domingo, 5 de fevereiro de 2012

Da bancarrotocracia

A divulgação dos prejuízos registados pelos principais bancos ainda privados deu-nos mais uma oportunidade para confirmar que vivemos numa bancarrotocracia, o regime em que a política está ao serviço de um sistema financeiro incapaz e predador, mas bem protegido, um regime em que os reguladores são regulados. Dou então a palavra ao governador de um Banco que não é de Portugal: “Os bancos portugueses são vítimas da crise da dívida”. Todo um programa de serviço aos bancos. Os bancos foram apenas vítimas da sua própria ganância e miopia, já que andaram muito tempo a intermediar entre um BCE cada vez mais generoso, que lhes garante acesso a crédito a taxas de juro quase nulas, e os Estados periféricos com taxas de juro cada vez mais elevadas e deles totalmente dependentes, devido a esta construção monetária, e assim progressivamente insolventes. Por exemplo, metade dos prejuízos do BCP devem-se a aventuras na Grécia. Apesar dos juros cada vez mais elevados, Ulrich do BPI julgava que estava a comprar activos sem risco a Estados sem soberania monetária. Vítimas, sem dúvida.

No contexto português, merece ainda destaque a transferência de fundos de pensões, que os especialistas garantem ser um bom negócio a prazo para os bancos, mas que pesa contabilisticamente nos resultados deste ano. É impressionante como, com a cumplicidade de demasiados jornalistas e de Carlos Costa, os bancos usaram este truque para tentar simular um sacrifício comovente. A verdade é que os bancos se livraram de pesados encargos, têm créditos fiscais e têm o Estado a usar metade dos fundos transferidos para pagar antecipadamente parte dos empréstimos que os bancos concederam ao sector público, sem exigir mais contrapartidas para esta generosidade contratual do que um sentido apelo à concessão de crédito à economia.

Se juntarem a isto uma recapitalização sem controlo democrático desse bem público que é o crédito, canalizado durante demasiado tempo pelos bancos para a economia da construção com cumplicidade fiscal do Estado, temos um retrato mais completo da bancarrotocracia. De resto, é o que já aqui dissemos: os bancos em rápida desalavancagem terão também de lidar com cada vez mais insolvências, obra de uma austeridade aditivada pela qual os banqueiros passaram horas a falar com Judite de Sousa. A dinâmica foi exposta pelo Nuno Teles há um ano:

“Esta desalavancagem do sistema financeiro terá como efeito previsível uma contracção do crédito à economia com os efeitos recessivos associados. Corremos assim o risco de estarmos perante uma pescadinha de rabo na boca: os bancos emprestam menos para melhorar a sua posição, com menos crédito o investimento e o consumo diminuem, com uma contracção do produto o crédito malparado aumenta, enfraquecendo os bancos…”

4 comentários:

  1. Muito boa análise! É isso mesmo.
    Depois ainda diz o suposto "regulador", que a Banca portuguesa tem "robustez!
    http://margarida-alegria.blogspot.com/2012/02/bancos-robustez-robustoso-milagre-da.html
    Pois...
    Para mim não me agrada (parece mau sinal) estarem a ser alvo de novo de tantas entrevistas em todo lado, esses banqueiros que continuam a optar por especulações perigosas em vez de ajudar quem deve ser ajudado.
    Abraço blogosférico.

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  2. Eu queria que os senhores comentassem, ou até que dedicassem um post, à mais anti-keynesiana das declarações que alguma vez ouvi de um responsável político, no caso vertente pela boca do próprio Pedro Passos Coelho acerca do que a economia ganha com a (falta) de tolerância no dia de Carnaval:

    (qualquer coisa como isto:)
    "basta dividir o PIB pelos dias do ano"

    Meus senhores, isto é monstruoso, à luz de todos os princípios da despesa, do amor e do tratamento da tuberculose.

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  3. Quanto à deslavancagem, a última vez que verifiquei a coisa (o M0, M1, M2..) ainda estava a crescer na zona euro. Pouco, mas estava. E Constâncio regozija-se. A receita está a ser aplicada. Princípios (ainda) friedmanianos.

    Agora vem a parte revisionista. Crédito é dependência. Endividamento: dependência do futuro. Assim, na boa tradição einsteiniana tempos de comprimir o espaço-tempo: mais capital (mais capital?) em menos tempo, para nos libertarmos das correias... da dívida.

    Dívida: entidade histórcio-religiosa (sujeita a veneração).

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  4. crise de confiança...6 de fevereiro de 2012 às 22:10

    tirou aos bancos gregos 12 mil milhões em 2 meses de 2010...

    felizmente não somos a grécia né..

    eu cá nem putes tenho que se lixem os vossos...um bom rato vê os buracos de aviso com alegria....na nau que alegremente s'afunda

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