Para além dos serviços e infraestruturas com procura garantida pelo Estado, agora privatizados, os investidores globais foram canalizando os seus investimentos de forma crescente para activos financeiros (acções, obrigações, produtos derivados, etc.) e não financeiros (matérias-primas, obras de arte, imobiliário, etc.), beneficiando da liberalização dos fluxos de capitais, da desregulação dos sistemas financeiros, bem como das possibilidades oferecidas pelas tecnologias de informação e comunicação.
O regime de acumulação da era neoliberal surge assim indissociável de um aumento substancial do peso do sector financeiro nas economias desenvolvidas. Em três décadas, o peso do sector financeiro na remuneração do capital na economia americana mais do que duplicou, passando de 4% para perto de 10%.
O peso crescente do sector financeiro nas economias e a liberdade de circulação de capitais revelaram-se fontes de instabilidade económica e social recorrente. Aos primeiros sinais de evolução positiva dos valores dos activos num determinado mercado (e.g., acções de um sector específico, obrigações de um dado país, petróleo ou outras matéria-primas, bens imobiliários numa certa região, etc.), os capitais internacionais afluem em massa, acentuando a trajectória ascendente no valor desses activos. Geram-se então dinâmicas especulativas que só terminam quando começam a surgir suspeitas de que os preços dos activos atingiram níveis que já pouco têm a ver com o seu valor real. Verifica-se então o processo inverso, com uma saída em massa de capitais que, antecipando a desvalorização, buscam novas oportunidades de investimento noutras paragens. Atrás de si deixam frequentemente economias descapitalizadas e endividadas, sujeitas a ajustamentos por vezes socialmente dolorosos. Segundo o Banco Mundial, entre 1970 e 2003 ter-se-ão registado cerca de 122 crises financeiras em todo o mundo. Por contraste, este tipo de crise esteve praticamente ausente nas duas décadas anteriores, marcadas por um regime de grande controlo dos movimentos internacionais de capitais e uma forte regulação do sector financeiro.
(Texto publicado no anuário JANUS 2011-2012. Continua.)
De certa forma, a atual crise em Portugal é resultado de uma destas dinâmicas. Durante (mais de) uma década, o capital internacional emprestou dinheiro ao Estado português (e aos bancos portugueses) como se ele fosse credível, por virtude da existência do euro. De repente, o capital fugiu para outras paragens, deixando o Estado português, que já estava habituado àquela doce droga, à nora com a ressaca.
ResponderEliminarOutra forma de pôr as coisas é que o afluxo de capitais a Portugal seguiu uma lógica semelhante às dinâmicas especulativas que conduziram à rápida expansão, seguida de recessões abruptas, em muitos dos países do mundo onde se registou nas últimas décadas uma forte instabilidade financeira associada ao movimento internacionais de capitais. Curiosamente, Krugman escreve hoje no seu blog um 'post' sobre isto mesmo: http://krugman.blogs.nytimes.com/2011/10/11/wise-words-on-europe/.
ResponderEliminarA actual crise em portugal tem uma componente conceptual e que tem a ver a indiferença pelo deficit comercial / corrente demonstrada por grande parte dos economistas e politicos.
ResponderEliminarContinua a existir muito pouco debate sobre como resolver este problema gravissimo.