segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Leituras greco-alemãs

Recupero um excelente artigo no The Guardian do final de Agosto, dos que valia bem a pena traduzir, da autoria de Costas Lapavistas, economista marxista grego da Universidade de Londres e um dos impulsionadores dos trabalhos do Research on Money and Finance sobre a reestruturação da dívida grega e a saída da Grécia do euro. A mensagem de Lapavitsas é clara: a Grécia deve recusar mais uma ronda de “ajuda”, expressão que inacreditavelmente ainda infesta a imprensa nacional, dado o desastre depressivo das anteriores, que serviram sobretudo os interesses dos bancos do centro europeu. Esta nova ronda indica, uma vez mais, que as elites europeias farão tudo o que estiver ao seu alcance para que a cadeia não se quebre por um dos seus elos fracos, até porque, como reconheceu recentemente o presidente do Bundesbank, “uma saída teria vastas consequências para os nossos bancos e empresas”. De resto, quando um economista marxista grego se junta a um economista keynesiano alemão, Heiner Flassbeck, o resultado de uma cooperação intelectual frutuosa entre diferentes tradição críticas é um detalhado estudo para a Fundação Rosa Luxemburgo sobre a crise do euro.

3 comentários:

  1. Já li o estudo do Lapavitas e do Flassbeck. Todo ele, seja no diagnóstico seja na proposta de terapia, assenta na correlação detetada entre o crescimento dos custos unitários do trabalho e a taxa de inflação (p. 8, fig. 1), a partir da qual os autores retiram a conclusão basilar de que os custos unitários do trabalho são o determinante fundamental da inflação, seja para cada país seja para o conjunto da União. Se não for assim, toda a sua construção teórica, toda a sua análise e grande parte das suas propostas se esboroam.

    Olhando para o gráfico, a existência de correlação parece bastante convincente. Mas é bem sabido que uma correlação não traduz necessariamente uma relação de causalidade. E, havendo causalidade, importa ver qual das variáveis é a causa da outra, ou se têm ambas uma causa comum.

    Os autores, em minha opinião, de modo demasiado ligeiro, em qualquer caso de modo muito pouco convincente, concluem que são os custos unitários do trabalham que determinam a inflação e não o contrário.

    Ora eu olho para o gráfico, que convém ampliar, e, apesar de não ser muito detalhado (valores anuais) e de uma ou outra inevitável exceção (determinada eventualmente por razões particulares, como a crise, ou conjunturais), o que vejo é que as variações das duas variáveis são, no limite da imprecisão dos dados, simultâneas, caso que não permite concluir qual precede a outra, ou que as variações da inflação antecedem as variações dos custos unitários do trabalho. Mas se são os custos do trabalho que seguem a inflação e não o inverso, cai por terra a tese central e o essencial do estudo dos dois autores.

    Na verdade, mesmo sem aprofundar aqui a questão, faz sentido que os custos unitários do trabalho, pelo menos nalguma medida, respondam às variações da inflação. Como a produtividade varia lentamente, de um ano para o ano imediatamente seguinte a variação dos custos unitários do trabalho é, basicamente, a variação dos custos do trabalho tout court, a variação da remuneração dos trabalhadores.

    Sabemos que o neoliberalismo conseguiu, por exemplo, quebrar regras de indexação dos salários à inflação, mas nas sociedades europeias, a resistência, maior ou menor, mais ou menos organizada, dos trabalhadores, se nem sempre consegue infelizmente evitar perdas do poder de compra, às vezes significativas, consegue contudo não desacompanhar por completo a evolução dos salários do ritmo da inflação. Por exemplo, em Portugal, como noutros países europeus, o referencial da inflação registada (tal como o da prevista) é invocado e brandido na luta social e política aquando da discussão do orçamento do Estado e da fixação anual dos salários dos funcionários públicos, que dá a bitola para os aumentos dos restantes trabalhadores. Nem sempre se consegue que o aumento dos salários dos trabalhadores seja tão grande como a inflação (seja a registada seja a prevista), mas os trabalhadores lutam para não perder (se possível ganhar) poder de compra e geralmente consegue-se algum aumento nominal, ou seja, ainda que de forma mitigada, de um ano para o outro, a evolução dos salários não está completamente desprendida da evolução entretanto verificada da inflação.

    (continua)

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  2. (continuação)

    A evolução da produtividade do trabalho faz-se no longo prazo e, em primeira aproximação, no curto prazo, pode ser tomada como constante. A evolução dos rendimentos do trabalho, por contraste, faz-se significativamente no curto prazo (pelo menos, muito mais significativamente que a produtividade) e, mesmo que não linearmente, leva em conta a inflação. Não é por conseguinte surpreendente que, no curto prazo, a evolução do rendimento per capita dos trabalhadores empregados dividido pela produtividade do trabalho, isto é, a evolução do custo unitário do trabalho, siga de algum modo a evolução da inflação. Daí a correlação, que os autores parecem, em termos de causalidade, interpretar ao contrário.

    Digam-me por favor que isto não é tudo uma tremenda banalidade: que a produtividade varia lentamente, que a luta social e política consegue que a remuneração dos trabalhadores não se desligue da inflação e, por conseguinte, que o custo unitário do trabalho segue a inflação no curto prazo, como me parece confirmar o gráfico, e não o contrário, como concluíram, sem justificação, Lapavitsas e Flassbeck.

    Agrada-me sempre quando vejo reconhecida a importância dos salários, especialmente quando vejo que a compreensão não se fica pela constatação superficialíssima do seu peso em relação ao dos equipamentos, materiais auxiliares e matérias-primas (e outros custos), e vai mais fundo à compreensão de que estes são últimos são igualmente produto do trabalho humano, que também teve que ser pago. Mas acho muito estreita (e errada) a ideia de que a inflação é determinada fundamentalmente pelos salários.

    Digam-me, por favor, que a tese central deste estudo não é mais do que um equívoco, suportado numa interpretação invertida de uma correlação gráfica.

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  3. Parece absurdo este paragrafo final do Lapavitsas no artigo do Guardian:
    "The current Greek government is, of course, incapable of following such a strategy since it is entirely subservient to the lenders. The only hope lies with the left, led by the official opposition, the party of Syriza. There is profound anger and despair in the country that has rebounded mostly to the benefit of Syriza but also of the fascist right. A government on the left offers a chance to restore some sanity to Greece, helping to change the course of the continent before the ghosts of the past really make a comeback."

    Se esta oposicao for liderada pelo Syriza, a saida do Euro pretendida por Lapavitsas nunca se concretizara'. Este partido e' uma amalgama de gente de varias origens que teem em comum o facto de serem europeistas. Comprometeram-se publicamente a aceitar o status quo da UE e os seus ditames. Servem sobretudo para enganar o povo com falsas bandeiras. Se algum dia chegarem ao governo renegarao tudo o que prometerao e alinhar-se-ao pela batuta dos EUA e UE. Sao uns vigaristas trapalhoes que estao ali para combater o KKE. Nesse sentido, sao funcionais aa direita grega.
    JF

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