectir um pouco sobre as consequências para o futuro daquilo que chamei num outro post de “novo normal”. Se é certo que o excedente comercial (Exportações-Importações) é o produto sobretudo de uma quebra das importações, há outras rubricas importantes a atentar na nossa balança corrente com o resto do mundo. Dada a dimensão e progressão do endividamento, é particularmente relevante aquilo que pagamos ao exterior em “rendimentos de propriedade”. Uma das novidades de 2013 é a redução do saldo dos rendimentos de propriedade devidos ao resto do mundo, contribuindo assim para o excedente. Um resultado contra-intuitivo, que penso ser explicado por duas razões interligadas: 1) diminuição dos custos do crédito bancário no exterior, já que os credores privados foram substituídos pelo BCE; 2) substituição de credores externos por credores internos na composição da dívida pública nacional.
 
Num contexto de escassez de crédito e fraco investimento, a economia portuguesa consegue assim um equilíbrio que, no entanto, assenta em alicerces pouco desejáveis. Embora não seja previsível no curto-prazo, qualquer mudança da política monetária do BCE (onde a situação da economia portuguesa não tem qualquer influência) traduzir-se-á numa situação de maior aperto e vulnerabilidade da economia nacional. Por outro lado, a recomposição dos credores de dívida pública, ao mesmo tempo que permite novas fontes de rendimento à banca portuguesa agora em crise, transforma-se, dada a sua enorme escala, num mecanismo de redistribuição de rendimento dos contribuintes para os accionistas da banca. Conclusão: conhecemos hoje um alinhamento entre a sobredeterminação externa da economia portuguesa (ver o primeiro capítulo deste relatório) e os interesses da elite nacional. Este alinhamento pode ser provisório (depende dos apetites da finança internacional), mas tem consequências no curto prazo: estabilização da economia; lastro duradouro sobre a capacidade financeira do Estado; redistribuição do rendimento interno de “baixo” para “cima”. Um novo normal.

11 comentários:

  1. "pouco desejáveis"???

    Eu, pelo contrário, acho muito desejável que o Estado deva dinheiro a bancos portugueses em vez de o dever a bancos estrangeiros. E, penso que num blogue que pugna por um caminho nacionalista, se deveria considerar o mesmo... Sendo que qualquer credor exige sempre rendimento pelo dinheiro que empresta, prefiro que o Estado esteja a pagar juros e a dar lucros à banca nacional do que que esteja a dar lucros à banca estrangeira...

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  2. Caro Luís,

    Parece-me que tresleu o texto. O "pouco desejável" está explicado a seguir, não antes.

    cumprimentos,
    nuno

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  3. Caro Nuno Teles,

    Há alguma condição em que o excedente externo seja desejável?

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  4. Quer os défices, quer os excedentes devem ser pequenos relativamente à economia. Excedentes de uns são sempre os défices de outros...

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  5. Juros da divida aos bancos nacionais - rendimento dos contribuintes para os accionistas da banca; interesses da elite nacional.
    Excedente externo - são sempre os défices de outros...
    Horror à banca,e sentimentalismo internacionalista ...tão de esquerda!!

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  6. Quer os défices, quer os excedentes devem ser pequenos relativamente à economia

    O excedente português foi, ao que parece, de 2% do PIB. A mim isso parece-me bastante pequeno...

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  7. "Excedentes de uns são sempre os défices de outros..."
    Portugal teve, desde sempre, défices. Agora, finalmente, teve um excedente. Segundo a sua própria noção de equilíbrio isso seria não só de saudar (podia ter começado por aí) mas de encorajar para o futuro uma vez que considerando o historial dos últimos anos ainda nos faltam muitos excedentes para "compensar" os sucessivos défices. Infelizmente a sensação com que se fica da leitura dos 2 posts é que o melhor mesmo era continuar com défices porque excedentes são sempre "problemáticos". Dito de outra forma, para não prejudicar os outros com os nossos excedentes o melhor é manter défices.

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  8. Caro anónimo,

    Não são precisos excendentes para compensar sucessivos défices. Uma economia sempre equilibrada elimina a dívida externa no longo prazo.

    De resto, o que procurei dizer é que "excedentes, há muitos". No seu caso, claramente fui mal sucedido na minha tentativa de ir além das "gordas" dos jornais.

    cumps

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  9. O excedente portugês é algo conjuntural e não estrutural.

    A nossa economia desde que embarcou no camimho da convergência nominal que o levou até ao Euro sempre registou défices com o exterior.

    Sem uma alteração estrutural do perfil da economia, ou através da saída do euro, vai ser muito difícil eliminar este défice.

    O governo falhou em toda a linha.

    3 anos que só serviram para dar cabo da economia.

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  10. O governo falhou em toda a linha, Concordo
    Ou se calhar cumpriu os objectivos que se propusera desde o início: que é esta miséria confrangedora em que um ministro de direita extrema esclama do alto do seu extremismo que Portugal está bem , os portugueses é que não.

    Em meados do ano passado registavam-se estes números:
    "Só nestas três operações: juros da dívida, intervenções na banca e contratos SWAP, os portugueses pagam, a cada dia que passa, qualquer coisa como 30,6 milhões de euros"

    Há quem defenda a banca enquanto estigmatiza os que trabalham e vivem da sua labuta diária.
    Opções.Que se traduzem também na postura perante a vida e o futuro.

    De

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  11. "Nos últimos 3 anos a dívida pública aumentou 55.000 milhões de euros, mais 35%. Ou doutra forma, ¼ da dívida actual é da responsabilidade dos últimos 3 anos.
    As previsões da troika quanto à evolução da dívida prometiam um rácio de 115% do PIB em 2013, e o que se verificou foram cerca de 130%.
    Estes factos mostram o fracasso claro da estratégia seguida."

    Eis o magnífico resumo da governação da direita radical ultraliberal

    De

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