"Todos os dias, empresas internacionais como as nossas constatam a importância da moeda única no Mercado Único, que trouxe crescimento económico e criação de emprego à Europa." Perante este e outros dislates interesseiros no Público de ontem, dignos de Merkel e do europeísmo feliz, da autoria de Paulo Azevedo (Sonae) e Leif Johansson (Ericsson), que têm em comum o facto de se apresentarem como membros da influente European Round Table of Industrialists (ERT), João Pinto e Castro pergunta: “onde têm eles a cabeça?”
O livro de Bastiaan van Apeldoorn, de 2002, ajuda a explicar a cabeça da classe capitalista transnacional na Europa e o papel da ERT como uma das principais expressões organizadas da sua força ideológica e política, em especial em Bruxelas e em todos os outros espaços onde a democracia limitada ou inexistente só deixa lugar aos principais poderes capitais que apostaram tudo neste mercado único feito para favorecer todas as corridas para o fundo. Os destinos de uma integração europeia marcada pela incrustração do neoliberalismo, integrando e diluindo a social-democracia no seu projecto hegemónico, têm de ter em conta as estratégias de classes e suas facções, a ideologia como força material, na linha da economia política internacional crítica assente em Gramsci. A famigerada Agenda de Lisboa, com a sua retórica da competitividade centrada na oferta, não pode escapar ao escrutínio crítico.
Apesar de tudo, o artigo do Público ilustra simbolicamente como este grupo é internamente heterogéneo, o que só demonstra a necessidade de considerar o “nacional” quando se pensa no que está para lá dele: o capitalismo de supermercado da semiperiferia, em expansão para a periferia, e o capitalismo industrial e tecnológico do centro, expressões do tal desenvolvimento desigual.
De resto, na boa linha dos efeitos perversos da acção colectiva, esta hegemonia das facções mais extrovertidas do capital europeu pode bem significar, pela derrota que impôs às classes trabalhadoras europeias, que os interesses do capitalismo europeu são prejudicados a prazo. É que se o trabalho é um custo, também é uma fonte de procura; se a moeda forte serve bem a expansão internacional, a moeda sem Estado, pode bem destruir as bases políticas onde o capital tem sempre de assentar...
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