A notícia do Público de hoje sobre as eleições argentinas reproduz de forma acrítica o que uma certa imprensa económica, nomeadamente a The Economist, diz sobre a economia argentina, dando assim voz “aos economistas”. Estes e outros analistas dizem que coisas péssimas estão há vários anos prestes a ocorrer, incluindo do ponto de vista político, agitando o fantasma do autoritarismo. Péssimo é o hábito de usar “os economistas” como argumento de autoridade. Se deixaram de fazer isso na secção nacional porquê continuar a fazê-lo na internacional? De resto, quem leia a The Economist sabe que aí se repete o mesmo desde que um Kirchner foi eleito (artigos de 2003 ou 2008, por exemplo): a economia argentina, devido às suas políticas “intervencionistas”, está à beira da tal “hora da verdade” mencionada pelo Público. A peça do Público destaca precisamente a taxa de inflação para dar a ideia de instabilidade, esquecendo que no contexto argentino uma inflação de 20%, como se diz, é historicamente baixa, com a excepção do período mais intensamente neoliberal de ancoragem ao dólar, que levou ao colapso com deflação e tudo. O que conta é o rendimento real e a sua repartição, como sublinha o economista Mark Weisbrot num excelente artigo sobre a vitória de Kirchner, perguntando: “será que a Europa está a ouvir”. Com artigos como os do Público, a resposta só pode ser negativa e o desastre o que se sabe.
Continuando. É verdade que as políticas monetárias e fiscais de Eduardo Duhalde iniciaram a recuperação, mas estas políticas não se seguiram ao que é designado no Público por “rude golpe” do default e da desvalorização, já que foi Duhalde quem os impulsionou e que foram estas duas políticas que permitiram precisamente o início da recuperação. Os Kirchner confrontaram os credores e adicionaram uma política de expansão assente na recuperação de instrumentos de intervenção no campo social e económico. Enfim, quem nos dera esta insustentabilidade, com um crescimento projectado de 8% para 2011, com uma melhoria continuada, com quase dez anos, dos indicadores económicos e sociais, com um processo de reindustrialização, visível na alteração do perfil exportador argentino. O que a opinião ainda convencional ainda não é capaz de compreender é que o sucesso argentino se deve precisamente à ruptura com as políticas neoliberais anteriores, primeiro com o incumprimento e a desvalorização cambial e depois com a reintrodução de palavras como “proteccionismo”, nacionalizações e política social. Bem melhor do que a pilhagem que se seguiu à política de submissão às exigências dos “investidores internacionais” a que revistas como a The Economist dão voz e para quem a Argentina de Menem e Cavallo era o paraíso na terra.
Contra factos, não há argumentos. Mas, só vê quem quer ver. Agradeço ao João Rodrigues a compreensão que me tem ajudado a adquirir sobre a economia enquanto ciência social e humana: isto é, que não pode dissociar as teorias da realidade social concreta e da melhoria das condições de vida para todos os seres humanos.
ResponderEliminarO Weisbort tem carradas de razão. Há que "des-Dolarizar", claro... e ainda mais há que "des-Euroizar", porque o euro está decididamente muito mais sobrevalorizado do que o dólar. Ao longo duma década, caso não se recordem, a taxa de câmbio passou de 1.1 para 0.7. Não admira. As elites ianques, quand même, têm de responder perante os eleitores, pelo que não pode ser tudo para a banca. Daí a "desvalorização competitiva". Já as "europeias", pelo seu lado, tiveram o engenho e a arte de conseguirem produzir um desenho institucional que as dispensa desse género de maçadas. E o pagode continua a "comprar" o que lhe contam... e continua com medo de sair do euro (e ao Dantas também continuavam a lavar-lhe a roupa, e a ler-lhe os livros...).
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