sexta-feira, 1 de junho de 2012

Uma crise sistémica

A palavra “austeridade” tem pelo menos dois sentidos no debate público sobre a crise que vivemos. O primeiro diz respeito ao conjunto das medidas de política orçamental que visam reduzir a despesa pública para alcançar as metas do défice impostas pela troika. O segundo, subjacente a uma retórica de compromisso, remete para a necessidade de uma gestão parcimoniosa dos recursos públicos, a eliminação de desperdícios na despesa e a extinção de serviços sem reconhecida utilidade social. A ambiguidade semântica da palavra “austeridade” pode ser conveniente para os que se preocupam com gerir a sua carteira de relações sociais, mas é certamente nociva para a clareza do debate político e a formação da opinião dos cidadãos.

Em campanha eleitoral, o PSD explorou habilmente o segundo sentido da palavra “austeridade”. Tratar-se-ia de eliminar as famosas gorduras do Estado, com destaque para institutos públicos e fundações. Ou seja, explorou a iliteracia económica da esmagadora maioria dos cidadãos para insinuar um sentido para a palavra “austeridade” que o senso comum só poderia subscrever. Os economistas daquele famoso gabinete de estudos do PSD bem sabiam que não se tratava apenas de boa administração pública. Estavam bem conscientes de que a rápida redução do défice público exigiria um corte nos salários, a combinar com um aumento de impostos e taxas de todos os tipos. Sabiam tudo isto, e queriam ir mais longe. A ambição do poder, galvanizada pela fé na doutrina neoliberal, fê-los montar a maior fraude política desde que Portugal recuperou a democracia. A sua austeridade era outra, a do desemprego dramático para fazer descer os salários em nome da competitividade, uma austeridade que não podia ser sujeita ao voto dos cidadãos. Se a desconfiança relativamente aos partidos do rotativismo no poder já era grande, só pode ter aumentado desde as últimas eleições, até porque a austeridade se revela inútil e os seus efeitos não atingem os ricos.

Bem sabemos que o obscuro negócio das parcerias público-privadas, a criminalidade financeira em alta escala com livre circulação pelo sistema bancário, ou a irresponsabilidade orçamental do governo da Madeira, onde também se localiza um paraíso fiscal, são apenas exemplos do estado de desgoverno em que o país vive há muito tempo. Porém, as reformas estruturais que deveriam pôr termo a esse estado de coisas não fazem parte da lista do Memorando nem dos programas do rotativismo centrista por duas razões bem evidentes: a liberdade dos movimentos de capitais especulativos e a suave regulação do negócio financeiro constituem um dos pilares da UEM; uma parte importante das elites político-partidárias, em Portugal e na UE, está vinculada ao mundo da finança por interesses e ideologia. Por isso percebe-se que os bancos europeus não tenham sido obrigados a reconhecer as perdas decorrentes do colapso financeiro de 2008 e, nas periferias da zona euro, os bancos tenham sido os intermediários do BCE no financiamento dos países onde a bolha do imobiliário rebentou e/ou o sector privado acumulou um défice externo sistemático. Os bancos puderam assim arrecadar ganhos preciosos que, em contrapartida, aumentaram muito a sua exposição a uma dívida pública impossível de cumprir.

Assim sendo, esta crise enlaça o centro credor e a periferia devedora; integra num mesmo processo bancos e estados; responsabiliza elites políticas nacionais e a tecnocracia pelo desastre neoliberal e pela degradação das democracias. Mais, se alguém pensa que esta crise deixará intacto o quadro político-partidário, em Portugal e noutros países da UE, de facto ainda não percebeu o que está em causa.

(O meu artigo de ontem no jornal i)

8 comentários:

  1. Todos já percebemos a fraude, o que ficou foi uma constatação simples, é necessário encontrar uma solução de futuro, algo que rompa definitivamente com esta podridão política...Porque os Partidos do "arco do poder" são todos responsáveis por esta situação, uns porque a levaram a cabo, outros porque na prática a apoiaram sempre...E nesta posição esteve sempre o CDS, um Partido oportunista, colado ao poder -com um pé de fora- sempre que lhe deram a possibilidade de entrar na esfera da governação.
    -Não sei o que dizer, porque não sei o que se pode fazer, uma aliança de esquerda é o desejável, mas não a percepciono possível se o PS mantiver a linha que tem seguido desde a sua origem...Uma aliança entre as forças restantes não me parece poder abrir uma dinâmica suficiente para conseguir um resultado que abra as portas da governação, não poderemos manter uma posição de mera contestação, por muito forte que ela seja, é preciso entrar no Poder e abrir as portas às modificações necessárias...
    Sinto-me cansado desta espera, é muito tempo, são quase 40 anos de marginalização!

