quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Resgatar a nossa democracia


O vice-primeiro-ministro e a ministra das Finanças estão a sondar as entidades que compõem a troika para perceber até onde irá a sua boa vontade com vista a suavizar a política de empobrecimento que já conduziu ao desespero muitos milhares de famílias, em Portugal e noutros países, e está a conduzir a uma grave erosão da nossa democracia. As primeiras notícias desses encontros não são animadoras. Olli Rehn e Durão Barroso ter-lhes-ão dito que "as soluções têm de ser encontradas pelo governo de Lisboa e que a paciência dos parceiros europeus tem os limites cada vez mais apertados".

Terminada a ronda pelos credores, realizadas as eleições alemãs e as nossas autárquicas, os portugueses serão informados do que os espera em 2014. Ver-se-á então que a breve pausa na descida aos infernos era apenas um compasso de espera no círculo perverso que liga cortes no Estado social, mais recessão, menor receita fiscal e mais despesa em subsídios de desemprego e outros, défice persistente, nova ronda de cortes, ao mesmo tempo que a despesa em juros e o peso da dívida aceleram. Neste contexto, quando o fracasso da política entra pelos olhos dentro, o que mais espanta é ver como as perguntas dos jornalistas e o discurso dos comentadores que passam pelos canais de televisão permanece imune à realidade. Com honrosas excepções, a pertença à zona euro é apresentada como um dado da natureza, sendo o Memorando apenas o início de uma nova etapa da integração europeia que nos obriga a alcançar excedentes orçamentais para reduzir a dívida pública até 60% do produto. O desemprego em massa, a emigração dos mais capazes, a pobreza e a miséria, são as variáveis de ajustamento a que teríamos de nos habituar.

Bem sei que a crença numa mudança na orientação da UE é a esperança a que muitos portugueses e uma parte importante das nossas elites ainda se agarram. Talvez seja mesmo a grande motivação de Paulo Portas no exercício dos poderes alargados que conquistou no actual governo. É certamente o que mais desejam as personalidades mais críticas do PSD. Foi também a essa esperança de mudança na Europa que António José Seguro se agarrou na entrevista que deu esta semana. No entanto, é uma esperança desesperada. Como alguém lembrou num debate sobre os chumbos do Tribunal Constitucional, uma vez chegados ao fim do Memorando, é muito provável que o BCE apresente condições inconstitucionais para aceitar baixar as taxas de juro da dívida portuguesa. Poderá mesmo exigir a assinatura do Partido Socialista num novo Memorando, agora sem troika, na falta da qual não haverá financiamento público ou privado ao Estado português. Será então o PS a alternativa?

O peso do ordoliberalismo na cultura alemã e uma estratégia económica cada vez mais virada para os BRIC não permitem antever grandes mudanças na UE, mesmo que se venha a reeditar a grande coligação CDU-SPD. Afinal, já em 1970 Willy Brandt tinha dado instruções ao seu ministro das Finanças para que colocasse a marca alemã nos planos para uma união monetária para que a sua visão da política monetária prevalecesse. Assim sendo, a diplomacia da mão estendida, pedindo mais tempo para uma redução "estrutural" dos défices através da demolição do Estado social, é não só uma humilhação nacional mas também uma traição ao nosso Estado de direito, democrático e social.

De facto, a alternativa existe, mas, como em todos os casos de mudança de paradigma, só é acessível aos que estiverem dispostos a romper com as ideias velhas. Por exemplo, em vez da moeda única, uma união europeia de pagamentos para os países da periferia que abandonem o euro; financiamento público através do banco central; programa de criação de empregos socialmente úteis. São apenas três dimensões de uma via para o resgate da nossa democracia, antes que nos afundemos na desesperança.

(O meu artigo no jornal i; foto via Aventar)

1 comentário:

  1. Achei curioso o facto de achar que são os mais capazes que emigram.

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