Perante os estados gerais da iniciativa privada, baptizados de «Mais Sociedade» e apadrinhados pelo PSD (que ora a eles se associa com afinco, para dar um ar de frescura, ou deles se descola, quando as propostas são demasiado inconfessáveis), o que poderia o cidadão comum esperar?
Deveria esperar, supostamente, que se tratasse de uma reflexão profunda sobre o papel da iniciativa privada em Portugal. Uma tentativa de obter respostas para questões estruturais, um momento de introspecção, o «sector privado no divâ». Saber, por exemplo, por que é que grupos económicos relevantes têm apostado com tanto empenho nos sectores da distribuição e dos bens não-transaccionáveis (com o imobiliário à cabeça), a par de uma apurada aversão para o investimento produtivo. Isto é, analisar as responsabilidades privadas no modo como foi sendo desenhado o perfil de especialização produtiva da economia portuguesa e a inebriante tentação pelo rentismo.
Tal como seria de esperar que o evento da passada semana ajudasse a compreender por que razão, em regra, a iniciativa privada insiste em desperdiçar o aumento das qualificações escolares e profissionais da população activa, persistindo na lógica da competitividade à custa de mão-de-obra barata e dos subterfúgios da precariedade. Ou perceber as razões que explicam a excessiva dependência relativamente ao Estado e ao sistema financeiro (de onde, aliás, provém uma boa parte dos participantes no evento), bem como procurar identificar a fatia que lhe cabe no bolo da economia paralela, globalmente situado em cerca de 25% do Produto Interno Bruto.
Em suma, seria de esperar que uma iniciativa que assume a designação de «Mais Sociedade», não se fizesse tendo o Estado como núcleo central de gravitação do pensamento. Desde logo, em nome dos próprios princípios que os promotores defendem e, nesse sentido, em nome da sua própria dignidade. Sem prejuízo, é claro, de que parte da reflexão fosse dedicada à administração pública, no que concerne por exemplo à morosidade da Justiça ou a questões de natureza fiscal.
Mas quando percorremos as comunicações que integram as áreas temáticas do evento, constatamos que «Menos Estado» deveria ser a sua honesta designação. Porque o que estas «forças da sociedade civil» pretendem é, de facto, assegurar e reforçar as condições para viver à sombra do Estado, isto é, dos contribuintes (como demonstram as propostas relativas ao cheque-ensino e à liberalização do ensino superior), e colonizar os serviços públicos existentes, convertendo direitos sociais em mercadorias e fazendo negócio em domínios cuja lógica é (e deve ser) eminentemente social e redistributiva (como no caso da proposta relativa à individualização da reformas e da protecção no desemprego).
A entrevista dada pelo Coordenador Geral da iniciativa, António Carrapatoso, e João Duque (que cumpre aqui, irrepreensivelmente, o papel de «ajudante de campo»), no Negócios da Semana do passado dia 28 de Abril, é um documento que merece ser visto e guardado para memória futura. Nele se torna evidente que é da saúde do Estado que os «Mais Sociedade» querem «tratar», e não das doenças do rentismo, parasitismo e laxismo que afectam uma parte significativa da iniciativa privada em Portugal.
http://comunicador-vox.blogspot.com/2011/04/vampiros-megalomanos.html
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