No costumeiro horário nobre, o «Prós e Contras» do passado dia 5 de Março ofereceu-nos mais um episódio eloquente do «romance da austeridade» com que se procura dissimular a situação económica e social em que o país se encontra. Desta vez, como se as soluções estivessem confinadas a um dilema simples e sedutor: «emigrar ou empreender».
Perante um painel dominado por comentadores que vivem na estratosfera do pensamento mágico em Economia, com os pés, de facto, muito longe da terra, teceram-se loas inanes à emigração (com frases de um patético senso comum, sobre o que é «ser brasileiro» e o que é «ser português», por exemplo) e sugeriu-se, repetidamente, a prodigiosa ideia de que o empreendedorismo é a grande e salvífica saída para a crise. Como se não estivéssemos a braços com um número astronómico de activos sem emprego (mais de um milhão) e com indicadores historicamente reduzidos de consumo privado e de confiança na economia.
Seria pedir muito, aos delirantes entusiastas do milagre empreendedor, que nos digam quais são os promissores nichos (pelos vistos «grandes nichos») de actividade económica a que os relapsos desempregados se podem dedicar, uma vez treinados e imbuídos das fantásticas virtudes da «atitude empreendedora»? E que nos digam também, já agora, onde está o poder de compra que assegura o consumo dos inovadores bens e serviços que esse potencial exército de «self-made men» irá produzir?
Felizmente, a presença do Jorge Bateira (e também de Rui Pena Pires) permitiu esbater um pouco o êxtase onírico que pautou este «Prós e Contras», lembrando o óbvio (ver, em especial, o início da segunda parte): a importância das condicionantes sócio-económicas e a necessidade de enfrentar as políticas que se têm empenhado em destruir emprego, obrigando de forma redobrada a retomar os termos em que a discussão se deve concentrar: estratégias e políticas públicas capazes de reactivar os tecidos produtivos, o consumo e a própria economia.
Em contra-mão, portanto, com a lógica de um programa desenhado para apresentar a emigração e o empreendedorismo como as soluções disponíveis, o que resta ao nosso alcance, para ultrapassar a crise. Isto é, como se de repente, submerso pela austeridade, o próprio país se tivesse tornado irrelevante e deixado de existir.
Inteiramente de acordo. O programa é confrangedor desse ponto de vista e pior: cada exemplo, em TV,torna-se exemplar!
ResponderEliminarA ideologia do empreendedorismo não foi, portanto, desmontada e, se não fora Jorge Bateira, a ideia com que o público mais distraído ficaria é que é tudo uma questão de "atitude pro-activa" !!!
Maria Augusta Babo
O Jorge Bateira esteve muito bem, a oposição a certo tipo de ideologia deve ser feita de forma clara, o tipo de discurso deve ser adequado ás inanidades que são proferidas sem qualquer receio de se passar a ideia de pouca moderação.
ResponderEliminarVi alguns minutos do programa com um alucinado a falar de empreendorismo. Peguei num livro ... muito mais interessante!
ResponderEliminarAlguém viu por aí um yupi? Não eram eles que iam fazer "disto" um grande país? Ou emigraram todos? Ou não passam de anjos que nunca se materializam? Ao menos a Angela, materializa!
ResponderEliminarNuno, só para manifestar como estou inteiramente de acordo com a tua análise. Nem mais. Aquele «prós e contras» está a precisar de ser tomado de assalto :-P
ResponderEliminarSe há coisa corajosa (e sacrificial) é o Jorge Bateira ir a um programa daqueles. É preciso muito amor ao género humano para suportar, estoicamente, mais de duas horas de banalidades e "bom senso" sobre os méritos do empreendedorismo.
ResponderEliminarTemos de fazer um survey para mudar o mindset e potenciar os nossos skills...
ResponderEliminar... e direi também mandar estes pedantes a um cero sítio.
Bute lá *todos* fazer a nossa própria empresa! Espera... näo era Portugal o 2.o país (só atrás da Grécia) em % de pequenas empresas no total? Ah, e tal, espírito empreendedor parece que afinal já há que sobre! Nos EUA a % de trabalhadores por conta d eoutrém é bem maior que em Portugal... ah, pois, porque uma Ford sozinha emprega milhöes.
E claro, o betinho da Católica que já nasceu rico e a quem tudo lhe foi oferecido de bandeja por conhecimentos e cunhas é um ganda herói, um "self made man". Outra que os pariu!
Sim, claro, a mobilidade social vertical por cá é baixíssima e estas história dos "self-made men" são uma treta ignóbil...
ResponderEliminarSim, é claro, o programa é lavagem ao cérebro em estado puro e este pessoal que canta de galo sobre "empreendedorismo", a começar pela apresentadora, precisavam mais é de... bom, "outra que os pariu", claro que sim.
Sim, também é verdade que nós e os gregos é que, bem vistas as coisas, somos estatisticamente exemplos mesmo de "empreendedorismo de rosto humano" e à "escala humana", etc., porque toda essa retórica "pós-fordista" da treta... sim, também é verdade: deitemos quanto antes tudo isso para o lixo.
Pois, e é claro que só mesmo o Jorge, seja por estoicismo, por catolicismo ou pelo que for, é capaz de aturar de forma composta um ambiente tão grotesco sem se (e os) descompor de imediato...
Pois, tudo isso é verdade. E também é verdade que uma sociedade estar a discutir as vantagens de se "ir embora" é prova provada de que essa sociedade já deixou em boa verdade de existir como tal. É de facto (performativamente) já só um somatório ou agregado de indivíduos mais ou menos racionais...
Bom, mas por outro lado "eles" é que mandam, não é? Só o "empreendedorismo social" destas media stars... já viram bem como ele mete facilmente no bolso o de todos nós, outros?
Esse é que é verdade fundamental.
O resto, meus caros (incluindo estas minhas linhas), é conversa.
"Words, words, words", como desabafava o outro...