quinta-feira, 2 de maio de 2013

O tempo dos vendedores de ilusões


Os dirigentes socialistas europeus sabem que o conjunto da zona euro está a mergulhar numa recessão em resultado da política económica imposta pelo ordoliberalismo alemão. Porém, uma coisa é reconhecerem os efeitos perversos da actual política, outra é saberem como pôr termo ao desastre sem pôr em causa o euro. A questão pode ser vista em dois planos, o da eficácia de uma estratégia de “rigor orçamental” acompanhada por medidas de promoção do crescimento e o da viabilidade política desta estratégia.

É conhecida a deriva neoliberal da social-democracia europeia promovida por Blair e Schröder no quadro da consagração internacional do neoliberalismo na década de 90 do século passado. Uma das dimensões dessa deriva consistiu na assimilação de teorias económicas que romperam com a matriz keynesiana da política económica no pós-Guerra, em particular as que desvalorizam as medidas dirigidas à procura e as que sobrevalorizam as medidas dirigidas à oferta. Hoje são raros os dirigentes social-democratas europeus que entendem a presente crise como uma crise de procura. Não concebem que, enquanto as famílias e as empresas se desendividam, a procura terá de ser dinamizada através da despesa pública, sobretudo pelo investimento mas também pelas prestações sociais. É bem possível que alguns até entendam que assim deveria ser mas tomam como um dado da natureza, imutável, a submissão das políticas económicas à ideologia dominante no mundo da finança e aos humores dos mercados financeiros.

Observando a lista das medidas apresentadas no encerramento do congresso do Partido Socialista, salta aos olhos que as destinadas à economia são do tipo “economia da oferta”. No essencial, destinam-se a facilitar o crédito às empresas e, porventura, a aliviar a sua tesouraria quando o drama das que vivem da procura interna é a falta de clientes e de encomendas. É certo que foi mencionado um programa de reabilitação urbana, mas não se especifica se é integralmente financiado por investimento público, sendo certo que só com esse se pode contar na presente conjuntura. Haveria muito a dizer sobre esta lista de propostas mas há uma sobre política europeia que ressalta, a da mutualização da dívida pública a partir de 60% do PIB, o que nos remete para a questão da viabilidade política da estratégia de saída da crise. A realidade é que, nem Angela Merkel, nem os principais partidos da oposição (SPD e Verdes), aceitam as eurobrigações. O povo alemão não quer uma integração europeia que imponha compromissos permanentes de transferência de recursos para outros países. Por isso, uma estratégia que tenha por objectivo relançar com eficácia a procura agregada nos países em crise (muito menos na própria Alemanha, como alguns propõem) não tem qualquer viabilidade política, agora ou depois das eleições alemãs em Setembro. Assim, para não pôr em causa o euro, os sociais-democratas da periferia da zona euro estão condenados a fingir que têm uma estratégia credível e a tentar vender essa ilusão aos eleitores. Resta saber quantos serão iludidos e por quanto tempo.

(Do meu artigo no jornal i)

3 comentários:

  1. Enquanto na óptica da "oferta" interna essa ilusao da euro-mutualizaçao é de facto vender sonhos, ela pode assumir algum protagonismo nas Europeias de 2014. Esse protagonismo advirá do facto de a legislaçao Europeia ser trialogada entre Conselho, Comissao e Parlamento.

    Ao escolher o Parlamento, os cidadaos europeus acabam por afectar também a eleiçao. Certo que Portugal tem apenas 22 (de acordo com o votewatch.eu) num Universo de perto de 760, mas se essa opçao for dos, como mencionas, sociais democratas das periferias, entao o peso quer nas votaçoes, quer na própria escolha dos Comissários, será muito maior.

    Poderá suceder que esta medida nao passa tanto por uma "oferta interna" mas uma "procura externa"?

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  2. Nem mais, enquanto o marco das eleições alemãs continuará a servir de paliativo ao doente.
    Hoje lá apareceu o Zorrinho a dizer que o PS tem que ser governo quanto antes…E para quê, pergunto eu!

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  3. Não sei se o PS tem de ser Governo quanto antes, mas estes que lá estão é que têm de sair quanto antes...

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