A crise política que agora termina foi aproveitada pela esmagadora maioria dos analistas da comunicação social, alguns travestidos de jornalistas, para insistir na inevitabilidade da chantagem já conhecida: ou cortamos 4,7 mil milhões de euros na despesa do Estado social, alguma coisa já este ano e em força no próximo, ou enfrentamos a suspensão do financiamento da troika. Ao promover o falhado acordo de "salvação nacional", o Presidente da República quis dizer-nos isso mesmo, o destino de Portugal só pode ser o de um território pobre dentro de uma UE dotada de um governo tecnocrata que dará visto prévio aos orçamentos nacionais. Daí a sua preocupação em gerar um consenso alargado sobre o caminho para o empobrecimento de Portugal nos próximos anos, para o "pós-troika" como lhe chama.
A esmagadora maioria dos analistas fala da necessidade dos cortes na despesa do Estado social assumindo que tais medidas reduzem o défice público. Depois do que aconteceu nos últimos dois anos, aqui e no resto da zona euro, só por má-fé podem insistir em dizer que o corte de 4,7 mil milhões de euros é indispensável. Dentro de algum tempo, face ao agravamento da espiral depressiva que tal redução na despesa implica, e a consequente manutenção do défice público, seremos obrigados a ouvir esta gente séria defender a necessidade de novos cortes. Se, genuinamente, alguém quer tirar o país do desastre para que foi levado, então não pode aceitar quaisquer cortes no Estado social, mesmo que fossem "apenas" 500 milhões, porque o seu efeito multiplicador será sempre fortemente recessivo. A saída desta crise exige mais despesa pública e não menos, o que evidentemente não é possível dentro da zona euro.
É preciso dizer a verdade aos portugueses: a criação de uma dinâmica que reduza o desemprego significativamente e faça regressar os jovens que têm emigrado só é possível com uma política orçamental expansionista de grande escala, uma política que está proibida pelo recente Tratado de Estabilidade, que institucionalizou o ordo-liberalismo germânico na política orçamental da zona euro. Política orçamental keynesiana, tributação progressiva, pleno emprego, pensões financiadas por repartição solidária, Estado social interclassista, política industrial, protecção comercial inteligente são outras tantas dimensões de uma estratégia de desenvolvimento que a UE impede. Como disse Robert Skidelsky num recente artigo ("Stimulus, not austerity, is the key to global economic recovery"), "A verdade é que qualquer política de relançamento da economia através do Orçamento tem forçosamente implicações reformistas. É por isso que os defensores da austeridade se lhe opõem, e é também por isso que mesmo os que aceitam em teoria a necessidade de um estímulo insistem que ele deve ser realizado apenas através da política monetária".
O novo governo bem pode falar de um "novo ciclo". O certo é que o Orçamento de 2014 está à sua espera e tem de ser apresentado em Outubro. Mesmo que possa beneficiar de alguma suavização da austeridade, no quadro de um fingimento europeu de que somos um caso de sucesso, o governo estará muito em breve confrontado com uma realidade que não pode mudar: os bancos europeus (os nossos e os outros) afundam-se antes que haja união bancária em pleno, o eleitorado anti-euro cresce, os operadores financeiros começam a temer o pior e a Alemanha só conhece a via das "reformas estruturais". Alguém no governo já terá percebido que esta destruição, o preço que a Alemanha cobra para viabilizar o euro, é a destruição do nosso futuro como nação soberana. Mas não vê saída, como De Gaulle na guerra da Argélia e Marcelo Caetano nas guerras coloniais. Para enfrentar com determinação esta dura realidade, Portugal precisa de uma liderança política com visão, de uma liderança que faça a ruptura. É urgente que ela apareça.
(O meu artigo de ontem no jornal i)
A crise política não acabou.
ResponderEliminarOs arrufos destes gabirus... talvez!?
O grave do momento presente, está na perda de legitimidade ( cá em casa e lá fora!) de um regime que, de tão podre que está, procura preservar a sua existência, agarrando-se com unhas e dentes, á formalidade e força, do poder instalado.
Estes gabirus, além de serem uma cambada de " Miguéis Vasconcelos ",
ainda por cima, não têm credibilidade nenhuma!
As "Direcções" do regime da democracia representativa,
estão todas capturadas.
Não há volta a dar!
...tem de ser...
pela JANELA!
Πορτογαλία
ResponderEliminar"A saída desta crise exige mais despesa pública e não menos, o que evidentemente não é possível dentro da zona euro."
ResponderEliminarE é possível fora da zona euro? Realisticamente, como? Imprimindo "escudos"? Essa é que é a questão e sem lhe responder não valia a pena continuar ao seu post.
O Anónimo da questao, se é leitor assíduo do blog, sabe como por aqui que a saída do Euro nao é um assunto tabu.
ResponderEliminarJa que gosta de perguntas, dolorosa como pudesse ser, a saída do euro seria mais ou menos dolorosa do que a actual situaçao?
Mas alguém tem dúvida de que o que o nosso país tem de fazer é pura e simplesmente, declarar unilateralmente a cessação dos pagamentos.!
ResponderEliminarE quem é que disse que se fizer-mos isso vamos para a ruina.!?
Vocés são mas é malucos. Se cessar-mos os pagamentos unilateralmente, ficamos é mais ricos pois deixa de sair do pais o dinheiro que está a sair e que é uma autêntica sangria.
Os chamados credores que venham cá penhorar as estradas e os hospitais e tudo o que foi construido com o dinheiro que eles emprestaram (porque quiseram e lhes convinha e porque antes o tinham sacado aos outros paises, como nós). Aliás, se eles tinham para emprestar é porque outros não o tinham. É que, para uns terem muito há outros que não têm nada ou têm pouco. É simples.