quarta-feira, 8 de junho de 2011

Não há lugar no banquete da natureza…


Dostoiévski em Crime e Castigo fez um dos seus personagens dizer: “… o senhor Lebeziátnikov, que acompanha as ideias novas, explicou, há dias, que nos tempos que correm a compaixão até está proibida pela ciência e que assim se passa na Inglaterra onde existe economia política”.

De que Economia Política estava o personagem de Dostoiévski a falar? De Malthus, claro.

Quem senão Thomas Robert Malthus escreveu a inesquecível passagem que se segue:

Se um homem nascido num mundo já apropriado não pode obter dos seus pais a subsistência que justamente lhes pode pedir, e se a sociedade não tem necessidade do seu trabalho, então ele não tem qualquer direito à mínima porção de comida e, e de facto está a mais no banquete da natureza; para ele não existem prato nem talheres. A natureza recomenda-lhe que se vá embora e ela própria prontamente executa as suas ordens a não ser que ele possa recorrer à compaixão de alguns dos convidados para o banquete. Se estes convivas, equivocados, se apertarem para lhe dar lugar, outros intrusos irão surgir imediatamente e pedir o mesmo favor. O rumor de que existem alimentos para todos irá encher a sala de numerosos recém-chegados que reclamam. A ordem e a harmonia dos convidados é perturbada, a abundância que anteriormente reinava torna-se escassez e a felicidade dos convidados é destruída pelo espectáculo da miséria [...]. Os convivas reconhecem demasiado tarde o erro que cometeram ao violarem as ordens estritas a respeito dos intrusos que haviam sido dadas pela grande senhora do banquete.
Acontece porem que alguns dos “convivas” que insistem em violar as “ordens da natureza”, como por exemplo a dirigente do Banco Alimentar contra a Fome, Isabel Jonet, costumam combinar a defesa da sua meritória actividade com referências aos “efeitos perversos do Estado Social”. Não se dá conta que os argumentos que mobiliza contra o estado social se podem aplicar precisamente à actividade meritória que dá sentido à sua vida.

Os argumentos de que falo são os mesmos de sempre, Malthusianos: “Se os pobres forem apoiados na sua pobreza, tornam-se indolentes – recusam o salário e o trabalho assalariado”. Sobreviverão, mas isto só fará que aumente o seu número.

Mais cedo do que tarde alguém se irá lembrar que isto tanto se aplica ao RSI, ou ao subsídio de desemprego, como… às ajudas do Banco Alimentar.

É sinistro o argumento de Malthus, não é? Pois é - por isso mesmo houve quem chamasse à Economia Política a “ciência lugrube” -, mas o argumento de Malthus em nada de fundamental difere dos que todos os dias ouvimos até a convivas que insistem em violar as “leis da natureza” como Isabel Jonet.

4 comentários:

  1. João Carlos Graça8 de junho de 2011 às 18:43

    Caro José Maria
    Cito-te, a propósito da dita cuja: "Não se dá conta que os argumentos que mobiliza contra o estado social se podem aplicar precisamente à actividade meritória que dá sentido à sua vida"...
    Bom, gosto mais de concordar contigo do que de discordar, mas uma coisa te digo agora. Existe uma diferença, aliás absolutamente crucial, entre ser recipiente de subsídios do Estado Social (o que corresponde ao gozo de direitos) e beneficiário da caridade privada (o que corresponde a uma concessão gratuita, "privilege" dizem os norte-americanos, o que não é bem o nosso "privilégio"...).
    Esta última, precisamente por ser caridade, investe de toda uma "aura" simbólica quem pratica esse tipo de acções... A história do "social-caritativismo" (entre nós, sobretudo católico) nos últimos dois séculos permitiu aprender há muito a estabelecer esta distinção - e de resto o próprio Malthus reconheceu ocasionalmente o carácter inatacável da tal caridade privada (mesmo que continuasse a não a recomendar pessoalmente).
    A dita cuja não é, pois, de todo parva... Sem sofrimento, não haveria pura e simplesmente espaço vital para as "sisters of mercy"... Ela sabe isso perfeitamente, e aprecia pois o gozo da sua posição "privilegiada". Aproveitando também, é claro, para a consolidar de passagem...

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  2. Já agora matem-se todos os deficientes, se näo se conseguem ganhar para se alimentar...

    Esta gente é parva ou come bosta?

    A atitude nojenta da Sra. Caridadezinha é parecida com... bem, toda a gente da caridadezinha, porque no fundo no fundo eles näo querem acabar com a pobreza, porque desse modo näo poderiam alimentar o ego a "ajudar os pobrezinhos"...

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  3. Os pobres são aqueles que pagam a factura (sem aspas) mais cara, logo são os ricos que tem uma dívida astronómica para pagar.

    Na economia ortodoxa são os pobres que têm dívidas para pagar (são aqueles cujo rendimento disponível não faz face às necessidades básicas e por isso não podem promover a poupança, só os ricos se podem dar a esse luxo), mas como a economia já se distanciou do valor real do trabalho e de toda a naturalidade das relações sociais...até é possível conceber que a culpa da crise é dos pobres.

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  4. há grandes diferenças entre rsi subsidio de desemprego e banco alimentar. o subsidio de desemprego /doença a gente pagou-o ,é um seguro , temos todo direito a ele ; o banco alimentar é uma ajuda voluntária , dá quem quer ; o rsi é uma ajuda forçada. e se a austeridade mata a solidariedade , ser obrigado a dar , quando se tem cada vez menos , ou não vemos quaisquer resultados dessa ajuda e a mama parece não ter fim ,também.

    veja lá se o dar voluntário , mesmo em tempo de crise , não correu mais que bem.

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