Foi a germanização da UEM que
permitiu à Alemanha beneficiar de um grande mercado interno para as suas
exportações e sustentar a despesa da unificação com uma taxa de juro tão baixa
que empurrou os capitais para a periferia da eurozona em desenvolvimento,
produzindo aí uma subida nos preços dos bens não transacionáveis, um
crescimento do consumo intensivo em importações e uma reorientação do
investimento privado para negócios abrigados da concorrência internacional. A
partir de meados dos anos noventa, as grandes empresas alemãs reconfiguram a
sua cadeia de valor com deslocalizações para países da Europa Central e do Leste.
Ao mesmo tempo, a Alemanha apoiou a abertura comercial da UE aos países de
baixos salários pelo que, neste momento, a China ameaça ultrapassar a França
como parceiro comercial da Alemanha. Hoje, Portugal sofre os efeitos de uma UEM
feita à medida da Alemanha, enfrenta os resultados do mercantilismo alemão e do
encaminhamento dos seus capitais para a periferia através do crédito bancário
agressivo. Pior ainda, Portugal está lançado numa espiral deflacionista, imposta
pela Alemanha, que não muda as causas estruturais do seu endividamento externo
mas arruína as famílias, as empresas, os bancos e o Estado.
Por tudo isto, hoje, em Portugal,
as esquerdas não devem alimentar a narrativa da “crise das dívidas soberanas”
fixando-se na exigência de uma reestruturação da dívida pública. É por demais
evidente que uma espiral depressiva só conduz à bola de neve do endividamento
e, inevitavelmente, ao incumprimento da dívida pública. Mas esse é um problema
derivado de um outro mais profundo, o do endividamento externo da nossa
economia. Por isso, para que o discurso das esquerdas seja credível aos olhos
dos portugueses, as esquerdas têm de apresentar uma narrativa para esta crise
centrada na origem e na solução do nosso principal problema, o endividamento
externo. Rejeitando a estratégia da troika – a desvalorização interna por redução
brutal dos salários nominais – as esquerdas têm de dizer como se propõem
reequilibrar as contas externas do país. Em meu entender, terão de assumir que
Portugal não pode desenvolver-se sem uma estratégia de desenvolvimento, quer
dizer, sem política de comércio externo, política cambial e política industrial.
E, como hoje acontece, sem ter de se financiar numa moeda sobre a qual não tem
soberania. Nisto se joga a credibilidade das esquerdas.(Extracto do meu artigo de ontem no jornal i. O segundo parágrafo desta entrada apenas foi publicado na edição em papel)
Caro Jorge
ResponderEliminarObrigado por sublinhares o óbvio.
Antes de mais, dentro da linha que sugeres, é pois necessário compreender que não há lugar para nós na Eurolândia.
A economia portuguese precisa, absolutamente, duma desvalorização cambial. Não querem uma desvalorização cambial de 20 por cento? Então, preparem-se para uma "desvalorização interna" de 30 e tal por cento, a qual é desde logo socialmente muito mais assimétrica, porque só ataca os salários.
Depois, pelo meio disso tudo, fica também o problema da parcial impraticabilidade dessa receita, obviamente demasiado "austeritária" e produzindo uma série de "reforços negativos".
Mas isso já não é principal. Tal como não é o principal ficarmos fixados na dívida. E já nem insisto na questão das políticas industriais "activas"...
Mas vá-se lá dizer isto à tal de "esquerda". Que não, que era a desgraça, o apocalipse, o fim do mundo, etc., etc.
Por aqui não vamos longe. O europeísmo continua ideologicamente hegemónico, muito graças aos bons serviços da "esquerda europeia". Por isso, o pessoal vai tendo de aguentar, ou se "ir embora".
E entretanto, muita gente deixa de todo de votar... Até talvez alguma FN ou aparentado ainda pegar nalgumas das coisas óbvias aqui ditas, pintá-las como pseudo-novidades, e sacar à pala disso muitos mais votos do que a "esquerda" alucinogéneo-europeísta...