    ResponderEliminar
  2. É A HISTÓRIA, ESTÚPIDOS






    A Europa, sob o comando da ignorante MERKL, continua a caminhar para o ABISMO. Essa gentalha que ocupa o poder na Alemanha ignora completamente a HISTÓRIA.
    Se soubessem um pouco de História, os arrogantes e ignorantes senhores da Alemanha, saberiam que a causa da GRANDE DEPRESSÃO de 1929 foi o clamoroso erro da RESERVA FEDERAL dos EU de reduzir as reservas monetárias com ...o objetivo de reduzir uma suposta inflação.
    Ora reduzir em doses de cavalo os défices públicos dos estados europeus tem o mesmo efeito que reduzir as reservas monetárias.
    Em vez de se combater uma suposta inflação, lança-se a Europa numa grave recessão.
    MERKL ignora quem foi HERBERT HOOVER.
    Mas as políticas de ambos teem o mesmo efeito: acelerar a chegada da grande depressão.

    O estúpido Coelho ignora isto. O estúpido Gaspar acelera.

    A ALEMANHA JÁ DESTRUIU POR DUAS VEZES A EUROPA.

    SERÁ QUE A EUROPA ACEITA SER DESTRUÍDA UMA TERCEIRA VEZ PELA ALEMANHA?

    ResponderEliminar
  3. Penso perceber o que está em causa.
    Mas não percebo para onde conduz a sua afirmação:

    " se alguém pensa que esta crise deixará intacto o quadro político-partidário, em Portugal e noutros países da UE, de facto ainda não percebeu o que está em causa."

    Pode concluir?
    Prevê a extinção dos extremos ou a coligação e ascensão dos extremos ao poder?

    ResponderEliminar
  4. Não é só a Alemanha, são também os Portugueses que se amanham com esta política...Durão, Cavaco, Coelho1, Constâncio, Catroga, Gaspar, Pereira, Belmiro, Santos, Coelho2, Coelho3, Oliveira, Duarte, Lima, Teixeira, Branco, Portas, Relvas, Loureiro, Feio, Rio, Beleza, Cadilhe, Mexia, etc, etc, etc, etc, etc............................................................................................................................................................................................................................................................

    ResponderEliminar
  5. Este blog tem muito interesse.
    Vejam também www.anticolonial21.blogspot.com

    ResponderEliminar
  6. Rui Fonseca, está a fazer mal as contas.

    A coligação dos extremos é impossível (excepto se for dentro da mesma área de extremo, e há uma área dita de extremo que nem sequer é extremista).

    o mesmo já não se passa com a coligação do outro extremos com o actual poder extremista, mas que ninguém diz ser extremista.

    ResponderEliminar
  7. Ontem estava a rever o antiquíssimo texto de Engels -do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico- e está lá tudo.
    O que sucede hoje na Europa, é uma consequência simples das alterações das economias, da forma como elas se organizam, da possibilidade das grandes empresas se transferirem de armas e bagagens para os locais mais apetecíveis e com isso criar vazios produtivos nos espaços anteriores...
    A Alemanha é o maior produtor Europeu, com isso dispõe de toda uma artilharia pesada em termos económicos...E se se expande para outros Continentes fá-lo seguramente com os cuidados suficientes para nunca pôr em causa os seus interesses...Hoje tem um manancial de mão de obra à sua disposição, pratica a política que mais lhe agrada e está a borrifar-se para os interesses dos restantes europeus...O que ela pretendia consegui-o, a União Económica, depois nesse contexto, destruiu -com a cumplicidade dos comparsas nacionais- o aparelho mais concorrencial dos restantes parceiros e agora brinca com as dificuldades destes...

    ResponderEliminar
  8. Não esqueçam o grande Ângelo!...O Bog Boss do Mundo Laranja.O Empresário...O homem dos pregos nas fechaduras dos idos oitenta.

    ResponderEliminar