Um dos parágrafos mais importantes da carta de demissão de Vítor Gaspar, aquele em que refere o incumprimento dos limites do défice e da dívida, termina assim: "A repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto ministro das Finanças." Desde então, a palavra-chave para analisar esta crise política, pronunciada nas televisões até à náusea, é "credibilidade". Os economistas do pensamento dominante garantem que a credibilidade do país foi abalada mas talvez ainda possa ser recuperada, avisando contudo que seria muito pior se houvesse eleições. Ficámos pois a saber que esta política económica ainda pode ser credível mesmo com um nível de desemprego que se tornou uma calamidade social, com uma dívida pública descontrolada e um défice no Orçamento do Estado que resiste à austeridade. Que tipo de credibilidade é esta?Segundo a ortodoxia, os Programas de Ajustamento Estrutural que há décadas o FMI impõe - austeridade selvagem, privatização de empresas públicas, desregulação do mercado de trabalho, desmantelamento do Estado social - são credíveis por natureza, já que são concebidos por inspiração da corrente do pensamento económico designada por novos clássicos. Em "The Political Economy of Policy Credibility", Ilene Grabel explica a lógica desta credibilidade intrínseca: 1. Uma política económica é credível na medida em que possa perdurar; 2. Uma política económica tem maior probabilidade de perdurar se conseguir alcançar os seus objectivos; 3. Uma política económica consegue mais facilmente alcançar os seus objectivos na medida em que induza comportamentos que, no seu conjunto, são consistentes com esses objectivos; 4. Uma política económica consegue induzir com eficácia tais comportamentos se traduzir e operacionalizar uma teoria da economia de mercado que seja verdadeira; 5. Para uma política económica traduzir a verdadeira teoria do mercado deve seguir o pensamento dos novos clássicos.
Por conseguinte, só são credíveis as políticas económicas baseadas no mito das expectativas racionais dos agentes económicos e na sua racionalidade optimizadora, a que acresce a visão reducionista da economia como agregação de comportamentos. Este conceito de credibilidade não apenas pressupõe um pensamento único na teoria económica como também vira as costas à realidade. Nela não há lugar para comportamentos guiados por padrões culturais, por normas institucionais ou interesses de grupo e classe, nem há conflitos sociais. Daí o espanto de Vítor Gaspar perante os "desvios" da economia portuguesa, já que era suposto a realidade confirmar as simulações dos modelos construídos e calibrados no respeito pelo pensamento novo clássico. Sendo a realidade rebelde, como é o caso, tem de ser posta na ordem, tem de ser conformada ao modelo da teoria verdadeira, o que exige uma liderança forte, coesão inabalável no governo e um pacto entre os partidos "do arco da governação". Não sendo isso possível, a política económica estava condenada a perder credibilidade e Vítor Gaspar demitiu-se porque não estava disposto a perder a dele enquanto economista ortodoxo.
Assim, percebe-se que o exercício da democracia seja visto como uma ameaça à credibilidade das políticas de ajustamento. Nas periferias da Europa a democracia está hoje refém da crise do euro, tal como estavam os governos sujeitos ao padrão-ouro quando ocorreu a Grande Depressão. Sobre eles há uma frase lapidar escrita por Barry Eichengreen e Peter Temin ("The Gold Standard and the Great Depression"): "A economia mundial não iniciou a sua recuperação porque esta gente mudou a sua forma de pensar; antes, a recuperação começou quando a luta política de grande escala, nas suas diversas formas, retirou esta gente do governo."
(O meu artigo no jornal i)
Só varrendo este gang do podr poderá começar a recuperação, é o que dizem estes economistas conservadores
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