segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Economia política das pensões

Martim Avillez, na sua última coluna no Expresso, defende que o sistema de pensões por repartição em vigor “depende em absoluto da matemática da natalidade e do emprego” e que por isso estaria condenado. Adoro o uso da expressão “matemática” para tentar dar uma aparência de rigor ao que não passa de manipulação ideológica. É que por uma razão misteriosa Avillez não informa os leitores que qualquer sistema de pensões, incluindo o de insegurança social por capitalização, depende da mesma “matemática”, da produtividade da força de trabalho. Ou será que se acha que há almoços grátis à nossa espera no casino financeiro?

Na realidade, no casino, os almoços são mais caros, na cozinha rouba-se comida para pagar salários milionários a cozinheiros que só sabem inventar mixórdias, inventam-se despesas com entradas, uma minoria come caviar e as intoxicações são frequentes para a maioria.

Como sublinha Maria Clara Murteira num livro que é todo um antídoto contra a manipulação – A economia das pensões – qualquer sistema de pensões depende das forças económicas e de mecanismos de decisão sobre a parte da riqueza que em cada momento vai para o capital e para o trabalho, para trabalhadores activos e para os reformados. O sistema por repartição é menos opaco sobre a decisão política que subjaz a essas divisões, é mais justo, tem menos custos de transacção e cria laço social, o tal estamos todos juntos nisto. A questão social é mesmo a da criação de emprego e de riqueza e da sua repartição.

O paradoxo está nas projecções europeias de sustentabilidade em que este Governo se baseia. Portugal aparece como dos países em que o sistema de segurança social está mais equilibrado. Pouco importa, porque a crise gerada pela austeridade é mesmo uma oportunidade, o governo está cheio de vontade de passar para a fase seguinte do seu plano de residualização do Estado social. O governo tem alguns problemas, ilustrados pela história dos fundos de pensões da banca que foram socializados, revelando no processo duas coisas: o desastre dos fundos e a capacidade da banca em transferir para o público os seus custos. A estratégia é ir erodindo o sistema e pervertendo-o inventando esquemas que o aproximem da capitalização, como contas individuais, até chegar ao plafonamento, a machadada final. E, entretanto, meter medo às pessoas, claro.

Paralelamente, o governo tem ainda a seu favor o facto de haver muito dinheiro no sector financeiro: o tal medo tem levado uma politicamente influente minoria, a tal “classe média”, que poupa a investir em PPR’s e noutras ilusões. O sector dos seguros parece ir de vento em popa. Há dinheiro privado para investir na luta das ideias. E dinheiro público, bastando ler o que produz a Comissão Europeia, mais radical que o próprio Banco Mundial.

Termino com um conselho: quando lêem estudos que prescrevem a privatização aberta ou encapotada da segurança social, têm de fazer uma pergunta prévia – quem os pagou? É que, por exemplo, sob o manto diáfano da respeitabilidade académica nesta área, encontrarão muitas vezes, também em Portugal, o sector financeiro a pagar, em linha com as práticas de comercialização e perversão da ciência em curso à escala internacional. Trata-se, em certa medida, de aplicar aos economistas que se curvam perante o homo economicus, sobretudo a estes, as mesmas hipóteses de incentivos pecuniários e de egoísmo racional que eles atiram a tudo o que é humano.

2 comentários:

  1. Eu concordo.
    Já agora- http://salvaraves.blogs.sapo.pt/

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  2. Sobre esta questão, acho que tão miseráveis são os que escrevem como os que mandam escrever. Destes, porém, não só nada se pode nem deve esperar como não admira que assim pensem. É o seu código genético a trabalhar. Dos que escrevem, porém, espera-se e deseja-se que mais cedo do que mais tarde engulam bem fundo as suas miseráveis opiniões.

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