Uma surpresa logo pela manhã. Um título do Público onde está escrito com todas as letras: “Economistas defendem que recurso ao FMI não é solução”. Pergunto a mim mesmo: por que me surpreendo desta maneira? Bem, talvez porque defender que “recurso ao FMI não é solução” é o contrário do que estamos habituados a esperar “dos economistas”, ou melhor, do que estamos habituados a esperar que os jornais publiquem como sendo a opinião “dos economistas”. De resto, não está escrito no Público “os economistas defendem”, mas antes “economistas defendem”, isto é, há economistas que defendem… Isto não devia ser surpreendente, mas o certo é que o meu cérebro reage com estranheza.
Este título refere-se à cobertura da Conferência “Portugal 2011: Vir o Fundo ou ir ao fundo”, organizada pelo Instituto de Direito Económico, Financeiro e Fiscal da Faculdade de Direito dirigido por Eduardo Paz Ferreira, que se realizou ontem e anteontem com notável sucesso.
“Economistas defendem que recurso ao FMI não é solução” foi o que de fundamental a jornalista Ana Rita Faria retirou desta conferência e é interessante tentar saber porquê.
Estive lá e parece-me que o título não é absolutamente rigoroso num aspecto e é um pouco ambíguo noutro. Em primeiro lugar porque os que se exprimiram na Conferência não eram todos economistas. Em segundo lugar, porque mesmo os economistas que se pronunciaram emitiram diversas opiniões, justificando-as com razões igualmente diversas, e isto passa desapercebido na subtileza de um “economistas” que não tem de ser lido como “os economistas”.
Como sabemos, mas não é demais repetir, a economia não é estudada só por economistas e mesmo “os economistas”, nesta como em todas as questões, não têm “uma opinião”. O que há são diversas opiniões de diversos estudiosos da economia e de economistas diversos.
Mas estamos habituados a um espaço da comunicação económica habitado quase exclusivamente por economistas e ainda por cima por economistas que têm todos opiniões iguais ou muito parecidas. Como a mente humana tem tendência para inferências espontâneas, ninguém, incluindo as jornalistas, está livre de concluir espontaneamente que a opinião dos economistas residentes da televisão é a opinião “dos economistas”.
Na realidade, vi na conferência economistas e não economistas a defender que “o recurso ao FMI não é solução” e outros a defender o contrário, cada um com as suas razões. Uns, porque o FMI é inevitável e quanto antes melhor, outros, porque pode ser necessário “em último recurso”, outros ainda, porque o governo sem tutela é incapaz de disciplinar as finanças públicas, etc, etc. Mais uma vez pergunto: porque é que a jornalista reteve como conclusão significativa “Economistas defendem que recurso ao FMI não é solução”?
Encontro duas explicações. A primeira: a conferência estava organizada de forma a garantir em todos os painéis a expressão plural de opiniões. Não que existisse a priori uma paridade de pros e contras. Na realidade o que existia, contra o habitual, era a presença de diversas opiniões. Isto parece bastar para retirar alguma assertividade, digamos assim, à opinião “dos economistas”, isto é, torna mais difícil apresentar a opinião hegemónica como uma opinião ditada pela “ciência” já que mostra que na ciência há lugar para diversas opiniões. As opiniões pro (intervenção do FMI, neste caso) foram assim menos salientes do que é habitual, ao mesmo tempo que as opiniões contra foram, pelo menos, ouvidas, o que, pela surpresa, as torna notáveis. Mas isto não basta para explicar que exista um título no Público “Economistas defendem que recurso ao FMI não é solução”.
A segunda explicação: o leque dos que defenderam “que o recurso ao FMI não é solução” foi muito amplo, ultrapassando as expectativas dos participantes e provavelmente da jornalista do Público. Como ela escreve na notícia, o Dr. Henrique Granadeiro justificou a sua oposição a um convite aos Fundos “afirmando que a Grécia e a Irlanda em nada foram beneficiadas, pois têm de pagar juros elevados nos empréstimos do FMI e da EU e continuam a ser penalizadas nos mercados” e este vosso ladrão, sem discordar do Dr. Granadeiro (e concordando com outro ladrão que tinha falado na sessão anterior), disse que “o fundo aplicaria a sua típica receita de austeridade com efeitos recessivos, e Portugal arriscar-se-ia, então, a ir ao fundo com o fundo”. Por acaso, garanto-vos que foi por mero acaso, utilizamos os dois a mesma expressão: se é assim, FMI não, obrigado!
Nestes dias, na Conferência e fora dela, ouviram-se opiniões semelhantes a estas vindas dos mais variados quadrantes. E, antes destes dias, até Ricardo Espírito Santo veio à televisão opor-se à visita dos Fundos, se bem que por outras razões. Ele achava que a visita dos Fundos iria provocar uma fuga massiva de capitais como se verificou na Grécia e na Irlanda. E a “fuga dos capitais”, como sabemos, é o principal pesadelo de um banqueiro, quando não é a maior ameaça que ele pode brandir contra todos nós quando contemplamos fazer coisas de que ele não gosta. Argumento de peso portanto.
A jornalista do Público não pode ter deixado de ficar surpreendida contra a coincidência de opiniões de gentes tão diversas. Mais uma vez a inferência: a amostra pode ser pequena, mas se é variada, então, isso basta para a generalização espontânea: “Economistas defendem que recurso ao FMI não é solução”.
