Sala Mecenato BES (ISEG)
Veio enfim um tempo em que tudo o que os homens tinham olhado como inalienável se tornou objecto de troca, de tráfico, e podia alienar-se. É o tempo em que as próprias coisas que até então eram comunicadas, mas nunca trocadas; dadas, mas nunca vendidas; adquiridas, mas nunca compradas - virtude, amor, opinião, ciência, consciência, etc. - em que tudo enfim passou para o comércio. É o tempo da corrupção geral, da venalidade universal.
Karl Marx
O que têm em comum Ricardo Salgado, António Mexia e Eduardo Catroga? Para além de serem muito bem pagos, são também Doutores Honoris Causa pelo ISEG-UTL. O primeiro desde ontem, o segundo desde a semana passada e o terceiro desde o ano passado. O que é que um plutocrata e dois videirinhos têm em comum com os verdadeiros Doutores Honoris Causa da distinta história do ISEG nesta e noutras áreas – vejam a lista, é toda uma história da ciência económica, do debate público qualificado sobre políticas? Não têm nada em comum.
Como antigo estudante do ISEG, esta subversão recente entristece-me profundamente, mas não me espanta. Já nada me espanta num tempo em que a profecia de Marx desgraçadamente ameaça cumprir-se e em que continua a ser tarefa intelectual e política prioritária garantir que não se cumpra. Satisfaz-me, no entanto, saber que, em última instância, ainda vigora a intuição civilizadora: amor e amizade pagos deixam de ser amor e amizade, são outra coisa, Doutoramentos Honoris Causa, concedidos na sala CGD, a ironia, que se dão por razões que estão certamente para lá da academia, da vida cívico-cultural, da política como serviço público, não honram quem os dá, nem quem os recebe, não são honoris causa, nem doutoramentos. O ISEG é muito melhor do que isto, tem uma história que merece mais respeito.
No entanto, proponho que finjamos que levamos a sério a última cerimónia e que imaginemos o que o “padrinho” de Salgado, João Duque, terá dito: o Doutor Ricardo Salgado ensinou-nos a fugir com capitais, a reconstruir, a golpes de política, o poder financeiro, a desenhar parcerias público-privadas lucrativas, a capturar políticos e não só, a entrar em conselhos de ministros para fazer valer os seus interesses, a minimizar obrigações fiscais, a beneficiar de ditaduras e de democracias que se parecem com plutocracias, a mandar vir a troika para ajustar contas com o que resta da economia política do 25 de Abril e muito mais.
No final, embalado, João Duque defendeu, em declarações ao Público, a pós-democrática proposta de Cavaco, lembrando que “estamos em guerra”. Estão mesmo em guerra. Contribuir na medida das nossas possibilidades para que a percam, também no campo das ideias, é talvez a melhor forma de honrar a dívida para com o ISEG.
De facto, hoje parece que ninguém presta para nada salvo os senhores do dinheiro. Um doutoramento honoris causa deixou de ser uma honra concedida a um intelectual. Para ter graus, para ser Presidente dos Conselhos Gerais (ou lá o que é) das Universidades o que é preciso é ter massa. Títulos, honrarias vêm por acréscimo.
ResponderEliminarJoão Duque no confessionário: João Duque: entre a finança e as convicções cristãs
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Excertos do testemunho de João Duque, presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão, na Capela do Rato, em Lisboa. «Eu sou professor que ensina a génese do mal. O homem prefere ter mais do que menos, mas isto choca com os modelos de despojamento de materialidade, que são os princípios que me ensinaram para passar pelo buraco da agulha. Passo o tempo a ensinar as pessoas a fazerem exatamente o contrário do que eu devia ensinar. Toda a gente devia aspirar a proporcionar a transferência da riqueza para os outros, e não procurá-la para si. Vejo-me constantemente a infringir aquilo que acredito ser a palavra da salvação. É uma luta que me desfaz. Por isso procuro arranjar maneiras de reconciliar-me.»
Pelos vistos ele também deve ter se reconciliar com o principio: "I shall not suck cock"
ResponderEliminarO drama não são tanto os doutores honoris causa de aviário. São os que fizeram um percurso académico dito normal e que sistematicamente manifestam uma ignorância confrangedora da economia. O chorrilho de disparates que "grandes" figuras de economistas da nossa praça insistem em debitar diariamente causa-me uma perplexidade imensa. Por exemplo, a frequência com que esses economistas (?) nos vêm dizer, das mais diversas maneiras, que é preciso diminuir os salários para aumentar a nossa competitividade e até, pasme-se! a nossa produtividade, só pode sair da cabeça ou de ignorantes ou de ganzados em último estádio. E ai de quem quiser vir a público contradizer essas imbecilidades!...
ResponderEliminarQuando neste país de "jotinhas" e jotacracia, se realizam vergonhosas promoções de carreirismo político à sombra de partidárias e anacrónicas "universidades de verão", já nada me espanta que os seus mentores se autopromovam, inter-pares, com vergonhosos doutoramentos honoris causa. É a socialite política no seu esplendor!
ResponderEliminarSeria interessante, que além de gastarem tempo a escrever um post ou um comentário, dedicassem algum tempo a perceber o porquê desses doutoramentos.
ResponderEliminarSe assim tivessem feito, perceberiam que quem os decidiu foi o antigo reitor da UTL, falecido no entretanto, pelo que a sua vontade teve de ser feita, e os doutoramentos atribuídos.
Assim sendo, se calhar os textos escritos não fazem tanto sentido.
Infelizmente só a ponta do iceberg da validação académica do neo-liberalismo plutocrata. A esmagadora maioria dos "académicos" tem telhados de vidro e só pode dizer que sim a estes escroques.
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