Krugman é importante porque é escutado; e é escutado porque os símbolos contam. O prémio do Banco da Suécia para a ciência económica é um falso Nobel, mas - por mais que seja atribuído por um banco e por mais que a sua galeria de laureados, com raras excepções, seja um monumento à ideologia liberal, à vacuidade intelectual e à sobredeterminação do objecto pelo método - pede emprestado o prestígio dos outros prémios Nobel. Tem por isso peso simbólico, e esse peso simbólico conta na batalha das ideias. Logo, excepto para quem queira limitar-se a pregar aos convertidos, não é de desprezar quando alguém como Krugman se assume como uma das raras vozes com uma audiência considerável que quebra os consensos mediaticamente impostos e publica análises e propostas susceptíveis de apropriação crítica por parte de quem defende posições progressistas. Sublinho, porém, a apropriação crítica - é aí que está o busílis da questão.
No meu último poste, remeti para uma série de exemplos de posições assumidas por Krugman, claramente em contra-corrente face ao discurso hegemónico, que correspondem precisamente a posições progressistas, na medida em que são favoráveis aos interesses dos trabalhadores e das classes populares. Mas também referi que "as suas análises macroeconómicas, que são muitas vezes acertadas, perdem robustez por não serem enquadradas numa análise crítica do desenvolvimento histórico do capitalismo". Com a vantagem da retrospectiva, deveria ter sido mais claro e mais específico: o problema das análises de Krugman é que delas está ausente um entendimento das dinâmicas e conflitos de classe. Tal não impede que Krugman acerte, para dar um exemplo entre muitos, quando interpreta a crise de 2007-? como uma crise de deflação de dívida à Fisher agravada pela austeridade (como muitos marxistas o fazem: ler em todas as crises o colapso iminente do capitalismo por acção da lei da queda tendencial da taxa de lucro não é marxismo, é confundir os desejos com a realidade). Nem impede que as suas propostas políticas favoráveis à recuperação do emprego sejam, lá está, progressistas (a chave para entendermos porque é que o são está não só nos benefícios directos que daí advêm para os trabalhadores como também na economia política do pleno emprego, que o João Rodrigues já aqui tem explicado).
Agora, esta lacuna ontológica e política do pensamento de Krugman tem como consequência, isso sim, a sua incapacidade para entender as dinâmicas político-económicas em curso em Portugal e na Europa enquanto ofensiva levada a cabo por uma aliança de circunstância entre diferentes fracções do capital nacional e internacional: Krugman entende estes processos como resultado de ignorância ou equívoco por parte dos decisores. Como corolário, tem também como consequência o seu entendimento dos governos, nomeadamente os da periferia europeia no contexto actual, como entidades benévolas que procuram maximizar o bem-estar das populações, ainda que, eventualmente, de forma equivocada. E é aqui, ao limitar-se a expor tecnocraticamente o leque de opções à disposição dos governos, assinalando timidamente as vantagens e desvantagens dessas opções, que Krugman expõe o flanco a todas as manipulações e apropriações por parte de todos os Camilos Lourenços desta praça, bem identificadas pelo Sérgio Lavos. Quando Krugman refere a 'desvalorização interna' dos salários e restantes preços como uma alternativa pior a uma política expansionista à escala europeia (essa sim, advogada), está a subestimar não só os constrangimentos estruturais da política à escala europeia como o gigantesco processo de redistribuição do rendimento, do trabalho para o capital, que está em curso em Portugal - e ainda a facilidade com que a sua posição pode ser distorcida. E eu, ao afirmar a expectativa de que Krugman contribuísse de forma mais positiva para os actuais debates e combates, sobrestimei a sua compreensão da situação e a sua inteligência táctica.
No meio do vendaval de exegeses que tem varrido a blogosfera, convém perceber o que esteve e está em causa. De resto, leiam, se ainda não o fizeram, este poste do João Rodrigues. E, como nota final, não posso deixar de sugerir à Raquel Varela (que tenho em boa conta apesar de diversas discordâncias) que estude um pouco mais ou leia um pouco mais deste blogue antes de nos apodar, preguiçosamente e por grosso, de neokeynesianos.
Estamos num mundo de mudança onde alguns conseguem segurar o ouro e desvalorizar o trabalho.
ResponderEliminarAssim conseguem destruir países e eles encherem-se de riqueza e poder.
Nesta mudança poderão acontecer ainda muitas coisas que alguns levados pela cegueira mental ou pelo poder conseguirão impor, mudar ou mesmo destruir.
Acho que esse gajo só veio cá almoçar.
ResponderEliminarAcho que esse gajo só veio cá almoçar:
ResponderEliminarhttp://sol.sapo.pt/inicio/Politica/Interior.aspx?content_id=42996
Por muito acertado que seja o que diz neste post não pode deixar de considerar que Krugman tem sido aplaudido inúmeras vezes neste blog.
ResponderEliminarAs considerações que tece no seu primeiro período colocam a seguinte questão:
Krugman tem dias? Nuns acerta, noutros desacerta?
Rui fonseca, quanto a mim, Krugman acerta muito quando diagnostica e prognostica dentro do status quo, e falha quando este não oferece soluções, porque não considera tudo o que seria necessário para o alterar.
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