terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Ir aos mercados para ganhar eleições

De acordo com o cenário apresentado pelo FMI nas 8ª e 9ª avaliações, para que a dívida pública portuguesa fosse sustentável seria necessário:

- um saldo orçamental primário próximo de 3% do PIB a partir de 2016
- um crescimento real do PIB de 1,8% ao ano
- uma taxa de inflação de 1,8% e
- uma taxa de juro dos novos títulos da dívida pública de 3,8%.

Agora, vejamos. Uma taxa de crescimento real do PIB próxima de 2% ao ano exigiria que a procura interna crescesse ou que a procura externa líquida (exportações – importações) aumentasse de forma muito acentuada. No entanto:

- O crescimento da procura interna é incompatível com a austeridade orçamental inerente a um saldo orçamental primário de 3%. Além disso, o elevado nível de endividamento das famílias e das empresas portuguesas, e os níveis historicamente elevados de desemprego e emigração, continuarão a limitar por muito tempo os níveis de consumo e de investimento.

- Quanto ao crescimento da procura externa líquida, ela depende não só da dinâmica das exportações, mas também das importações. Só num cenário de recessão duradoura é que as importações não voltarão a aumentar – mas esse cenário contradiz a hipótese de crescimento de 2% ao ano. Para que a procura externa líquida aumente o suficiente para compensar o fraco dinamismo do mercado interno e a estabilização das importações seria necessário que se verificasse um salto inaudito nas exportações nacionais.

Ou seja, nas circunstâncias atuais, é pouco credível a taxa de crescimento anual do PIB assumida pelo FMI. Para além disso, a taxa de inflação ao longo dos últimos meses tem estado próxima de zero – longe, portanto, do valor assumido no cenário do FMI (1,8%). Uma vez que a dívida se expressa em valores nominais, quanto mais lento for o ritmo de subida dos preços, mais difícil se torna pagar a dívida acumulada.

Graças às intervenções do BCE e à instabilidade financeira nas economias emergentes, as taxas de juro dos títulos da dívida pública na zona euro caíram de forma acentuada desde o início de 2014. Ainda assim, as taxas de juro dos títulos da dívida pública portuguesa a 10 anos mantêm-se acima dos valores observados antes da ‘crise das dívidas soberanas’, em torno dos 5% (5,11% na emissão de hoje).

Por outras palavras, apesar das circunstâncias internacionais favoráveis, o custo de financiamento do Estado português através dos mercados mantêm-se muito acima dos valores que, segundo o próprio FMI, seriam necessários para garantir a sustentabilidade da dívida pública portuguesa. Se recordarmos que, além disso, as perspectivas de crescimento e de inflação são muito menos favoráveis do que pressupõe o cenário apresentado pelo FMI, percebemos a insustentabilidade das taxas de juro que estão a ser cobradas pela dívida pública portuguesa.

Não obstante, o governo resolveu ‘ir aos mercados’ buscar dinheiro para pagar uma dívida impagável, com custos de financiamento cada vez menos sustentáveis. E parece estar disposto a fazê-lo novamente, empurrando os problemas com a barriga, enquanto der. Um dia destes vamos todos perceber que o buraco em que nos meteram está mais fundo. Até lá o governo vai fazendo a festa, na expectativa de que renda votos.

3 comentários:

  1. É perceptível que este Governo conta com o presumível apoio Internacional em momentos chave do seu mandato e o mais importante será o da definição da ida ou não ida aos mercados financeiros...Se esse apoio suceder nem que seja de forma cirúrgica e momentânea, os nossos governantes vão poder ganhar a sua luta, ainda que depois tudo se desmorone, mas então, já estarão novamente no Poder!...Acho que é essa a estratégia que decorre, e nela estará perfeitamente enquadrada, a hierarquia financeira quer Nacional, quer Internacional.

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  2. O cenário do FMI seria possível se Portugal mudasse de rumo, o que não parece expectável. Porém, um programa cautelar também não é solução pelas razões que apresento neste post: http://marques-mendes.blogspot.pt/2014/02/programa-cautelar-sim-ou-nao.html

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  3. Assim de repente, nem o buraco nem a técnica de empurrar com a barriga são exclusivo deste governo (portanto, deixem-se de branquear as acções dos Governos anteriores, PS e PSD's).
    Não que estejam a agir bem, mas o PS foge com o rabo à seringa quando é chamado a contribuir, e limita-se a disparar vacuidades. Com algumas delas pretendem ir a votos?!

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