Não estou a protestar contra o título do Público. É claro que há economistas que acham que recurso ao FMI não é solução! É também claro que com estes economistas há muitos outros que têm a mesma opinião. Não é de espantar. Os Fundos falharam na Grécia e na Irlanda. O contágio não terminou. Mesmo em Bruxelas quase todos o reconhecem à boca pequena e muitos trabalham em planos B (como este) para salvar o euro. A resistência à vinda dos fundos tem sido portanto útil: tem dado tempo a que alternativas com algum bom senso venham à tona de água. Agora, mais do que nunca, era preciso que as “periferias” agissem em conjunto para reforçar precisamente as alternativas de bom senso.
O PSD quer continuar a lógica das rendas garantidas à meia dúzia de famílias que são "Os donos de Portugal".
ResponderEliminarSerá que aquela malta ainda não perecebeu que já não nos enaganam?
Eu quero ser dona de mim e do meu País!
Está a chegar a hora de virmos para a rua mostrar o que queremos.
O Egito é aqui!
Gostei deste comentário, por isso o transcrevo.
Obrigado anónimo quem quer que sejas!
"torna mais difícil apresentar a opinião hegemónica como uma opinião ditada pela “ciência” já que mostra que na ciência há lugar para diversas opiniões"
ResponderEliminarQue grande conversa que isto dá!... Com toda a vida de cientista numa área indiscutivelmente científica (a biologia molecular), não posso aceitar que haja OPINIÕES diferentes na ciência. Pode haver teorias ainda em aberto e prontas para a refutação, pode haver dados experimentais ainda abertos a discussão, mas isto não são opiniões. Não é o que se passa nas "ciências sociais", para mais contaminadas com muito de opinião ideológica, não científica.
Este momento de discussão económica tão viva convence-me disto, apesar de aceitar que, metodologicamente, a economia, por via da econometria e da estatística, por exemplo, já tem fundamentos científicos.
Caro JVC,
ResponderEliminarSeria uma conversa longa e interessante, pelo menos para mim. Eu começaria por lhe perguntar: não acha que em ciência todas as "verificações" são passiveis de refutação futura? Não é isso o que nos ensina a história da ciência?
Não será a consciência da precaridade do conhecimento científico um dos bons argumentos da ciência contra o dogma?
"Economistas" faz certo o título. "Os Economistas" é que agregava a opinião de todos os economistas
ResponderEliminarCaro JVC,
ResponderEliminarFaça favor de rever o Karl Popper.
Basicamente, o JVC porta-se como um dogmático que ainda acha que há diferenças entre ciências ditas "exactas" e "humanas". Mas talvez ele possa explicar que "contaminações" estão arredadas das ditas ciências "exactas" e que, inexplicavelmente, penetram nas "sociais". Eu, que sou um aprendiz, já ouvi dizer que nos States se ensina oficialmente o Criacionismo. E dizem-me também que quem o faz são cientistas ditos "exactos".
ResponderEliminarclaro que há diferenças entre as ciências exactas e as humanas.
ResponderEliminarmas a economia não passa de uma métrica e nem sequer lhe atiram a parte humana para cima, ou seja, Humana não é de certeza e Ciência muito menos.
"Agora, mais do que nunca, era preciso que as “periferias” agissem em conjunto para reforçar precisamente as alternativas de bom senso."
ResponderEliminarBom senso seria pensar em não pagar o dinheiro que (voluntariamente) pedimos emprestado?
"When Irish Eyes Are Crying"
ResponderEliminarhttp://www.vanityfair.com/business/features/2011/03/michael-lewis-ireland-201103?currentPage=all
Não me fiz entender, culpa minha. Não vejo em que é que estou em desacordo com Castro Caldas. Muito ou totalmente pelo contrário.
ResponderEliminarContra Popper, como escreve um anónimo? É o contrário do que disse, as teorias económicas não me parecem refutáveis no sentido popperiano. Quando estão em plano "igual", ideológico, e quando são instrumentais para a ação política, não há refutação no sentido das ciências exatas e naturais, em que há sempre uma teoria principal, que faz fé transitória e que só o tempo e a acumulação de dados empíricos refuta ou não. Mas cuidado: refutação não é supressão. A física newtoniana, à escala em que se aplica, não foi suprimida pela relatividade ou pela física quântica. A refutação, como acontece com o darwinismo inicial, é muitas vezes o redimensionamento da esfera de aplicação da teoria.
Ao comentário anónimo sobre criacionismo, não respondo, não tanto por ser insultuoso mas por ser desconchavado.
E espero que compreendam que é muito difícil discutir neste curto espaço coisa tão complexa como a epistemologia das ciências modernas. Ao menos, dêem-me o benefício da dúvida de que, tendo 40 anos de experiência de investigação, devo ter refletido um pouco sobre isto. Já sei que me vão acusar de estar a usar um argumento de autoridade, mas hoje, na net dos sound bites, é o último recurso. Não é por acaso que recebo críticas de que os "posts" no meu blogue são muito longos e pesados. Paciência!...
Bravo caro JVC!
ResponderEliminarVi este post tarde e já me preparava para responder quando vi a sua resposta.
É que quando se envereda por opiniões rapidamente se perde o pé (e a razão). O relativismo espreita e passa a valer tudo. E isso, numa disciplina tão diícil como a macroeconomia, não contribui construtivamente para o debate e contribui frequentemente para posições interessantes não serem levadas a sério.
E eu também gostei do post...