terça-feira, 7 de agosto de 2012

Do empobrecimento do Estado

Persiste na opinião pública um conjunto de ideias-feitas sobre o Estado: que gasta mais do que ganha, que é ineficiente por natureza ou que consome os recursos da economia (como se os serviços que presta não fossem também eles economia e «alavancadores» - como agora se diz - da economia). A sobrevivência e persistência destas ideias muito deve não só ao simplismo das formulações que as veiculam (embebidas num moralismo populista tão eficaz quanto fraudulento), como à desinformação (por ausência de atenção) em relação a processos continuados de empobrecimento deliberado do Estado.

Não é possível, de facto, perceber a actual situação das finanças públicas sem dar conta destes processos. Estamos a falar, entre outras coisas, do historial trágico de privatizações de sectores relevantes e lucrativos para o Estado, ou da concessão de benefícios e isenções fiscais que aprofundam iniquidades, ao mesmo tempo que depauperam as receitas públicas. No tempo recente, devem ainda somar-se a estes processos os impactos económicos e orçamentais - sobre as economias do sul - da sangria provocada por um euro desenhado para os países do norte europeu e o modelo de financeirização da economia seguido nas últimas décadas.

João Ramos de Almeida, num artigo do Público de ontem que merece ser lido na íntegra, dá conta de uma das dimensões deste processo de empobrecimento do Estado. De acordo com os cálculos efectuados, entre 1990 e 2010, «o montante dos resultados contabilísticos positivos das empresas multiplicou-se por 13, enquanto a receita de IRC apenas triplicou». Ou seja, se «em 1990 o IRC liquidado pelo Estado representava 27% dos resultados contabilísticos positivos declarados pelas empresas», passados «20 anos o IRC pesou já só 6% desses resultados», o valor mais baixo da série apurada (ver gráfico acima).

A perda de receitas gerada por esta via deve-se essencialmente a sucessivas reduções da taxa de IRC, sobretudo através da alteração da base de tributação aplicada às empresas (metade dos resultados contabilísticos deixou de ser tributado) e à diversificação das rubricas de dedução à colecta. Por sectores, em 2010 foi a banca a conseguir a maior redução de taxa efectiva. Desconfiem portanto quando ouvirem dizer que o Estado social é desmesurado e insustentável, face à capacidade financeira do Estado.

4 comentários:

  1. Acho que neste caso as contas não estão bem feitas. Dá todo o ar de não ter havido consolidação dos lucros quando há uma cascata de empresas abaixo de uma SGPS inflacionando-se os lucros e consequentemente dando-se a ilusão de uma quebra da taxa efetiva. Nos anos 90 o modelo das SGPS não seria tão comum e o erro sistemático mesmo existindo ao não ser tão importante não minimiza o enviezamento provocado. Não será assim? Não haverá dupla contagem de lucros?

    Cumprimentos,
    Rui

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  2. Olá, Nuno, boas tardes. Serão "ideias-feitas" e não "ideias feitas sobre o Estado". Um resto de boa tarde, cumprimentos, Rita C

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  3. Obrigado Rita C. Tem toda a razão, acabei de rectificar.

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  4. Caro Rui MCB,
    Confesso que não lhe sei responder a essa questão. Mas imagino que um competentíssimo e rigoroso jornalista - como é o João Ramos de Almeida - não deixaria de a salvaguardar devidamente.

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